Em fevereiro de 2017, O GLOBO publicou artigo de minha autoria comentando a vitória surpreendente de Donald Trump, que ganhou as eleições apresentando um programa agressivo que contrastava com o de Hillary Clinton, cuja derrota no Colégio Eleitoral não era prevista.
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Críticos achavam que Trump não poria em prática seu programa. Não foi o que aconteceu. No primeiro pronunciamento, na Pensilvânia, deixou claro que não abriria mão de suas promessas. Isso de fato ocorreu. Mas ele não tinha maioria nas duas Casas do Congresso.
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A situação se alterou com a determinação e o alcance da eleição de 2024, em que ele obteve vitória também no voto popular e no Congresso. Reafirmou suas promessas de campanha de 2016, com um programa mais agressivo, centrado principalmente em elevação de tarifas, combate aos imigrantes ilegais (muitos já deportados) e desburocratização. Para colaborar nessa missão desburocratizadora, deu plenos poderes a Elon Musk, que não esperou muito e logo nos primeiros atos fez uma varredura em várias secretarias. Em alguns casos, contrariou decisões posteriores da Suprema Corte com uma postura desafiadora.
No comércio internacional, Trump propôs taxas de 25% a produtos importados de Canadá, México e União Europeia. A taxação provocou rebelião interna e externa. E também uma taxa de 25% nos aços e chapas, principalmente de Brasil, Índia e México. Essa atitude criou expectativa de que muito ainda estava por vir. Ele elevou a tarifa de importação de produtos chineses a 104%, posteriormente ampliada para 145%.
Seremos menos afetados que outros países em desenvolvimento? Em nosso favor, temos alternativamente mantido “déficits comerciais” com os Estados Unidos que nos colocam numa posição diferenciada.
Em meu artigo de 2017 registrei o seguinte: “Do nosso lado, vamos ver se podemos tirar algum benefício desse quadro de mudanças, que certamente terá um acelerador com sua eleição. Se já vislumbrávamos alterações em padrões tradicionais preestabelecidos, mais que nunca temos de nos preparar para um novo cenário, ainda muito embaçado.”
Em 9 de abril, devido à pressão mundial, Trump recuou e deu claras indicações de que a disputa, pelo menos nos próximos 90 dias, se concentrará no diálogo sobre as tarifas mantidas em 10%. Teremos de testar nossa capacidade de adaptação aos novos tempos e buscar identificar os ganhos que poderemos tirar dessa revolução na área de comércio internacional e também acompanhar as repercussões externas de algumas dessas políticas a curto prazo.
Do ponto de vista tarifário, o impacto na economia mundial provocará uma nova realidade, com perdedores e ganhadores, mas existe uma unanimidade: recessão e inflação à vista.
Espero que possamos tirar proveito de oportunidades que certamente existirão. Os Estados Unidos, no passado, assistiram impávidos à China ocupar espaço crescente em nossa região. O Brasil tem como ampliar sua relação com os chineses, que poderá ser uma atitude não só nossa, como de todos os países da América Latina. A China é capaz de desviar para nossa região produtos que exportava para os Estados Unidos. Com todas as implicações.
Enfatizo que estamos numa posição defensiva e devemos ficar atentos para eventuais brechas. Ouvir mais que falar.
Portanto teremos de nos manter alertas nos próximos meses, que serão ainda mais agitados, e é muito difícil prever os desdobramentos. Haverá um longo período pela frente para avaliar essa revolução industrial, e é certo que o mundo não será o mesmo. A geopolítica mundial será alterada pela guerra tarifária e por seus desdobramentos. Seremos afetados, mas o fato de termos um percentual baixo de participação do comércio mundial sugere que sofreremos menos. Outro fator que contribuirá nessa nova ordem mundial estará gradualmente ligado à questão demográfica.
A situação comentada em meu artigo de 2017 foi superada com muita força por Trump II, que assumiu com toda a disposição para provocar uma revolução nos termos de troca que, muito embora tenhamos alertado, veio de forma avassaladora. Ele agora está mais poderoso, mas enfrentará resistência.
Toda demonstração de força provoca uma forte reação igual e contrária.
*Roberto Teixeira da Costa é economista

