Salvador, Bahia, 21 de novembro de 2015. Um homem de smoking apresenta o palestrante que viria a seguir e o define como “um brasileiro bem-sucedido que vive nos Estados Unidos”. Em meio a aplausos, o empresário Douver Braga tomou conta do palco e da atenção da plateia logo nas primeiras palavras. Dono de uma voz grave e um gestual assertivo, vestia um terno cinza justo, por cima de uma camisa e gravata rosa claro e um par de meias na mesma cor. Autointulando-se um dream builder (construtor de sonhos, em tradução livre), ele enumerou os quatro princípios para o sucesso: “oportunidade, time, objetivo e sonho”. Além de vangloriar-se de “nunca ter tido patrão”.
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O então vendedor de produtos on-line estava prestes a dar a cartada que o consagraria, mas também seria responsável por sua derrocada. Meses depois do encontro no litoral nordestino, Douver fundou nos EUA o Trade Coin Club (TCC), empreendimento que prometia altos lucros a investidores a partir de transações com criptomoedas.
A propaganda, difundida por ele ao redor do mundo com o carisma de um animador de auditório e o fervor de um missionário, fez mais de cem mil pessoas aportarem no negócio 82 mil bitcoins, avaliados em US$ 295 milhões (cerca de R$ 1,4 bilhão). No entanto, aquele que não suporta perder nem no carteado, segundo um amigo, amargou uma derrota ao ser preso pela Interpol durante férias em Genebra, na Suíça. Douver é acusado de chefiar um “esquema fraudulento internacional”.
Douver Torres Braga, de 48 anos, é natural de Petrópolis, na Região Serrana do Rio. Criado em um bairro operário da cidade, povoado em sua maioria por famílias de trabalhadores de fábricas têxteis já extintas, ele teve uma origem humilde. O empreendedorismo, contudo, sempre o acompanhou, e não demorou para que escalasse na atividade. Ele ficou conhecido por vender equipamentos de som para carros numa lojinha, ainda jovem, no início dos anos 2000.
A paixão por carros, inclusive, é uma característica marcante ao longo de sua carreira. Quando deixou o Brasil, em busca do “sonho americano”, ele teria começado vendendo veículos para imigrantes, até conseguir penetrar na elite americana com os modelos de luxo. Tudo isso sem falar inglês fluente e sem curso superior, mas com o dom da palavra e “de fazer negócios em qualquer lugar e a qualquer hora”, dizem pessoas próximas a ele.
Acelerando como os superesportivos que passou a ostentar pelas rodovias dos EUA, Douver trabalhou em ao menos três empresas antes do TCC. Em todas, desempenhava um papel semelhante, de estimular outros colaboradores a venderem mais e mais, embalados pelo sonho de prosperarem financeiramente, como é possível assistir em diversos vídeos no YouTube.
Já nos tempos áureos, com a ascensão do TCC, ele anunciava, em conferências internacionais, que sua empresa havia criado um robô que fazia “milhões de microtransações” com bitcoins a cada segundo. O software, segundo ele, garantiria um retorno mínimo diário de 0,35% aos investidores. Em 2018, menos de dois anos depois de sua criação, o TCC colapsou: enquanto investidores começavam a reclamar que não conseguiam reaver seu dinheiro, Douver largou tudo e voltou ao Brasil.
Na bagagem, trouxe pelo menos 8.396 bitcoins, no valor de US$ 55 milhões (cerca de R$ 264,5 milhões), na época, que foram transferidos do TCC para endereços controlados por ele em plataformas de criptoativos. As informações são da Comissão de Valores Mobiliários americana (SEC, na sigla em inglês), que investigou o caso e moveu uma ação civil contra Douver no Tribunal do Distrito Oeste de Washington em novembro de 2022. De acordo com os investigadores, o TCC era um esquema de pirâmide do tipo Ponzi: os “lucros” dos investidores vinham inteiramente dos depósitos feitos por outros aliciados — e não das propagadas atividades da negociação do robô.
No retorno ao Brasil, o empresário resolveu investir em novos empreendimentos e construir uma imagem de benfeitor nas redes sociais. Em várias fotos, ele aparece posando cercado de crianças e entregando doações arrecadadas pela Click4HelpKids, ONG que ele mesmo fundou durante o declínio do TCC.
A maior das parcerias se deu com o empresário José Carlos de Freitas Eloy (Cacalo), seu conterrâneo e único sócio sem parentesco, dentre as muitas empresas abertas por Douver no Brasil. Ambos dividem a administração do Feirão de Caxias, que abriga mais de 500 lojas na Baixada Fluminense. A entrada dele para a sociedade ocorreu em um processo turbulento e até hoje contestado nos tribunais.
Agora, a relação dos dois é alvo de investigações. Há um mês, a Polícia Federal (PF) deflagrou a Operação Fantasos, com o objetivo de seguir o rastro do dinheiro “lavado” por Douver e sua “organização criminosa”. A investigação identificou mais de 130 imóveis no Rio, além de carros de luxo, uma embarcação e vários relógios que teriam sido adquiridos com “recursos ilícitos”. Cinquenta agentes federais cumpriram 11 mandados de busca e apreensão em Petrópolis e Angra dos Reis. A maioria deles, em endereços ligados à família Eloy, segundo a PF.
A Justiça brasileira determinou o sequestro de bens e valores até o montante de R$ 1,6 bilhão, o mesmo que Douver teria levantado nos EUA.
Procurado, o escritório que representa Douver afirmou, por nota, que o cliente é um visionário. Para os advogados, a acusação nos EUA está repleta de erros, e ele estaria sendo vítima de xenofobia. Apesar de se posicionarem sobre o processo no exterior, os advogados não explicaram o vínculo de Douver com Eloy. A defesa de Eloy não se manifestou.
*Estagiário sob supervisão de Giampaolo Morgado Braga