Os anos de formação e início de carreira da paulistana Fernanda Marques poderiam ter levado a arquiteta a seguir os ditames da Escola Paulista — ou brutalista —, cujo expoente maior foi João Batista Vilanova Artigas (1915-1985), autor do projeto da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, a FAU-USP, onde ela estudou. Ou ainda fixar-se no segmento corporativo, foco do escritório de Gian Carlo Gasperini (1926-2020), seu professor e primeiro chefe, que assina trabalhos emblemáticos de São Paulo, como o Tribunal de Contas do Estado.
Ao invés disso, Fernanda vem trilhando um caminho em que privilegia a escala humana nos espaços construídos, a integração entre os ambientes e as áreas externas. Exemplo disso é o apartamento Skyline, concluído em 2023. Com uma piscina que lembra um aquário, foi premiado neste ano na categoria Interiores Residenciais da láurea alemã iF Awards, uma das mais prestigiosas do segmento. “Sou uma pessoa que curte olhar para fora”, argumenta. “Gosto das entradas de luz natural, de saber se está chovendo ou fazendo sol, gosto que as pessoas tenham essa percepção do dia em contraponto à noite. Então a arquitetura já embeleza demais por si só, porque a natureza é muito rica em texturas, cores”, diz. “E isso tudo é um grande contraponto com a arquitetura brutalista.”
Formada em 1988, abriu seu escritório logo no começo dos anos 1990, inicialmente focada no segmento corporativo. A primeira participação na Casacor São Paulo, em 2009, marca o nascimento do Banco Infinito, uma de suas criações mais conhecidas e fotografadas, escolhida pra participar de uma das edições da Bienal de Arquitetura de São Paulo. “Ali, comecei a perceber a importância dessas peças autorais para os nossos projetos e também como foi interessante trabalhar numa outra escala, porque o raciocínio é muito semelhante ao de um projeto arquitetônico. É claro que traz outros desafios, porque a gente vai na minúcia da minúcia.”
Nesse embalo, as colaborações de Fernanda com a Breton são sólidas. Iniciou-se com a linha de mesas “Serras”, em 2019. Ela fez a estreia no setor de design da SP-Arte no ano passado, com duas criações produzidas pela marca: a mesa Mantiqueira de mármore e o sofá Landscape. Quanto a eventuais briefings, o diretor de estilo, imagem e produto da empresa, Daniel Pegoraro, diz: “Fernanda é uma pessoa que precisamos deixar voar”. E completa: “Apenas fiz uma apresentação para ela do perfil do nosso público, dos insights, das nossas questões sustentáveis, da ideia de uma alfaiataria na movelaria.”
Fernanda relativiza o tamanho da demanda internacional, mas assente que vem aumentando, em resposta a uma expertise já consolidada para empreender trabalhos fora do Brasil. Atualmente, tem projetos de interiores em Miami (um edifício de três mil metros quadrados) e Nova York. Fora dos Estados Unidos, já atuou em Mônaco, Portugal, Inglaterra e Panamá. “A grande maioria acaba sendo projetos para brasileiros, mas não são todos”, pondera.
Fernanda mora no Jardim Europa, em São Paulo, numa casa projetada por ela mesma, há 25 anos. Acomoda algumas de suas criações, como uma mesa de centro Serras, o sofá Landscape e duas poltronas Maxx. “O design precisa ser vivido, não apenas criado”, ressalta. “Ter minhas próprias peças em casa é uma forma de experimentar, sentir e aprimorar cada detalhe. O sofá se tornou o coração da sala, enquanto a mesa e as poltronas trazem equilíbrio e aconchego, reforçando minha crença de que cada peça deve dialogar com quem a usa, trazendo conforto, funcionalidade e, acima de tudo, alma.”
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Com uma vasta coleção de prêmios, entre eles IDA Design e iF Awards, Fernanda também coleciona arte contemporânea. “Sou uma especialista na arquitetura, em interiores e design. Mas tenho uma bagagem razoável para colaborar com as escolhas dos clientes, durante a execução de um projeto”, argumenta. “Geralmente, quando estão começando uma coleção, procuro focar nos artistas mais jovens, com poder de valorização maior. Principalmente para que passem a conhecer o mercado e, depois, possam fazer as próprias escolhas.” Fernanda pondera que a matéria com a qual se sente mais à vontade para trabalhar ainda é a madeira ou a pedra. Teve uma experiência com metal em uma coleção para a Mekal, mas também criou com cerâmica, para a Roca. Vem preparando uma linha para a Firma Casa, com vidro trabalhado e latão, em mesas de centro, aparador, mesa de jantar e sofá, todos seguindo sua “linguagem mais orgânica e as inspirações na natureza”.
Mas a arquiteta ressalta que sua direção, seja nos projetos de interiores ou na criação de produtos, são as pessoas que ocuparão esses espaços e usarão as peças. “Sou muito ligada a tendências comportamentais, gosto de me informar a esse respeito, porque, afinal, estou desenhando para as pessoas”, salienta. Para Fernanda, os espaços arquitetônicos são muito transformadores. “Há ambientes opressores e há aqueles onde você se alegra. Estes mudam o seu mood . A mesma coisa se aplica ao design. Essa leitura da pessoa, do ser humano, das famílias com as quais trabalho, é algo que vejo transparecer , curto ficar atenta e aprender”, conclui.