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Na maior parte das vezes, governos conseguem aprovar sem grandes dramas o financiamento federal para o ano seguinte — nos EUA, os gastos são previstos para o ano fiscal que começa em outubro —, e são não são raros os episódios em que a oposição, seja ela quem for, bateu o pé com firmeza para fazer valer suas posições. Pelas regras legislativas, o plano de financiamento precisa ser aprovado por 60 senadores, o que quase sempre exige o apoio da em minoria.
O que acontece hoje em Washington é um desses casos.
Os democratas insistem que qualquer projeto de financiamento deverá manter subsídios para baratear o acesso à saúde, ligado ao chamado Obamacare, um conjunto de normas criadas no governo de Barack Obama para ampliar o acesso a planos de assistência médica. Os subsídios surgiram durante a pandemia da Covid-19, e caso não sejam renovados, serão encerrados no final do ano, deixando quatro milhões de pessoas sem cobertura e elevando as mensalidades de mais de 20 milhões.
A oposição ainda exige a reversão dos cortes em iniciativas como o Medicaid, um programa de saúde financiado pelo governo federal e voltado à população de baixa renda e em situação de vulnerabilidade. Em julho, o Congresso, através do plano orçamentário conhecido como “Grande e Bonito”, defendido pelo presidente Donald Trump, alterou regras para o acesso ao Medicaid, que causou discórdia até mesmo na base republicana.
— Ele não sabia que os americanos pagariam, tantos americanos, dezenas de milhões de americano, enormes aumentos em suas contas de saúde — afirmou, na terça-feira, o líder da minoria democrata no Senado, Chuck Schumer, após reunião com Donald Trump na Casa Branca. — Pela sua linguagem corporal e por algumas das coisas que ele disse, parecia que ele não estava ciente das ramificações.
Para um partido que se viu em frangalhos após a derrota de Kamala Harris para Trump, e após se ver em minoria nas duas Casas do Congresso e com divisões internas complexas, o embate sobre o financiamento foi uma oportunidade perfeita para unir a sigla. Ainda mais quando a principal bandeira dessa resistência é algo que afeta boa parte dos americanos: o financiamento federal à saúde.
— Os democratas têm uma vantagem: é uma questão de persuasão, é uma questão de confiança. E as pessoas se importam com isso — afirmou ao portal Politico Brad Woodhouse, que presta assessoria a parlamentares sobre os custos da saúde nos EUA.
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Dois dias antes da paralisação, uma pesquisa divulgada pelo Político, em parceria com a Morning Consult, revelou que 45% dos eleitores culpariam os republicanos por eventuais problemas em serviços públicos. Para 32%, os democratas seriam os principais culpados — entre os independentes, principal alvo eleitoral da engessada política bipartidária americana, os republicanos também surgem como vilões.
— Donald Trump atingiu níveis recordes de impopularidade em seu mandato. A Câmara dos Deputados republicana atingiu níveis recordes de impopularidade. Eles estão submersos em todos os aspectos e sabem disso — afirmou, em entrevista à MSNBC, a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez. — É por isso que, seja uma paralisação, seja tudo isso, eles querem que pisquemos primeiro.
Mas os democratas não são os únicos em Washington dispostos a mostrar suas armas.
Dentro do Congresso, lideranças republicanas como o senador John Thune apostam em dissidências na oposição quando os efeitos da paralisação começarem a ser sentidos. Josh Hawley, também senador, se disse disposto a discutir sobre os cortes na saúde, mas afirma não entender “o que o ‘shutdown’ tem a ver com isso” e cobra o voto dos democratas para permitir a liberação das verbas.
— As pessoas mais prejudicadas são aquelas que eles [democratas] dizem querer ajudar. Serão os trabalhadores — acrescentou Hawley a jornalistas. — Eu acho isso meio louco.
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Mike Johnson, presidente da Câmara, ecoando uma argumentação (questionável) da Casa Branca, disse que a oposição quer “restabelecer a assistência médica gratuita para imigrantes ilegais paga pelos contribuintes americanos”.
No Pode Executivo, que no segundo mandato de Trump mandou às favas algumas normas de décadas sobre personalismos e compostura política, o arsenal é mais amplo, e está sendo usado sem moderação para culpar os democratas pela paralisação.
Departamentos como os de Estado, Saúde e Habitação ostentam um alerta sobre a suspensão parcial dos serviços, chamada de “paralisação do governo liderada pelos democratas”. Trump, ainda em meio às negociações, publicou em sua rede social, o Truth Social, imagens alteradas por inteligência artificial de Schumer e do líder da minoria na Câmara, Hakeem Jeffries, uma ação chamada de “repugnante” pelo deputado democrata.
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Além de memes e teorias da conspiração, o presidente disse que pode cortar programas do governo e demitir funcionários públicos — medidas que, combinadas a uma campanha bem sucedida para culpar os democratas, pode produzir efeitos negativos à oposição.
— Por causa da paralisação, podemos fazer coisas pontualmente e de outras maneiras, incluindo benefícios, podemos cortar um grande número de pessoas. Não queremos fazer isso, mas não queremos fraude, desperdício e abuso — disse Trump na terça-feira.
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Em conversa ontem com congressistas republicanos, Russell Vought, diretor do Orçamento da Casa Branca, afirmou que as demissões podem começar “em um ou dois dias”. Na véspera, listou projetos bilionários ligados a adversários políticos do presidente e contrários à agenda de Trump que devem perder verbas.
— Teremos que demitir algumas pessoas se a paralisação continuar. Não gostamos disso. Não queremos necessariamente fazer isso. Mas faremos o que for preciso para manter os serviços essenciais ao povo americano funcionando — disse, em entrevista coletiva na Casa Branca, o vice-presidente JD Vance, que tentou se esgueirar de perguntas sobre cortes em programas federais.
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Como mencionou Ocasio-Cortez, duelos sobre o orçamento são um jogo para ver quem pisca primeiro. Em 2013, os republicanos enfrentaram Barack Obama em torno do financiamento ao Obamacare, e cederam após 16 dias de paralisação. Em 2018, os democratas se levantaram duas vezes contra Trump: na primeira, em janeiro, o impasse ligado a questões migratórias foi superado em dois dias, e muitos oposicionistas se arrependeram dele. Na segunda, ligado ao financiamento do polêmico muro na fronteira com o México, foram 35 dias de paralisação — a mais longa já registrada — e quem cedeu foi o republicano.
Ainda não se sabe quanto tempo vai durar a paralisação ou quem piscará primeiro, mas no mês que vem, democratas e republicanos terão uma prévia dos impactos do “shutdown”. A Virgínia, estado onde vivem 300 mil funcionários do governo federal, escolherá sua nova governadora, e o impasse orçamentário se tornou tema de campanha. Os números das urnas poderão dar o primeiro sinal de sucesso, ou fracasso, da ofensiva democrata.
— Não existe uma estratégia totalmente livre de riscos — disse o senador Richard Blumenthal, ao portal Politico. — Mas esta estratégia é a correta. É a coisa certa a se fazer moral, ética e legalmente.