O Ministério Público Federal (MPF) mapeou 28 “manobras fraudulentas” cometidas por ex-executivos da Americanas, que foram denunciados no último dia 31 de março por terem praticado crimes como organização criminosa, manipulação do mercado de capitais, uso indevido de informações privilegiadas e falsidade documental.
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Segundo o MPF, o grupo de ex-executivos, que atuava de forma organizada, tinha como objetivo elevar ou manter elevadas a cotação e o preço das ações para obter vantagem indevida ou lucro com a inserção de receitas fictícias no balanço da empresa.
Segundo laudos periciais, a conduta dos denunciados impôs um dano de pelo menos R$ 8,4 bilhões aos acionistas da companhia, gerando uma fraude de R$ 22,8 bilhões.
Dessa forma, o MPF detalha cinco fraudes principais: inserção de receitas fictícias de Verba de Propaganda Cooperada (VPC), registro falso de geração de caixa para melhorar a percepção do mercado, melhora artificial de indicadores, classificando como investimentos as despesas, além da omissão de despesas e da ausência de divulgação de créditos tributários.
O MPF explicou em sua denúncia que o grupo tinha uma “divisão de tarefas”, sem que todos os denunciados conhecessem a fundo a totalidade e os detalhes de todas as manobras fraudulentas supostamente praticadas, já que cada um atuava dentro de sua área. Apenas Miguel Gutierrez, ex-CEO da Americanas, além dos ex-executivos Anna Saicali, Timotheo Barros, Márcio Cruz e Carlos Padilha tinham real conhecimento por estarem no centro das decisões, diz o MPF.
Segundo o MPF, Gutierrez “planejou, ordenou e executou a fraude” com ascendência hierárquica sobre os demais denunciados. A denúncia do MPF traz novos detalhes das delações feitas pelos ex-funcionários Marcelo da Silva Nunes e Flávia Pereira Carneiro.
“Eram números que só existiam no papel e tinham por objetivo oferecer ao Conselho de Administração uma visão melhorada da condição econômico-financeira real das companhias”, induzindo o colegiado ao erro.
Segundo eles, esses orçamentos eram elaborados pelas áreas de planejamento financeiro e passavam por discussões com alguns diretores estatutários mais próximos aos CEOs, até chegarem à discussão para aprovação pelo próprio CEO. Isso ocorreu nas diversas empresas da companhia, como a B2W, de operações online, e Lojas Americanas, envolvendo as operações físicas, além da Americanas, resultado da fusão de B2W e Lojas Americanas.
Depois dessa primeira fase, a fraude continuava no fechamento do resultado, quando eram produzidos os chamados “kits de fechamento”. Assim, cita o MPF, em agosto de 2019, o prejuízo líquido de R$ 46,9 milhões foi “transformado” em lucro líquido de R$ 18,3 milhões. Os ajustes eram feitos com base nas “expectativas de mercado”, pontuaram os delatores, segundo o MPF.
“Sim, eu e os bancos”, diz ex-diretor
O MPF também traz detalhes da colaboração de Fábio Abrate, ex-diretor da empresa. Questionado se tinha consciência do VPC e do risco sacado, Abrate disse: “Sim, eu e os bancos. Porque, se o banco sabe que a companhia tem 20 bi em risco sacado, que ele está compromissado com o fornecedor, o banco olha para o balanço da companhia e fala: deve ter algum probleminha aqui, mas deixa passar”.
O risco sacado, comum no varejo, é uma triangulação na qual a varejista antecipa um crédito aos fornecedores, que recebem de um banco que depois cobra da Americanas. Para não acender o alerta dos analistas sobre o tamanho dessas operações, que eram dívidas junto a bancos, a empresa aplicava redutores artificiais nessa rubrica. Isso era feito por meio dos contratos de VPC, pelos quais a companhia reduzia seus custos artificialmente e ampliava os lucros.
O MPF diz que Abrate explicou, em sua colaboração, que “as operações de risco sacado, ao longo do tempo, foram sendo desvirtuadas pela Americanas, com o consentimento dos bancos”. Segundo ele, os prazos concedidos para pagamento eram muito maiores do que aqueles constantes nas “notas fiscais que balizavam os empréstimos”, chegando a 360 dias de prazo.
A defesa de Miguel Gutierrez e Timotheo Barros não comentaram. O GLOBO não conseguiu contato com os outros acusados.