Imagine viver uma rotina em que tudo é feito da cama ou do sofá: o despertador toca às 8h, você levanta para pegar um café e, ao voltar, coloca o notebook no colo, começando mais um dia de trabalho “na horizontal”. Sai daquele espaço aconchegante apenas para ir ao banheiro ou tomar um banho, e ali, almoça e permanece até a noite, vendo TV, colocando as séries em dia, lendo um livro, rolando a tela do celular ou simplesmente fazendo nada. A vida da analista de pesquisa de mercado Nathalia Wendler, de 26 anos, segue essa cartilha há cinco, desde a implantação do home office em sua empresa. “Fico de pijama e descabelada, sinto-me confortável assim. Sou mais produtiva em casa do que no escritório. Raramente me sento à mesa, porque ela me remete ao ambiente corporativo”, justifica Nathalia.
O namorado, produtor audiovisual, acompanha, vez ou outra, a rotina caseira e reservada da paulistana. Embora Nathalia tenha sido diagnosticada com depressão e ansiedade, esse não é um fator, garante, que a faz ficar 100% do tempo deitada. “Saímos pouco, ele também trabalha em casa, preferimos assim. No fim de semana, estamos direto no sofá, estudando ou passando o tempo. Talvez, umas 16 horas por dia”, diz. Mesmo com o conforto, ela admite a parte negativa e pouco saudável do estilo de vida. “É ruim para a coluna.”Um giro rápido pelo TikTok entrega o nome de mais um comportamento da vez entre a geração Z, os nascidos entre 1997 e 2012, e da qual Nathalia faz parte. É o bed rotting (apodrecer na cama, em tradução livre), termo viral com centenas de citações e vídeos, principalmente em inglês. Neles, os jovens disseminam a ideia de que estar na cama o dia todo, usando pijama e cercado por travesseiros e almofadas, é um ritual de autocuidado. Afinal, o que pode ser melhor do que corpo e mente relaxados?
“Ser funcional, mas estar 24 horas na cama é sinal de alerta. Parece-me que mesmo após dois anos do término da pandemia, algumas pessoas não conseguem desfazer a barreira criada para socializar e sair de casa”, analisa a psicóloga gaúcha Daniela Zimmermann, da PUC-RS. Ao gravar um vídeo para o Tik Tok sobre o tema, ela alcançou mais de 20 mil curtidas e dividiu opiniões ao apontar o quão problemática é a “tendência”. “É muito diferente passar uma tarde na cama, realmente descansando, e torná-la o seu ‘habitat’. Muitos conteúdos romantizam o bed rotting, mostrando um quarto lindo, camas enormes”, alerta Daniela. A realidade, no entanto, é bem menos colorida ou organizada. “Há quem viva situações extremas. Ficar na cama e não tomar banho, não levantar para pegar sol ou comer, pode ser uma fuga da realidade”, explica a psicóloga. “Escondem condições como a depressão, bipolaridade ou outra questão de saúde mental.”
Mas mesmo para quem não apresenta quadros de doenças mentais, entrar na onda do bed rotting aparenta ser uma má ideia. O sono é prejudicado, e o brasileiro, que já tem dificuldade para relaxar, está sujeito a arriscar a produtividade e a carreira. Pesquisa realizada no país em 2022 pela revista científica Sleep Epidemiology com mais de duas mil pessoas identificou que 66% de nós dormimos mal. “Há décadas, é recomendação de boas práticas da higiene do sono usar a cama apenas para dormir, sem outros estímulos. Caso contrário, nosso corpo não entende quando é a hora de descansar”, explica a cronobiologista Claudia Moreno, professora da USP e membro da Academia Brasileira do Sono.
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Apesar de não fazer parte da geração Z, a gerente de licitações Eva Monteiro, de 44 anos, foi engolida pela rotina na cama, sentindo os efeitos na produtividade. Por isso, recentemente, a paulista começou a trabalhar em um emprego 100% presencial. “Precisei disso para me sentir mais disposta. Antes, acordava cinco minutos antes do expediente começar, e arrastava todas as atividades para a cama. Aos fins de semana, era a mesma coisa, nem saía mais de casa”, conta. As consequências do bed rotting na vida de Eva foram o sedentarismo e a má alimentação. “Passo o dia bocejando no escritório, dei uma travada. Espero que melhore.”
Para se livrar do bed rotting, o primeiro passo é reconhecer o hábito. “E fazer o básico: abrir a janela do quarto, expor-se ao sol, dar uma volta pelo bairro, ir à padaria, subir dois lances de escada”, recomenda a psicóloga Silvia Conway, também da Academia Brasileira do Sono. Ter rotina fora de casa também é essencial. “Parece clichê, mas é necessário entender as motivações, escolher qual conteúdo consumir na internet, nas redes. E descobrir novos prazeres, para que não sejam apenas estar na cama.”

