A prefeitura pretende investir R$ 15 milhões no novo programa Recomeço, uma iniciativa voltada à população em situação de rua na cidade. Com lançamento previsto para a segunda quinzena deste mês, o programa será coordenado pela Secretaria municipal de Assistência Social e Economia Solidária (Smases) e articula uma série de políticas públicas nas áreas de assistência social, saúde, habitação, educação e geração de renda.

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Segundo o secretário da pasta, Elton Teixeira, a estimativa atual é que cerca de 350 pessoas vivam em situação de rua no município. No entanto, ele ressalta que aproximadamente 75% desse público não é natural de Niterói e que muitos circulam por cidades vizinhas, especialmente nos fins de semana. Para ele, o desafio exige respostas coordenadas entre diferentes esferas da administração.

— A proposta é oferecer alternativas reais de reconstrução de vida por meio de um atendimento integrado e contínuo, que respeite a dignidade de cada cidadão — afirmou Teixeira.

Uma das principais estruturas previstas pelo Recomeço é a Central de Recepção, com capacidade estimada para realizar até 27 mil atendimentos por ano. A unidade deve começar a operar ainda este mês, embora o endereço do local ainda não tenha sido informado pela prefeitura. De acordo com o secretário, o espaço vai concentrar uma ampla oferta de serviços: alimentação, atendimento ambulatorial de saúde, assessoria jurídica, emissão de documentos, encaminhamento para benefícios sociais, turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA), atividades de cultura e esporte, lavanderia, cuidados para pets e programas de inclusão produtiva.

Na Amaral Peixoto, o cenário de pessoas vivendo nas ruas se repete — Foto: Rafael Timileyi Lopes

Outro equipamento que deve ser inaugurado no mesmo período é o Centro Terapêutico, voltado para o acolhimento de pessoas que fazem uso abusivo de álcool e outras drogas. O serviço será conduzido por equipe multidisciplinar, incluindo psicólogos, psiquiatras, terapeutas ocupacionais, assistentes e educadores sociais. A proposta está alinhada com a Lei Municipal 3.997/2025, que institui o acolhimento humanizado em Niterói.

A política de habitação também será contemplada com a implantação do modelo Housing First no conjunto Jardim das Paineiras, no Badu. A primeira fase prevê a entrega de 40 unidades habitacionais em agosto, priorizando famílias chefiadas por mulheres e atualmente acolhidas em abrigos da rede municipal. Até julho de 2026, outras 60 famílias devem ser contempladas, alcançando cerca de 300 pessoas. Cada núcleo será acompanhado por uma equipe especializada para garantir o desenvolvimento da autonomia dos beneficiários.

Vista aérea da Praça do Rink: moradores denunciam rotina de brigas, sujeira e uso de drogas no local — Foto: Rafael Timileyi Lopes
Vista aérea da Praça do Rink: moradores denunciam rotina de brigas, sujeira e uso de drogas no local — Foto: Rafael Timileyi Lopes

A autonomia econômica é outro eixo estruturante do programa. O Recomeço prevê parcerias com entidades como Ademi, Firjan, Sesi, Senac, sindicatos e associações comerciais. A ideia é ampliar a oferta de vagas em cursos profissionalizantes e facilitar o acesso da população em situação de rua ao mercado de trabalho formal.

— Só em junho, conseguimos a contratação de dez pessoas que estavam em situação de rua. Nossa intenção é ampliar esse número com o apoio de empresas socialmente responsáveis. Também vamos usar a mão de obra formada em nossos programas nas contratações da própria prefeitura — disse Teixeira.

Nesse sentido, o governo municipal pretende reservar vagas em contratos de prestação de serviços nas áreas de jardinagem, manutenção de praças e viveiros de mudas. Além disso, a Smases planeja estabelecer cotas para esse público em projetos habitacionais vinculados ao Minha Casa, Minha Vida.

O secretário também mencionou que a estratégia de reinserção social está sendo desenhada com apoio de outras secretarias da administração municipal, como Saúde, Ordem Pública, Conservação e Serviços Públicos, além da Companhia de Limpeza de Niterói (Clin).

— A atuação precisa ser intersetorial para fazer frente à complexidade desse desafio. Não se trata apenas de oferecer abrigo, mas de garantir oportunidades e condições reais para que essas pessoas possam sair das ruas de forma definitiva — concluiu o secretário.

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Na última quarta-feira, moradores em situação de rua tentavam se proteger do frio e da chuva em marquise do Shopping Bay Market, no Centro — Foto: Felipe Gelani
Na última quarta-feira, moradores em situação de rua tentavam se proteger do frio e da chuva em marquise do Shopping Bay Market, no Centro — Foto: Felipe Gelani

As ações do programa Recomeço visam a abrir caminhos para que essas pessoas saiam das ruas de forma definitiva. Na última quarta-feira, a equipe de reportagem do GLOBO-Niterói conversou com sete moradores em situação de rua no Centro. Apenas um deles disse conhecer o projeto, mas afirmou que ainda não foi procurado por equipes da prefeitura. Todos esperam que a iniciativa funcione, mas pedem mudanças imediatas nas abordagens de agentes municipais. Alguns relatos apontam ações feitas com truculência, mesmo nos dias mais frios, com a retirada de papelões e outros pertences durante a noite.

— Eles chegam aqui dando chute nos nossos pés, mandando nos levantarmos e gritando: “A bagunça acabou em Niterói”. Levam tudo, até os papelões que usamos para dormir, e dizem que é ordem. Isso é muito humilhante— contou Adelaine, de 19 anos, sendo dez deles nas ruas.

Essa situação relatada pela jovem acabou se tornando alvo de denúncia do deputado estadual Flávio Serafini (PSOL). Um vídeo recentemente compartilhado pelo parlamentar mostra funcionários da prefeitura jogando os objetos de três homens em um caminhão da Clin, na Praia das Flechas, no Ingá.

Procurada, a prefeitura afirmou que orienta permanentemente os funcionários a atuarem com respeito e humanidade, apesar da complexidade das abordagens, sobretudo em casos envolvendo uso abusivo de álcool e drogas. O secretário de Assistência Social e Economia Solidária, Elton Teixeira, reiterou que os servidores recebem instruções constantes, mesmo diante das dificuldades enfrentadas em campo.

Baseado nas imagens obtidas durante a operação municipal citada, o deputado protocolou uma denúncia junto ao Ministério Público como exemplo de abordagem “violenta e ilegal” contra pessoas em situação de rua.

De acordo com o documento, servidores municipais retiraram à força três pessoas que se abrigavam sob o calçadão da praia. A ação incluiu informações sobre o recolhimento de roupas, cobertores e pertences pessoais, colocados em sacos de lixo e levados em um caminhão da Clin.

O episódio foi registrado em vídeo e encaminhado à Promotoria de Tutela Coletiva de Niterói. Nas imagens, é possível ver agentes empurrando pessoas com cassetetes e recolhendo objetos, sem apresentar recibos ou qualquer protocolo de lacre.

— Precisamos muito intensificar as políticas de acolhimento e cuidado à população em situação de rua, e esse plano da prefeitura apresenta ideias gerais interessantes, como políticas de moradia, qualificação e inserção no trabalho. O problema é que essas ações estão só no papel. Na prática, a prefeitura está seguindo um caminho que reproduz a violência contra essa população tão vulnerabilizada. Primeiro aprovou uma lei prevendo internação compulsória. A lei é tão discriminatória que o Ministério Público da União e a Defensoria Pública soltaram nota conjunta apontando a inconstitucionalidade da medida. Depois disso, a prefeitura passou a apreender agasalhos da população em pleno inverno, colocando as pessoas em risco — disse Serafini.

A resposta da prefeitura às críticas feitas pelo deputado estadual veio por meio do secretário Elton Teixeira. Segundo ele, o vídeo divulgado nas redes sociais pelo parlamentar omite parte dos fatos e tem o objetivo de desacreditar o trabalho feito pelas equipes municipais. Teixeira ressalta que o parlamentar é autor de uma ação judicial contra a Lei do Acolhimento Humanizado, aprovada este ano na Câmara Municipal, e defende que a gestão atual tem ampliado a rede de proteção social com a criação de vagas em abrigos e outras ações voltadas à população vulnerável.

— O vídeo editado pelo deputado de oposição Flávio Serafini, que inclusive entrou com ação judicial contra a Lei do Acolhimento Humanizado aprovada pela Câmara, busca desqualificar o trabalho dedicado de dezenas de servidores municipais que atuam junto à população em situação de rua. Cabe ressaltar que praticamente todos os abrigos municipais foram implantados na gestão do prefeito Rodrigo Neves e que a prefeitura conta com 320 vagas em abrigos municipais, número bem superior às 220 vagas ofertadas nos 20 municípios da Região Metropolitana, excetuando a cidade do Rio. O que o deputado tem feito diante do desmonte e fechamento completo dos abrigos intermunicipais pela Fundação Leão XIII, do estado? — indaga.

com investimento de R$ 15 milhões, prefeitura de Niterói lança programa para pessoas em situação de rua