Militante em defesa do Rio Melchior, no Distrito Federal, que enfrenta degradação acelerada por ocupações desordenadas, descartes de resídios industriais e de aterros sanitários, Roberto Nevil (nome fictício) denuncia propostas de instalação de usinas termelétricas e a especulação imobiliária ilegal na região. Devido à sua atuação combativa, ele procurou ajuda jurídica para relatar casos de ameaças, incluindo três atentados a tiros. Ele é um dos 17 “defensores climáticos” que buscaram atendimento junto ao programa Defensores dos Defensores, do Instituto Arayara, que vem oferecendo esse serviço especializado durante a COP. Desde o início do evento, indígenas, quilombolas, pescadores, missionários e políticos que dizem sofrer retaliações em função de seus trabalhos ambientais ou de proteção dos territórios, procuraram o auxílio.
- Leia mais: Indígenas usam COP30 para avançar campanha por demarcação de terras
- COP30: Governadores da Amazônia lançam plano para desenvolver região que omite projetos de impacto ambiental
O trabalho do Arayara envolve a proposição de ações judiciais, após as denúncias, mas também uma análise de risco e construção de plano de ação com base em modelos internacionais de segurança de ativistas, como Frontline Defenders, organização internacional de Direitos Humanos. Para cada situação, é proposta uma ou mais ações para mitigar, reduzir ou acabar com o risco denunciado. Ainda há parceria com o Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos de Minas Gerais (PPDDH-MG).
A iniciativa foi lançada nesse ano, e contou com uma força-tarefa especial na COP, a fim de atender a ativistas que viajassem para Belém. Até aqui, o Programa já realizou 17 atendimentos durante a conferência, e, desde o seu lançamento, acolheu oficialmente nove pessoas.
— O programa nasceu ao percebermos que as lideranças em linhas de frente ficam sozinhas no território após atos ou campanhas específicas, já que as instituições parceiras regressavam para seus lares. Assim, diante da latência e falta de alternativa aos ativistas locais, foi pensado um projeto que desse maior segurança para a atuação e fala deles — explica Lucas Kannoa, advogado e Coordenador do Programa Defensores dos Defensores.
Kannoa descreve que o programa atua de forma “livre e mais radical” por ir além da judicialização nos planos de ação para defender os ativistas. O atendimento observa uma “metodologia de proteção experimentada”, explica, por se aperfeiçoar e se adequar a cada nova demanda. Além da inspiração no Frontline Defenders, que disponibiliza linha de contato para emergências 24 horas por dia, treinamentos em segurança para os próprios ativistas e apoio psicossocial, Kannoa cita a necessidade de colaboração junto a outros dispositivos, como o Fundo Brasil, que destina recursos a projetos voltados à promoção dos direitos humanos no Brasil, o MST e os programas de proteção do governo Federal.
— Nessa COP 30, é possível ver a dor dos povos frente ao balcão climático, a privatização da natureza, e conseguinte ar, àgua, biomas e clima. Essas pessoas todas são ativistsa, todos os indígenas são ativistas, estão enfrentando e resistindo com uma cosmovisão própria, que não é predatória e destruidora, mas sim, sustentável, e, em razão disso, são ameaçados — complementou Lucas Kannoa.
O GLOBO teve acesso a alguns depoimentos prestados no atendimento da COP, mas alguns nomes e detalhes sensíveis foram preservados. A maioria dos atendidos permanece sob sigilo. O caso de Nevil, por exemplo, envolveria interesses imobiliários locais, que estão avançando sobre áreas às margens do Rio Melchior.
Segundo sua acusação, os projetos desordenados e ilegais estão “matando o rio”. A degradação é tamanha que nesse ano a Câmara Legislativa do Distrito Federal instaurou uma CPI para investigar responsabilidades pela poluição do rio, que hoje tem classificação 4 pela Agência Nacional de Águas (ANA), a pior pontuação em termos de qualidade.
Nos últimos anos, Nevil denunciou ameaças verbais e até físicas. Ele registrou três atentados a tiros sofridos. Em um ele foi atingido. Por isso, ele foi inserido no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, do Ministério dos Direitos Humanos.
Entre casos não sigilosos há o da Cacica Angohó, da aldeia Katurama, em São Joaquim de Bicas (MG), território afetado pelo rompimento da barragem de Brumadinho. Além da briga judicial pela reparação dos danos ao território após a tragédia, Angohó também denunciou tentativas de invasão ao território indígena por parte de outras empresas e mineradoras. Segundo relato dela, a violência contra a comunidade acontece “de forma reiterada”, com acusações de agressões policiais.
Há alguns anos, ela foi incluída no PPDDH-MG. Na COP 30, ela foi atendida pelo Arayara e realizou sua denúncia e pedido de acolhimento ao programa.
Outro caso público é o da vereadora Eliete Paraguassu (PSOL). Há alguns meses, ela pediu apoio do Arayara após relatar que foi perseguida por uma pessoa com o estilete que ja tentou esfaqueá-la algumas vezes, inclusive na Câmara Municipal. Desde então, o programa oferece suporte jurídico e psicológico a parlamentar, que tem a proteção dos povos de comunidades tradicionais, em especial as marisqueiras, como uma de suas principais bandeiras. Por isso, ela seria alvo de representantes da especulação imobiliária, em casos de conflito com populações marisqueiras.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/k/7/DhFzBuSjSU1GWr2aG9vg/evento-da-vereadora-eliete-paraguassu-em-salvador-quando-o-programa-a-acolheu.jpeg)
Além disso, a vereadora foi alvo de uma denúncia ao Conselho de Ética na Câmara de Salvador, pelo vereador Claudio Tinoco (União Brasil). Ele tomou a medida após Paraguassu publicar um vídeo acusando a Câmara de ser racista.
O avanço da violência contra defensoras e defensores ambientais, povos indígenas e lideranças comunitárias vem sendo uma das pautas da COP 30. Nesta segunda (17), o assunto foi tratado no debate “Justiça Climática e Defensoras/es: Financiamento para Proteção da Vida e dos Territórios”, realizado pela Casa Sul Global, em Belém, em um encontro com organizações brasileiras e latinoamericanas. O painel foi promovido pelo Fundo Casa Socioambiental e pelo Fundo Brasil de Direitos Humanos.
Experiências vistas no Brasil e na Colômbia mostraram padrões comuns de risco aos “defensores climáticos”. Para os participantes do painel, a combinação entre financiamento rápido, redes de solidariedade e processos de escuta profunda é decisiva nesses cenários. Além disso, é preciso pensar na segurança de forma multidimensional, incluindo esferas jurídica, institucional, emocional e financeira.
No debate, os participantes também defenderam a promoção de vínculos sólidos de instituições com parceiros locais, capazes de identificar ameaças e atuar de forma ágil, uma forma de mitigar os riscos aos ativistas. Francisco Alan Santos, da Comissão Pastoral da Terra (CPTAmazônia), reforçou a importância de estratégias que nascem do próprio território.
— Um aspecto central no apoio a defensoras e defensores é a advocacia popular, sempre construída pela educação popular e pela coletividade, com uma linguagem muito próxima das comunidades que ela serve — afirmou.
Os participantes destacaram oportunidades de colaboração entre países do Sul Global e ressaltaram que apoiar quem defende os territórios não é apenas uma ação emergencial, mas uma estratégia política para assegurar o futuro da vida e dos biomas.

