Maria Fernanda Cândido, de 51 anos, surge na tela do computador de cara lavada para a entrevista por chamada de vídeo. Pede mil desculpas pelo pequeno atraso, fruto de compromissos inesperados de divulgação da peça “Balada acima do abismo”, que ganhou curtíssima temporada, encerrada neste domingo, em São Paulo. O espetáculo, baseado na obra de Clarice Lispector, foi apresentado pela primeira vez em Paris, em 2022. É na capital francesa que a atriz mora, desde 2017, com o marido, o empresário francês Petrit Spahija, e os dois filhos do casal, Tomás, de 19 anos, e Nicolas, de 16. Oito anos atrás, ela não poderia imaginar que trilharia uma carreira internacional: “Me mudei por causa do meu marido, que precisava retornar à França. Achei que teria uma vida mais ligada à família”.
Mas não demorou muito para a paranaense — que conquistou o Brasil como Paola na novela “Terra nostra” (1999) e foi eleita, em 2000, em votação do “Fantástico”, a mulher mais bonita do século XX — voltar à cena. Aberta à troca entre culturas sem perder a essência, fez escolhas cinematográficas estratégicas. Participou de produções internacionais, como o italiano “O traidor” (2019) e o britânico “Animais Fantásticos: os segredos de Dumbledore” (2022), parte da franquia Harry Potter, e nacionais, como “A paixão segundo G.H.” (2023). Em maio, riscou o tapete vermelho de Cannes na première de “O agente secreto”, com estreia no Brasil prevista para novembro. No filme, que ganhou prêmio de melhor direção para Kleber Mendonça Filho e de melhor ator para Wagner Moura, Maria vive Elza, uma mulher “com acesso à informação e ao poder político e econômico” do Brasil de 1977. “É um documento histórico. Para mim, a pergunta que fica é: o que estamos, como país, fazendo da nossa memória?”, questiona.
Durante uma hora, a atriz falou sobre rumos profissionais, vida em família, casamento, passagem do tempo e moda. A seguir, os melhores trechos:
Qual é a importância de filmes que tenham a ditadura militar como pano de fundo?
Esse longa, costuma dizer Kleber em suas entrevistas, é primo de “Ainda estou aqui”. Falamos sobre o mesmo assunto, a ditadura militar. Em “O agente secreto”, o período não é mencionado, mas permeia todo filme. Quem viveu aquele tempo passou por isso, algo camuflado, mas muito presente. O filme, sem ser panfletário, consegue essa proeza. Retrata a dificuldade de viver sob ameaça e perseguição. Minha personagem, Elza, é uma mulher de classe alta que usa seu poder para ajudar perseguidos políticos. Como muitas daquela época, corre risco de vida.
Qual é a sua opinião sobre manifestações recentes em prol da volta da ditadura militar?
Muitas vezes, essas manifestações vêm de pessoas que não procuram ler, entender nem pesquisar o tema. A gente atravessou, recentemente, um período muito sombrio, duro para todos, principalmente para quem trabalha na área cultural. Foi muito sofrido ser considerado um pária dentro do próprio país e ver a cultura sendo transformada em algo supérfluo e dispensável. A duras penas, atravessamos aquilo tudo e renascemos. Me assusta a possibilidade de vivermos um retrocesso, novamente.
Como é viver na França há oito anos?
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Quando fui morar em Paris senti o quanto sou brasileira. Vou usar um termo que costumo falar para os meus filhos: não tenho outro chip. Já eles, que são franco-brasileiros, têm dois. Esses códigos passam por muitas instâncias, pelo modo de pensar, pelos gestos, pelo comportamento nos ambientes e tudo mais. É difícil para mim. Vou dar um exemplo: gosto de chegar a uma boulangerie e dar bom dia, puxar papo com a dona, elogiar as tortas de morango… Isso é considerado quase uma ofensa, um desrespeito com quem está esperando para ser atendido.
Como é ser a única mulher numa casa com três homens? Incluiu o feminismo na educação dos seus filhos?
Incluí e incluo. Somos obrigadas a fazer isso se quisermos realmente colaborar com um mundo mais igualitário e formar jovens com maior compreensão e sensibilidade em relação ao universo feminino. Já em São Paulo, antes da mudança para Paris, resolvi não ter ajuda de qualquer natureza dentro de casa. Meus filhos passaram a cuidar da própria roupa e fazer a própria comida. Por conta disso, chegaram mais preparados à França.
Você e o empresário Petrit Spahija estão casados desde 2005. São monogâmicos?
Somos. A nossa experiência se renovou ao longo de duas décadas. Poderia dizer que, dentro desse tempo, me casei três vezes com o mesmo cônjuge. E aí é engraçado porque, dessa maneira, a paixão reacende, de novo e de novo. É uma relação que se recicla, a gente continua com a mesma parceria. Mas nada é fácil.
Quando você estourou em “Terra nostra”, ninguém falava sobre assédio. Passou por isso? o que mudou no ambiente de trabalho de lá para cá?
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Nunca vivi nada parecido (com assédio). O cenário mudou um pouco. O discurso da sociedade (sobre esses temas) tem avançado bastante, a gente conversa muito e a mídia também aborda esses assuntos. Então, existem relatos, casos, experiências e julgamentos sendo transmitidos o tempo todo. Tudo isso são freios sociais importantes que impactam o cotidiano. Mas a discussão está longe de ser esgotada. Há mudanças que dependem de vontade política, mas acredito muito naquelas que começam nas relações familiares e entre amigos. É na prática do dia a dia que dinâmicas arraigadas vêm à tona. Precisamos estar sempre atentas.
Para você, quais são as diferenças entre envelhecer na França e no Brasil?
A minha experiência está acontecendo na França. Lá, as mulheres maduras são respeitadas. Elas têm autoestima muito boa e assumem a idade, a velhice e os cabelos brancos. Não sei como seria passar por esse processo no Brasil. Estou com 51 anos e feneço lentamente, como todos que estão no planeta de passagem. Não é agradável. Mas é uma condição que a gente enfrenta simplesmente pelo fato de estar viva. A outra alternativa seria não estar mais aqui.
Você participou de “Animais Fantásticos: os Segredos de Dumbledore” (2022), de Harry Potter. A escritora da saga, J. K. Rowling , tem sido acusada de transfobia. Como lida com isso?
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Não consigo entender o posicionamento dela, não faz sentido algum para mim, é uma grande interrogação. Na época, eu e atores do filme, como Jude Law e Eddie Redmayne, deixamos evidente termos posturas bem diferentes. Mas se recebesse outro convite da franquia, aceitaria.
Você já disse que o filme “A Paixão segundo G.H.” (2023), baseado no livro de clarice lispector, foi um divisor de águas na sua vida. Por quê?
Porque me colocou diante de questões que causam desconfortos, fez com que eu olhasse para a minha “terceira perna”. Ela simboliza as nossas amarras e máscaras. Clarice (Lispector) não propõe que as joguemos fora, mas, sim, que a gente tome consciência delas. Essas questões permanecem comigo.
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De que maneira enxerga a moda?
A moda constitui um meio potente de expressão cultural. Ao lado de italianos, como Giorgio Armani, um homem de extrema elegância, e franceses, temos brasileiros talentosíssimos, como Glória Coelho, Sônia Pinto e Reinaldo Lourenço. Elegância, para mim, está relacionado a um encontro consigo mesma. Só assim é possível se estabelecer um diálogo com a moda.
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Edição de Moda; Lucio Fonseca. Beleza: Claudio Belizario. Assistente de beleza: Paulo Roberto dos Sanrtos. Produção executiva: Kariny Grativol. Produção executiva Paris: LF Office Paris. Assistente de produção executiva Paris: Ellen Barokhel. Tratamento de imagem: Fe Magliari. Agradecimentos Highstay Louvre.