Dois pedalinhos em formato de pato ainda estão parados à beira de um lago de águas turvas cercado por árvores. A imagem bucólica das pequenas embarcações, que outrora levavam os nomes dos netos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), virou uma lembrança discreta de um passado turbulento no sítio Santa Bárbara, o “sítio de Atibaia”. Em abril de 2015, o imóvel de 35 mil quadrados, o equivalente a cerca de quatro campos de futebol, tornou-se o epicentro das investigações da Operação Lava-Jato após vir à tona que empreiteiras com contratos públicos fizeram reformas na propriedade utilizada pelo petista — que nega qualquer irregularidade e teve a sua condenação por corrupção anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021.

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Uma década depois de o caso do sítio de Atibaia vir à tona, após reportagem da revista Veja, O GLOBO visitou a propriedade no interior de São Paulo e conversou com os principais personagens envolvidos no episódio. Pouca coisa mudou no imóvel, que abriga uma casa espaçosa com cinco cômodos, um anexo com quatro suítes, piscina e uma vasta área verde. O espaço continua sob os cuidados do caseiro Elcio Vieira, conhecido como Maradona, funcionário que costumava receber Lula e sua família no local.

Na foto, Elcio Vieira, caseiro na época, continua trabalhando no sitio que já trocou de dono — Foto: Edilson Dantas/O GLOBO

Na época, o caseiro se tornou uma figura central do caso. À Justiça, Maradona disse que a ex-primeira-dama Marisa Letícia, morta em 2017, acompanhou parte das obras no local e disse que o sítio não pertencia a Lula. O imóvel estava registrado em nome dos empresários Fernando Bittar e Jonas Suassuna, ex-sócios de um dos filhos de Lula, e tinha objetos pessoais do petista.

A notoriedade do caso fez com que Maradona se aventurasse na política. Ele concorreu a uma cadeira de vereador pelo PT em Atibaia nas eleições de 2024. Segundo prestação de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o caseiro recebeu R$ 28 mil do partido para a campanha. Com 370 votos, não foi eleito. No início deste mês, participou ao lado de Lula de um evento em Minas Gerais e postou em uma rede social a foto de um abraço no presidente.

— Na época da operação foi difícil, mas eu nunca tive medo também, porque falei apenas o que era a verdade no depoimento e segui a minha vida — afirma Maradona.

Outras duas testemunhas do caso também permanecem em Atibaia. Patricia Nunes, que vendia materiais de construção para a reforma do sítio, se desfez do comércio. A loja hoje encontra-se abandonada, com mato alto na frente e correspondências acumuladas na caixa de correio.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, em janeiro de 2016, a empresária afirmou que os pagamentos que recebia da empreiteira responsável pela obra eram semanais, em dinheiro vivo, e que os envolvidos na obra relatavam interesse de que tudo estivesse pronto em janeiro de 2011, logo após Lula deixar a Presidência da República. Procurada, Patrícia afirmou que prefere esquecer o caso.

A poucos metros da loja de construção, em uma padaria, trabalhava outra testemunha da investigação, o gerente comercial Gesuldo Oliveira. Ele afirmou aos procuradores que viu Marisa por diversas vezes na panificadora desde 2013, acompanhada dos seguranças do ex-presidente. Segundo o então funcionário do comércio, nessas oportunidades a caminhonete usada pela ex-primeira-dama estava carregada com plantas na carroceria ou móveis.

Em 2016, a revista Época confirmou a versão de Gesuldo, mostrando que seguranças de Lula passaram o réveillon no imóvel. Um levantamento feito pela publicação apontou que eles estiveram na cidade 111 vezes entre 2012 e 2016, o equivalente a uma viagem a cada cinco dias. Entre junho e julho de 2014, segundo a reportagem, os seguranças do presidente passaram seis finais de semana seguidos em Atibaia.

Dez anos depois, Gesuldo diz que ficou desiludido com o desfecho do caso.

— Pensei que estava fazendo um bem para o país porque tudo o que eu falei foi o que eu vi. Mas, no final, não deu em nada — disse o gerente, em referência à anulação do processo.

Após se tornar nacionalmente conhecido, o sítio mudou de mãos. Fernando Bittar vendeu a sua parte no imóvel em abril de 2022 a um casal de Guarulhos, dono de uma empresa que presta serviços de limpeza, portaria e segurança terceirizada. Eles também não quiseram falar sobre o que levou à transação, concluída por R$ 2,1 milhões, uma valorização de 100% desde a compra, reajustada pela inflação. Procurados, os novos proprietários não responderam aos contatos telefônicos. Já Bittar disse que “não gostaria de revisitar o episódio”.

A outra parte do imóvel, registrada em nome de Jonas Suassuna, também ex-sócio de um dos filhos de Lula, está bloqueada pela Justiça em uma ação decorrente da Lava-Jato. Ele é o único dos envolvidos que ainda não se livrou completamente dos problemas jurídicos do caso. Apesar de não ter sido denunciado criminalmente, as suas empresas foram alvo de ações tributárias.

— As acusações acabaram não se mostrando verdadeiras. Prova disso é que meu cliente nem sequer foi denunciado na ação penal do sítio e, muito menos, em qualquer outra — afirmou o advogado do empresário, Breno Hoyos Guimarães, que recorre do bloqueio no Supremo Tribunal Federal.

Suassuna preferiu não comentar o episódio.

Dez anos, o processo relativo ao sítio segue há oito meses parado na Justiça do Distrito Federal. Após ser anulado pelo Supremo, que considerou que houve parcialidade do então juiz Sergio Moro na condução do caso, a ação foi remetida à primeira instância. Em agosto de 2021, a juíza Pollyanna Kelly Maciel Medeiros Martins Alves rejeitou a denúncia e considerou haver prescrição no caso de Lula, porque na época dos fatos investigados o presidente já tinha mais de 70 anos.

O Ministério Público Federal recorreu no mesmo ano à segunda instância, onde o caso permanece ainda sem qualquer decisão sobre o mérito. Dois anos depois, o desembargador responsável pelo processo se declarou impedido porque já havia proferido uma decisão sobre o tema em primeiro grau. Em julho do ano passado, o processo foi redistribuído e, desde então, segue à espera de uma nova decisão.

Dez anos depois, sítio de Atibaia tem novo dono e processo parado