Após quase três meses da troca de comando no Congresso, o ritmo de votações tanto na Câmara quanto no Senado permanece lento. O número de proposições chanceladas pelos plenários das duas Casas é menor do que o registrado nos primeiros meses de legislaturas anteriores. Entre as justificativas citadas por aliados dos presidentes Hugo Motta (Republicanos-PB) e Davi Alcolumbre (União-AP) estão a pressão da oposição para levar adiante o projeto de anistia aos envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023 e a incapacidade do Palácio do Planalto de impor sua pauta. Procurados, Motta e Alcolumbre não comentaram.
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Na Câmara, os deputados aprovaram 82 proposições de fevereiro até a segunda semana de abril. Quase metade (33) da lista é formada por tratados comerciais, que tradicionalmente são votados por consenso, sem muito debate. O total destoa dos inícios de outras legislaturas. Em 2023, sob a gestão de Arthur Lira (PP-AL), por exemplo, foram 147 medidas aprovadas no mesmo período. Em 2019, quando Rodrigo Maia era o presidente da Casa, 231. Nos primeiros meses da gestão de Eduardo Cunha, em 2015, por sua vez, 381 propostas tiveram o aval dos deputados.
Na comparação com os últimos dez anos, o número só é maior que o registrado em 2021, durante a pandemia de Covid-19, quando foram 63 medidas aprovadas, e 2017, na primeira gestão de Maia, logo após a cassação de Cunha.
Motta assumiu a cadeira de presidente da Câmara em fevereiro com o discurso de buscar consensos, numa estratégia para se afastar da principal crítica à gestão de Lira: as votações aceleradas, sem discussões dos projetos que eram levados para a pauta do plenário.
Neste sentido, o deputado anunciou há duas semanas a criação de três comissões especiais para debater propostas consideradas prioritárias pelo governo. Uma para analisar a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, outra para a regulamentação da Inteligência Artificial e a terceira que vai tratar do Plano Nacional de Educação. Os colegiados nem sequer foram instalados.
A estratégia de discutir o texto em um colegiado específico também foi usada por Lira no caso do PL das Redes Sociais, que trata da regulamentação das plataformas. O então presidente da Câmara anunciou em junho do ano passado a criação de um grupo de trabalho para debater o texto, com prazo de 90 dias. Dez meses depois, esse grupo não chegou a ser formado.
Projetos da área econômica também estão na lista do que está travado. Um exemplo é o que estabelece idade mínima de 55 anos para a aposentadoria de militares, o que hoje não existe, enviado pelo governo em dezembro.
Questionada sobre as votações paradas na Casa, a ministra Gleisi Hoffmann, da Secretaria das Relações Institucionais, afirmou que não cabe ao governo pressionar o Congresso. “O governo articula e encaminha pautas do Executivo, e estas estão bem encaminhadas”, disse ela, em nota.
Aliado de Motta, o líder do Republicanos, Gilberto Abramo (MG), também minimizou a baixa produtividade da Casa:
— Acho que (o ritmo de votações) está dentro da normalidade. Existem matérias que partidos fazem questionamentos e, para não ter discussões inacabadas, se retira da pauta até entrarmos em acordo.
O ritmo mais lento de votações foi agravado nesta semana, quando deputados foram dispensados de comparecer em Brasília por causa do feriado da Páscoa. Motta, por sua vez, anunciou ter entrado de férias no último dia 10 e, segundo sua assessoria, viajou para fora do país.
— Vivemos um momento tumultuado com o PL da anistia. Acho que a viagem faz parte de uma estratégia de esfriar a temperatura — disse o líder do PT, Lindbergh Farias (RJ).
O cenário é semelhante no Senado. A quantidade de propostas votadas até 15 de abril é a menor para inícios de legislaturas dos últimos 14 anos. Foram 47, ante 88 em 2023, e 110 em 2021, no primeiro mandato de Rodrigo Pacheco (PSD-RJ) como presidente da Casa, em meio à pandemia de Covid-19.
Para o líder do União Brasil, senador Efraim Filho (PB), questões que polarizam o debate acabam por afetar o ritmo de votações no Congresso.
— O início do ano foi impactado por discussões como a anistia, que polarizam, e isto impacta na formação das agendas, além de fazer com que as comissões demorassem a ser instaladas — disse ele.
Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), a principal do Senado, estão duas das pautas consideradas prioritárias pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad: a que cria o Comitê Gestor da Reforma Tributária e a que limita os penduricalhos na remuneração de servidores públicos, para coibir os chamados “supersalários”.
O presidente do colegiado, senador Otto Alencar (PSD-BA), afirma que tem conversado com Gleisi para tentar avançar com os textos, mas avalia que falta sintonia entre os Poderes:
— Até agora, poucas pautas relevantes foram levadas a plenário. A ministra Gleisi Hoffmann tem conversado com todos nós, tentado fazer os projetos irem à frente. O pior é que tenho olhado para frente e parece que não vai acontecer nada.
Outro motivo apontado para o ritmo mais lento é o tempo perdido na discussão do Orçamento de 2025.
— O ano ficou comprometido com a passagem de 2024 sem o orçamento anual aprovado. Estamos indo para o quinto mês do ano nesta situação, de pouca produtividade. Agora, com as comissões instaladas, o segundo semestre precisará ser intenso, por causa do calendário eleitoral — disse Eduardo Gomes (PL-TO), vice-presidente do Senado.