A alimentação sustentável entrou pela primeira vez no cardápio da COP. Na reunião preparatória para a conferência em Belém, encerrada na semana passada, em Bonn, na Alemanha, o Brasil assumiu o compromisso de que, ao menos, 30% dos alimentos servidos durante o evento virão da agricultura familiar, da agroecologia e de povos e comunidades tradicionais da região. Segundo estudos dos institutos Regenera e Comida do Amanhã, idealizadores do projeto Na Mesa da COP 30, essa medida pode injetar cerca de R$ 3,3 milhões na produção familiar do Pará.

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– Essa injeção de recursos não é apenas um número. Significa o fortalecimento de cooperativas, associações e pequenos produtores que adotam práticas que respeitam a floresta e os saberes ancestrais das comunidades tradicionais. Uma oportunidade real de gerar renda e dignidade no campo de forma sustentável, dando visibilidade e mercado para alimentos produzidos sem agrotóxicos, que preservam a biodiversidade e contribuem para o sequestro de carbono – destaca Maurício Alcântara, cofundador do Instituto Regenera.

O Regenera mapeou todos os produtores nesse perfil na Região Metropolitana de Belém e listou o que podem ofertar e ainda a infraestrutura local e a logística. Na avaliação de Fabrício Muriana, outro fundador do instituto, há produção suficiente para atender 50% da demanda do fórum internacional, o que elevaria para R$ 5,5 milhões o volume de recursos movimentados por esses produtores com o evento. A afirmação é feita a partir do dado de que em Belém, 45% da merenda escolar já é suprida pela agricultura familiar e as aulas estarão suspensas e a logística para fazer à produção chegar à capital já está pronta.

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– O mesmo barco que leva o açaí às escolas pode levar para os fornecedores da COP – explica.

Plantação de maracujá: o Instituto Regenera mapeou a produção dos agricultores familiares e comunidades tradicionais na Região Metropolitana de Belém — Foto: Cabron Studios

O grande legado dessa COP para esses produtores, além da visibilidade da diversidade e cultura local, é a possibilidade de expansão da rede de comercialização para além das escolas. E esse também o grande desafio, conectá-los aos fornecedores da COP que não conhecem como funciona essa rede, diz Muriana. Nesse ponto, o levantamento feito pelo Regenera será uma ajuda importante, pois dá aos fornecedores do evento a lista de itens disponíveis. Além disso, há a expectativa de que, com o compromisso assumido pelo governo brasileiro, haja um aumento no crédito para esses agricultores.

– A meta é fazer com que o efeito da COP para esses produtores não se restrinja às duas semanas do evento – ressalta Muriana.

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Como essa é a primeira COP em que há um compromisso com a produção local, os institutos vão acompanhar a implementação dessa política e registrar num playbook que poderá servir como base para outras conferências daqui para frente.

Em reunião preparatória da COP, na Alemanha, foi firmado o compromisso de que, ao menos, 30% dos alimentos servidos no evento venha dessa produção sustentável da região — Foto: Divulgação
Em reunião preparatória da COP, na Alemanha, foi firmado o compromisso de que, ao menos, 30% dos alimentos servidos no evento venha dessa produção sustentável da região — Foto: Divulgação

Maurício Alcântara ressalta ainda que dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (Seeg) indicam que cerca de 74% das emissões de gases de efeito estufa no Brasil estão ligadas à produção alimentar, principalmente à agropecuária e ao desmatamento. No mundo, esse valor é de 30%, o que já é alto, Alcântara, ressaltando que isso aumenta a importância da introdução desses produtores guiados pela agroecologia e a biodiversidade no fornecimento de alimentos para a COP 30.

– Priorizar a agricultura familiar agroecológica na COP 30 é um passo concreto para mostrar que outro modelo de produção é possível e necessário – destaca Alcântara.

COP 30 é a 1ª a firmar compromisso de servir alimentos produzidos por agricultura familiar, povos e comunidades tradicionais