Desde que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assumiu o cargo, em janeiro, sua administração tem agido de forma agressiva para revogar o status legal temporário de milhares de migrantes que haviam sido autorizadas a entrar no país sob o governo de seu antecessor, o democrata Joe Biden (2021-2025). Agora, o republicano tem adotado medidas drásticas para pressionar alguns desses migrantes — e outros que já possuíam status legal no país — para que sejam deportados voluntariamente.
- Entenda: Governo Trump irá monitorar redes sociais de migrantes em busca de ‘atividade antissemita’
- Repressão: Governo Trump diz ter cancelado visto de 300 estudantes envolvidos em protestos anti-Israel nas universidades
O objetivo é cortar o acesso dessas pessoas a serviços financeiros essenciais, como contas bancárias e cartões de crédito, além de benefícios governamentais. A estratégia se apoia em uma tática surpreendente: reutilizar o arquivo de óbitos da Seguridade Social — que há anos é usado para rastrear pessoas mortas que não deveriam mais receber benefícios — para incluir os nomes de pessoas vivas que o governo acredita que devem ser tratadas como se estivessem mortas. Como resultado, essas pessoas seriam impedidas de acessar um tipo de identificação que lhes permite movimentar e gastar dinheiro com mais facilidade.
Nesta semana, os nomes de mais de 6,3 mil migrantes cujo status legal havia acabado de ser revogado foram adicionados ao arquivo, de acordo com documentos acessados pelo New York Times. Os primeiros afetados foram pessoas que a administração alega serem criminosos condenados e “terroristas suspeitos”. No entanto, as autoridades afirmaram que a medida pode ser ampliada para incluir outras pessoas que estão no país sem autorização. Em um e-mail a funcionários, Leland Dudek, comissário interino da Administração da Seguridade Social, sintetizou a consequência: “suas vidas financeiras seriam terminadas”.
A medida é a mais recente em uma série de ações da administração Trump, impulsionada pelo bilionário Elon Musk e pelo inédito Departamento de Eficiência Governamental (Doge), que buscam utilizar dados pessoais antes considerados fora do alcance das autoridades de imigração para avançar na visão de Trump de uma repressão em massa contra migrantes. Nesta semana, diversos altos funcionários da Receita Federal pediram demissão após a agência fiscal anunciar que ajudaria a localizar imigrantes vivendo ilegalmente nos EUA.
Em fevereiro, Dudek firmou um acordo com o Departamento de Segurança Interna para fornecer os últimos endereços conhecidos de 98 mil pessoas à agência de Imigração e Alfândega (ICE), responsável por deportar imigrantes sem status legal permanente. Informações pessoais mantidas pela Seguridade Social haviam sido rigorosamente protegidas sob administrações anteriores, segundo 12 atuais e ex-funcionários que disseram que a agência nunca tinha feito esse tipo de compartilhamento de dados em larga escala com as autoridades de imigração.
Ao usar dados da Seguridade Social para isolar os imigrantes, o governo está alistando uma agência amplamente popular — que existe, principalmente, para fornecer benefícios a aposentados e pessoas com deficiência — em sua campanha para desmontar o que Trump rotulou como políticas de “fronteiras abertas” de seu antecessor democrata. Esse novo papel está gerando temores de que dados incorretos possam resultar na inclusão errônea ou indevida de pessoas, inclusive de cidadãos americanos, na lista, abalando suas vidas financeiras.
— A fiscalização da imigração não está dentro do escopo da Seguridade Social — afirmou Jason Fichtner, que ocupou diversos cargos de liderança na agência, tendo sido nomeado pelo presidente George W. Bush. — O potencial de erros pode ter consequências muito sérias.
Elizabeth Huston, porta-voz da Casa Branca, disse que as mudanças na Seguridade Social ajudariam a avançar os objetivos de imigração do presidente. Em nota, ela declarou que Trump “prometeu deportações em massa” e que, ao remover o “incentivo monetário para que estrangeiros ilegais venham e permaneçam, vamos encorajá-los a se autodeportarem”. Huston definiu a iniciativa como Trump “cumprindo sua promessa”.
- Política do espetáculo: Com entraves para cumprir promessa de deportação, Trump adota ações midiáticas
Muitas das mudanças na Administração da Seguridade Social estão sendo impulsionadas por Musk, que tem propagado teorias da conspiração infundadas sobre fraudes cometidas por imigrantes e sobre a agência enviar bilhões de dólares a pessoas mortas. Trump tem endossado muitas dessas alegações. O bilionário, um dos principais conselheiros de Trump, também afirmou, sem apresentar provas, que os democratas usaram a agência para conceder números de Seguridade Social a imigrantes, tornando-os elegíveis para benefícios que os mantinham nos EUA para alterar a demografia do país.
Biden permitiu que migrantes entrassem temporariamente no país como forma de incentivá-los a evitar cruzar a fronteira ilegalmente. Essas pessoas passaram a ter direito de trabalhar nos EUA, receber números de Seguridade Social e, em alguns casos, acessar benefícios federais.
Mais de 500 mil migrantes de Cuba, Nicarágua, Venezuela e Haiti entraram nos Estados Unidos por meio de um dos chamados programas de “permissão humanitária” durante o governo Biden, que lhes permitia voar para os EUA se tivessem patrocinadores financeiros e passassem por verificações de segurança. Outros 900 mil usaram o aplicativo CBP One, implementado pela administração Biden, para entrar pelos portos oficiais e receberem a oportunidade de permanecer e trabalhar no país.
- Pesadelo americano: Familiares de venezuelanos deportados por Trump para El Salvador denunciam ‘prisões arbitrárias’
A administração Trump tem como alvo os dois programas. O programa que permite a entrada por via aérea está previsto para terminar neste mês — e com ele, o status legal dos migrantes que já estão no país, salvo mudanças judiciais. Autoridades também começaram a revogar a permissão dos migrantes que entraram com o uso do aplicativo.
Medida ‘excessivamente ampla’
Na terça, Aram Moghaddassi, engenheiro de software que trabalha para o Doge, enviou a Dudek o primeiro lote de nomes a serem adicionados: a lista dos mais de 6,3 mil imigrantes identificados pelo Departamento de Segurança Interna como pessoas com status legal temporário, mas que agora estavam “na lista de vigilância de terroristas” ou haviam sido marcadas como tendo “fichas criminais no FBI”. A lista incluía uma menina de 13 anos e outros sete menores de idade, o que gerou receios dentro da agência de que a medida fosse excessivamente ampla.
Embora a agência tenha renomeado a lista de óbitos como “arquivo mestre de inelegíveis”, segundo os documentos analisados pelo Times, ela ainda não desenvolveu um novo método para marcar pessoas como inelegíveis para benefícios. Por enquanto, os imigrantes incluídos estão recebendo datas de falecimento fictícias, de acordo com duas pessoas familiarizadas com o processo. Martin O’Malley, que foi comissário da Administração da Seguridade Social durante o governo Biden, classificou a estratégia como desumana.
— É o equivalente a um assassinato financeiro — disse O’Malley.