Na noite anterior a esta entrevista, Gabb, de 30 anos, foi invadida por um turbilhão de memórias da infância e da adolescência. O gatilho? O filme “Conclave”, que levou prêmio de melhor roteiro adaptado no Oscar 2025. Mineira de Juiz de Fora, a criadora de conteúdo estudou em colégio de padre e fez parte do coral da igreja. O passado religioso ficou para trás, mas de vez em quando ela se pega rezando um Pai-Nosso, lendo o Salmo 91… “Tenho um carinho enorme pela escola católica. Amava a batina, achava algo tão iconoclasta. Pedia sempre à minha avó para dar um pontinho para a roupa ficar acinturada. Olho com amor para esse período da minha vida. Nunca me senti um peixe fora d’água. Não foi uma experiência opressora. Pelo contrário. Fui acolhida”, conta a apresentadora não binária, alçada a ícone fashion com suas críticas nas redes e no “Ambulatório da M.O.D.A”. Mês que vem, o programa estreia a terceira temporada no YouTube. “Minha existência na indústria é praticamente um ato religioso. Eu me vejo como o sacerdócio. É como se esse meio representasse um caminho sagrado que me fez chegar até aqui.”
Nas primeiras duas temporadas, Gabb reuniu o “who is who” da indústria fashion e do entretenimento. Passaram pelo ambulatório Carol Ribeiro, Fernanda Tavares, Mariana Weickert, Mariana Ximenes, Juliana Paes, Angélica, Luísa Sonza e Erika Hilton, só para citar alguns nomes. “Gabb representa a nova geração da moda brasileira, trazendo autenticidade, inclusão e inovação. Sua voz ressignifica identidade e pertencimento, ampliando narrativas na indústria e inspirando um setor mais plural e representativo”, diz Paulo Borges, o homem por trás da São Paulo Fashion Week. A supermodelo Ana Claudia Michels vai além: “Gabb conseguiu, de uma forma alegre e leve, despertar o interesse de um público que há tempos havia desistido da moda”.
A terceira temporada do programa será lançada, na primeira quinzena de abril, com a presença de Ney Matogrosso. Spoiler? “Ele me revelou que todas as roupas da banda Secos e Molhados viraram fantasias de carnaval de seus amigos. Fiquei chocada”, entrega a mineira, incrédula. Gabb acredita que o boom tem a ver com o desenho do projeto. “Sabíamos que não teríamos milhões em audiência (cada episódio tem cerca de 60 mil visualizações, mas um dos cortes do programa com a a deputada federal Erika Hilton passou a marca de 1,7 milhão de plays no Instagram). Queria fazer algo lindo para festejar a indústria. Também é um espaço seguro, em que ninguém tem sua intimidade invadida.
A intenção é perguntar sobre aquele look que deu certo ou errado, ter aquele papo que parece que nunca vai acabar”, observa a influenciadora, revelando que Xuxa enviou mensagem para sinalizar que adoraria estar no ambulatório. “Sonho com Anitta, Vera Fischer e Gisele Bündchen no meu talk. Inclusive, estamos estudando possibilidades. Aguardem.” Mariana Ximenes arrisca um palpite para o sucesso. “Com o humor ácido e o jeito único, ela conseguiu tornar a moda mais acessível e divertida. Sua abordagem autêntica não só faz a gente rir, mas também nos convida a enxergar esse universo de uma forma leve e inclusiva. Gabb transforma a moda em entretenimento imperdível e democrático. Adorei ter ido ao programa e ser alvo de seu raciocino rápido e irreverente”, diz a atriz.
No episódio, é explicada a origem de um dos bordões mais populares da criadora de conteúdo, o “horrorooooosa”, destaque até em um dos capítulos da reta final da novela “Beleza fatal”, da Max, em que Gabb contracena com Lola, a personagem de Camila Pitanga. “Há alguns anos, quando um amigo comprava uma roupa nova e perguntava minha opinião, eu soltava ‘horrorooooosa’. Gostava de quebrar expectativas. Aí sugeriam que eu colocasse isso no meu conteúdo. Deu certo!”, conta ela, autora de outras marcas: iconic, movie star, mona…
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Com ou sem bordões, para Gabb não tem conversa difícil. Ela costuma dizer que “sempre foi assim”. Em casa, nunca precisou anunciar sua sexualidade. “Minha família sempre soube que eu era gay e isso nunca foi uma questão. A preocupação era com o futuro. Todos queriam que eu me preparasse para um concurso público”, lembra-se ela, que logo compreendeu que sua existência não cabia numa caixa. “Muito cedo, notei que era ‘gay demais’. Não se falava tão profundamente sobre as diversas camadas de gêneros até outro dia, né? Ao ter noção da não binariedade, percebi que me encaixava na nomenclatura. Sempre fui assim, não me enquadrava nas categorias tradicionais de masculino ou feminino. Gostava de usar roupas de meninos e meninas, misturar os universos.”
Batizada Gabriel Moraes, Gabb brinca que seu olhar sempre foi atraído por quem era tido como diferente, camp — uma atitude exagerada, artificial ou teatral. “Era apaixonada pela figura da Elke Maravilha. Parava tudo que estava fazendo para assisti-la na TV. Ela usava chifres, roupas fora do lugar-comum… Eu pensava: ‘O que essa mulher está fazendo ali?’ E Elke estava simplesmente sobrevivendo e ninguém estava falando sobre seu visual, era totalmente normal. Achava aquilo o máximo! Tínhamos também Vera Verão. Hoje, não existem mais pessoas assim na mídia; e eu quero ser exatamente isso”, comenta a mineira. Milton Cunha é um dos entusiastas do talento e do visual da criadora de conteúdo. “Ela é extremamente alta (1,83m), culta e inteligente. É bonita e vistosa, além de usar figurinos iluminados. Porém, o que mais gosto é da postura. Vai para cima, desconcertando o mundo”, celebra o carnavalesco.
Gabb usa a moda como ferramenta para extravasar seu eu interior. Quando criança, já tinha uma ligação forte com a construção imagética. Lembra-se nitidamente das bolsas da Louis Vuitton criadas em parceria com o artista japonês Takashi Murakami. “Não tinha noção da relevância da maison, mas foi algo que me pegou”, recorda-se. Também povoam seu imaginário nomes como Paris Hilton, Lindsay Lohan e Nicole Richie. Nunca se esqueceu do “jungle dress” Versace que Jennifer Lopez usou na edição de 2000 do Grammy. Apesar dessa paixão avassaladora pela indústria, chegou a cogitar diferentes trilhas para a vida. “Percebi na infância que levava jeito para comunicação. Decidi, então, que seria diplomata. Ingressei na faculdade de Ciências Sociais, porém, concluí que não conseguiria seguir nesse meio. Era muito estudo, mas me formei.”
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Com o diploma em mãos, caiu no mundo. Trocou a cidade natal pelo Rio para tentar carreira como DJ e relações-públicas. Era contratada para badalar o evento, entupindo-o de famosos. Sua agenda era eclética: de Sasha Meneghel a Dany Bananinha; de Isis Valverde a Bárbara Evans. “Conheci todas por meio de amigos em comum. Ficávamos pela praia da Barra da Tijuca, sabe? Era outra época. Era meio vagabunda, com tempo livre para fazer contatos. Agora, não tenho um minuto tranquilo. Mas eu adoro essa correria”, comenta.
A agitação tem a ver, claro, com o crescimento do “Ambulatório da M.O.D.A”. O projeto, Gabb define, é uma mistura de “Fashion Police” com “Saia justa”. “Eu estava na pista, me empenhando em fazer conteúdo para a internet. Mas jogava nas 11, atacava para todos os lados. Opinava sobre o noticiário, filmes… E é aquilo: quem fala sobre tudo não fala sobre nada, na verdade”, discorre. Logo depois da pandemia, a mineira foi convidada para apresentar um podcast na MTV. Foram apenas três meses, porém o suficiente para entender que sem foco não iria longe. “Ao sair da emissora, tive o estalo. Por que não recalcular a rota? Mudar minha imagem na web. Aí, em 2023, iniciei o programa por conta própria. Moda é algo tão forte que até quem não tem nada a acrescentar tem voz. É um lugar de debate. Afinal, a única coisa que se discute é gosto.”
Há sete anos morando no Centro de São Paulo, a youtuber praticamente não sai de casa. Seus passeios são profissionais. “Ou estou gravando o programa ou fazendo presença em evento. Como fui DJ e RP, gastei minha bateria social inteira. Não tenho namorado e, para falar a verdade, há tempos não fico com alguém. Desde que estive no time de comentaristas do ‘Domingão do Huck’, entre janeiro e fevereiro do ano passado, minha rotina ficou um loucura. Tenho sempre uma entrega digital, uma publicidade… Estive até no Cannes Lions Festival Internacional de Criatividade para palestrar para o pessoal do TikTok e da L’Oréal. Fiquei nervosa à beça.” Mas, no final, deu tudo certo. Iconic e horroroooosa como só ela sabe ser.