De vez em quando, uma série extraordinária surge escondida no streaming — sem marketing ou qualquer outro aviso. Assim é “A rabina”, lançada pela Max. São oito episódios curtos, de cerca de meia hora. A produção francesa não tem grandes orçamentos, mas conta com o que mais importa: seu roteiro, cheio de doçura e encantos, é levado por um elenco talentoso.
A protagonista é Léa Schmoll (Elsa Guedj). Recém-formada numa yeshivá, ela está prestes a assumir sua primeira função como rabina em uma pequena sinagoga de Estrasburgo. A decisão, no entanto, frustra profundamente o pai, André (Eric Elmosnino), um psicanalista ateu que acreditava que a filha seria médica. Chateado, ele a chama de Don Camillo — numa referência irônica ao padre criado por Giovannino Guareschi, eterno antagonista do comunista Peppone.
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A relação entre os dois é de afeto e atrito. O conflito familiar, longe de se resumir a uma oposição bidimensional, é retratado com sutileza e calor. As diferenças geram discussões saborosas: ela é mística, mas conhece Freud; ele, um cético, que estudou o Antigo Testamento na infância. Essa bagagem comum permite ao enredo escapar do beabá das explicações didáticas.
Há um arco dramático maior, que atravessa toda a temporada. Ele se apresenta nos debates filosóficos travados entre os personagens. Léa está sempre em busca de um sentido para a sua profissão. Numa conversa com um colega por quem teve uma grande paixão no passado, ela resume: “Os gestos precedem o significado das coisas. Nosso trabalho é fazer os gestos e procurar o significado em palavras”.
A narrativa mergulha em dramas pessoais e coletivos com requinte e sagacidade. Cada episódio explora um desafio profissional dela, que é muito bem dotada intelectualmente, porém inexperiente. Tais impasses são resolvidos a cada capítulo. São situações cotidianas, como um pai que não quer a circuncisão do filho recém-nascido, um garoto que contraria o pai e se recusa a fazer o barmitzvá, e por aí vai.
Léa foge dos estereótipos: é mulher, jovem e feminista. Tem os interesses de uma moça solteira em 2025. Usa um aplicativo de namoros. Acompanhamos uma aventura de sexo casual que termina mal. Os dilemas religiosos se entrelaçam a questões contemporâneas sem perder a leveza. Ela erra, tenta, cresce. Como todos nós.
A série se baseia em “Vive avec nos morts” (viver com nossos mortos, em tradução livre), livro da rabina, escritora e jornalista francesa Delphine Horvilleur. Há piadas sobre a sociedade francesa e a cultura judaica — e aquele seu clássico humor autorreferente. Porém, trata-se de uma comédia dramática que abraça temas universais e não se fecha em nichos. Sem contar que Elsa Guedj é uma atriz excelente e Eric Elmosnino tem no currículo um prêmio César, a maior distinção do cinema francês.