Há cerca de duas semanas, quando teve início a guerra aérea entre Israel e Irã, um cartaz informativo passou a circular nas ruas iranianas: ele pedia aos cidadãos que prestassem atenção (e denunciassem) pessoas suspeitas, que usassem “máscaras, chapéus e óculos escuros, inclusive à noite”, assim como as que “recebem pacotes por correio com frequência”.
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Outro cartaz, distribuído pela polícia, é voltado aos donos de imóveis:
“Se você alugou seu imóvel ou casa para uma empresa, de forma convencional ou não convencional, nos últimos meses, ou para uso residencial, por um curto ou longo prazo, certifique-se de denunciar o ocorrido à polícia imediatamente”, afirma o texto.
Os cartazes são exemplos da paranoia que avançou no Irã após os primeiros bombardeios de Israel, no dia 13 de junho: o país não foi simplesmente atacado por mísseis e aeronaves, mas também foi alvo de operações internas, que expuseram o grau da infiltração da inteligência israelense em solo iraniano. Segundo especialistas, Israel teria entre 30 e 40 células ativas dentro do Irã, em boa parte formada por pessoas recrutadas localmente — os “espiões” estrangeiros seriam usados apenas em ações especiais ou na coordenação de operações.
— Acho que as pessoas não percebem o quão audaciosos nós somos — disse a especialista em inteligência militar israelense Miri Eisin ao jornal britânico The Observer.
Como em toda caça a inimigos internos, ainda mais em países com regimes opressivos, as prisões são a face mais visível da repressão.
De acordo com a agência Fars News, ligada à Guarda Revolucionária, mais de 700 pessoas foram presas desde o início da guerra, acusadas de integrarem uma “rede ativa de espionagem e sabotagem” a favor do “regime sionista”. As autoridades afirmaram que alguns dos detidos operaram drones dentro do Irã, incluindo veículos de ataque, montaram e usaram explosivos e obtiveram imagens de instalações militares.
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Houve ainda detenções de pessoas que compartilharam “artigos favoráveis ao regime sionista”, inclusive em Teerã e Isfahã, duas cidades bombardeadas por Israel, e a apreensão de mais de 10 mil drones na capital iraniana, segundo a rede Iran International, ligada à oposição no exílio. Uma organização de defesa dos direitos humanos baseada nos EUA estimou o número de prisões em 823.
O ritmo de execuções também aumentou. Nesta quarta-feira, três homens acusados de trabalharem para o Mossad, o principal serviço de segurança de Israel, foram executados. Segundo a denúncia, eles conspiraram para levar “equipamentos de assassinato” escondidos em uma carga de bebidas alcoólicas — proibidas no Irã —, e que teriam sido usados para matar uma “figura pública”. Nos últimos dias, outros três homens acusados de espionagem foram enforcados.
“Os apelos oficiais por julgamentos e execuções acelerados para os presos por suposta colaboração com Israel demonstram como as autoridades iranianas utilizam a pena de morte como arma para exercer controle e incutir medo no povo iraniano”, afirmou, em comunicado, Hussein Baoumi, diretor regional adjunto para o Oriente Médio e Norte da África da Anistia Internacional.
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Nas últimas décadas, a inteligência de Israel demonstrou ter uma ampla presença dentro do Irã, e levou adiante operações cada vez mais ousadas. Nos anos 2010, vários cientistas ligados ao programa nuclear foram assassinados, em operações que pareciam saídas de filmes de ação.
Em 2020, uma explosão causou estragos na central nuclear de Natanz, um ato que posteriormente foi classificado como sabotagem. E no ano passado, o líder da ala política do Hamas, Ismail Haniyeh, foi morto em Teerã horas depois da posse do novo presidente, Masoud Pezeshkian, com uma bomba instalada sob sua cama, em uma das áreas mais protegidas do país.
Nos 12 dias de guerra, planejados ao longo de oito meses, o Mossad conseguiu contrabandear armas para dentro do Irã, estabelecendo uma base para lançar drones e armas de precisão contra alvos no país, especialmente os lançadores de mísseis perto de Teerã e os sistemas de defesa aérea. Os agentes infiltrados ainda forneceram dados para atacar a cúpula militar iraniana, que foi praticamente eliminada.
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A fragilidade diante de Israel, combinada aos ataques americanos, foi um duro golpe à República Islâmica, que precisa demonstrar à sua população que ainda é capaz de proteger o país. E isso inclui, necessariamente, uma caça interna a supostos inimigos.
— Essa repressão era inevitável — disse Sanam Vakil, diretora do programa para Oriente Médio e Norte da África do centro de estudos Chatham House, à NBC News. — Acho que será bastante abrangente e prolongada. É um resultado relativamente previsível para um regime que continua fortemente repressivo.
Além dos cartazes nas ruas sobre um estereótipo de filmes de espionagem, os serviços de segurança do regime intensificaram a presença nas ruas. As forças Basij, uma força paramilitar ligada à Guarda Revolucionária, iniciaram patrulhas noturnas mais intensivas. O chefe da polícia nacional, Ahmad-Reza Radan, pediu aos “traidores” que se entreguem, prometendo uma pena mais branda. E o chefe do Judiciário, Gholam-Hossein Mohseni-Ejei, exigiu que processos envolvendo “traição” sejam agilizados.
— Se as ações traiçoeiras desses réus forem comprovadas, eles enfrentarão imediatamente uma punição severa, e não haverá clemência ou apaziguamento neste caso — afirmou.
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O fim da guerra não significa que os espiões israelenses não vão mais operar dentro do Irã, pelo contrário. O governo de Benjamin Netanyahu segue em estado de alerta sobre as atividades militares e nucleares de Teerã, e sinalizou que poderia voltar a atacar caso perceba sinais de ameaças a Israel. No momento, a grande “baixa” da repressão e da guerra é o movimento de oposição, que, ao contrário de atos vistos nos últimos anos, não deu sinais de que pretenda se levantar contra o regime.
— Os iranianos ainda são contra o regime, mas, por enquanto, estão focados na segurança — disse ao portal France 24 Jonathan Piron, historiador especializado no Irã no centro de pesquisa Etopia, em Bruxelas. — Há um certo medo do regime, que sabe que está enfraquecido, de ver protestos surgirem em algum momento. Sua demonstração de força deve cortar qualquer movimento de protesto pela raiz.