O Gabinete de Segurança de Israel aprovou, nesta segunda-feira, um plano para ampliar as operações militares na Faixa de Gaza. A estratégia inclui a tomada de áreas controladas pelo Hamas e o deslocamento de parte da população do enclave palestino. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, afirmou que chegou o momento de “iniciar as ações finais” contra o grupo extremista. A guerra, que se iniciou em outubro de 2023, abalou a região, que sofre com precariedade, destruição e falta de estrutura.
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Gaza: veja o antes e depois do início da guerra entre Israel e o Hamas
A decisão veio a público horas após o anúncio das Forças Armadas do Estado judeu, no domingo, sobre a convocação de “dezenas de milhares” de reservistas para ampliar a ofensiva — última escalada na abordagem linha-dura adotada pelo país.
“Ontem à noite ficamos até tarde no gabinete e decidimos por uma operação intensificada em Gaza. Foi a recomendação do chefe das Forças Armadas prosseguir, como ele disse, rumo à derrota do Hamas — e, nesse caminho, ele acredita que isso também nos ajudará a resgatar os reféns, e eu concordo com ele. Não vamos desistir desse esforço, e não vamos abandonar ninguém”, afirmou o premier em pronunciamento divulgado na rede social X.
O plano de reocupação de Gaza foi aprovado por unanimidade no Gabinete de Segurança israelense, uma estrutura que inclui Netanyahu e vários ministros de governo. Uma fonte israelense informada sobre o assunto ouvida pela AFP afirmou que o plano inclui a ocupação do território palestino e “duros golpes” contra o Hamas.
— O plano incluirá, entre outras coisas, a conquista da Faixa de Gaza e a manutenção dos territórios [bem como] movimentar a população de Gaza para o sul para sua proteção — afirmou uma fonte de segurança israelense ouvida pela agência de notícias francesa AFP.
A afirmação segue a mesma linha que outras fontes citadas em anonimato por veículos internacionais que cobrem o conflito.
— É hora de lançar as ações finais — disse Netanyahu, segundo autoridades militares, acrescentando que a nova campanha ajudaria a trazer de volta os reféns que ainda estão presos em Gaza. — Estamos perto da linha de chegada.
Israel intensificou os bombardeios aéreos e ampliou as operações terrestres na Faixa de Gaza desde que retomou a ofensiva no território palestino, em 18 de março, após uma trégua bem-sucedida que levou à troca de reféns israelenses por presos palestinos. O governo aponta a campanha militar como o caminho para forçar o Hamas a libertar os cativos remanescentes — embora, até o momento, quase todos os resgatados com vida tenham sido recuperados por meio de acordos políticos, o que provoca divisão no país.
Em um comunicado emitido nesta segunda, o Fórum das Famílias de Reféns e Desaparecidos, maior organização da sociedade civil israelense em defesa do retorno dos cativos, afirmou que o anúncio do plano “sacrifica os reféns”.
Nesta manhã, o governo reconheceu que escolhe o território em vez dos reféns, ao contrário do desejado por mais de 70% da população”, indicou o texto, enquanto uma ativista do grupo, Einav Zangauker, cujo filho está entre os cativos ainda em Gaza, pediu em uma reunião na Knesset que os reservistas convocados não atendessem ao chamado do governo.
A extrema-direita israelense, por outro lado, comemorou a decisão. O ministro de Finanças, Bezalel Smotrich, líder do partido Sionismo Religioso, afirmou que os israelenses deveriam aceitar a palavra “ocupação” no contexto de Gaza como algo positivo.
— Finalmente vamos ocupar a Faixa de Gaza. Deixaremos de ter medo da palavra ‘ocupação’ — disse Smotrich em entrevista ao Canal 12. — Estamos finalmente assumindo o controle de toda a ajuda humanitária, para que ela não se transforme em suprimentos para o Hamas. Estamos separando o Hamas da população, limpando a Faixa, devolvendo os reféns e derrotando o Hamas. A única maneira de libertar os reféns é subjugar o Hamas. Qualquer recuo resultará no próximo 7 de outubro.
David Mencer, porta-voz do governo, descreveu o plano como um esforço renovado para aumentar a pressão sobre o Hamas para libertar os reféns e destruir toda a infraestrutura do grupo, tanto na superfície quanto no subsolo. Ele afirmou que a campanha pede a “manutenção de territórios” por soldados israelenses por tempo indeterminado “para impedir que o Hamas os retome”. Mencer afirmou que a intenção não era uma ocupação permanente de Gaza, um cenário que quase certamente geraria objeções internacionais, assim como a realocação forçada de palestinos de suas casas no norte.
Autoridades israelenses disseram que a ofensiva começaria lentamente, em antecipação às negociações de cessar-fogo que estão em andamento antes da viagem do presidente Trump à região na próxima semana para reuniões em várias capitais árabes. Mas as autoridades disseram que, se um acordo não for alcançado em breve, a expansão da operação terrestre começará de fato.
‘Limpeza’ de Gaza e ajuda humanitária
Ainda de acordo com a fonte israelense, Netanyahu “continua apoiando” a ideia de retirar a população palestina de Gaza, um plano popularizado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, que no começo do ano afirmou que pretendia transformar o enclave em uma “Riviera” no Oriente Médio e enviar os civis para países vizinhos, como Egito e Jordânia — que se opõem à proposta. Como o deslocamento forçado de populações é considerado um crime de guerra pela lei internacional, o plano vem utilizando o termo de “emigração voluntária”.
Quanto ao já aprovado pelo Gabinete de Segurança, ficou determinado que deve haver “a possibilidade de uma distribuição de ajuda humanitária” em Gaza, onde os relatos sobre fome generalizada ganham força desde o início do bloqueio israelense nas fronteiras do enclave, em 2 de março.
Apesar da previsão sobre a possibilidade, o órgão argumentou que “atualmente há comida suficiente” no território, contrariando advertências de organizações humanitárias e agências da ONU sobre as consequências do bloqueio para os 2,4 milhões de habitantes de Gaza.
O Hamas afirmou nesta segunda-feira que a menção israelense à entrega de ajuda aos palestinos em Gaza equivale a “chantagem política” e culpou Israel pela catástrofe humanitária no território.
“Rejeitamos o uso da ajuda como ferramenta de chantagem política e apoiamos a posição da ONU contra qualquer acordo que viole os princípios humanitários”, disse o Hamas em um comunicado, acrescentando que a “obstrução contínua dos fluxos de ajuda” torna Israel “totalmente responsável” pela situação em Gaza.
O site de notícias Axios informou na sexta-feira que representantes dos Estados Unidos, Israel e uma nova fundação humanitária internacional estavam discutindo um mecanismo para retomar a entrega de ajuda a Gaza “sem que ela seja controlada pelo Hamas”.
Um grupo de entidades da ONU e ONGs no território palestino acusou Israel de tentar “fechar o sistema de distribuição de ajuda existente” e forçar que a entrega seja feita por meio de “centros israelenses”, o que faria com que toda a operação passasse a ocorrer conforme condições que o Exército israelense estabelecesse.
“[Isso] Contraria princípios humanitários fundamentais e parece ter sido concebido para reforçar o controle sobre itens essenciais à vida como uma tática de pressão – como parte de uma estratégia militar”, afirmou a Equipe Humanitária do Território Palestino Ocupado em um comunicado. “O secretário-geral da ONU e o coordenador de ajuda de emergência deixaram claro que não participaremos de nenhum esquema”.
Investigação sobre o 7 de outubro postergada
Outra decisão tomada pelas autoridades israelenses nesta segunda-feira foi não estabelecer uma comissão de inquérito sobre as falhas de segurança e na resposta ao atentado do Hamas, em 7 de outubro. A deliberação foi provocada por uma ordem da Suprema Corte, para que o governo se manifestasse sobre o tema.
A conclusão das autoridades governamentais foi, segundo uma fonte ouvida pelo jornal israelense Haaretz, que havia, em princípio, a disposição de estabelecer uma comissão de inquérito, mas não neste momento. Eles alegaram que seria necessário promover mudanças na lei para definir a forma de indicação dos integrantes da comissão e que, durante a expansão dos combates planejados para Gaza, a situação “não permitirá” uma investigação.
Líderes da oposição israelense criticaram a decisão do governo, incluindo Benny Gantz, um ex-aliado que se tornou um opositor ferrenho de Netanyahu. Ele disse que a única razão pela qual a comissão não foi estabelecida seria “uma tentativa de fugir da responsabilidade”. (Com AFP)