O vice-ministro das Relações Exteriores do Irã, Majid Takht-Ravanchi, afirmou que as negociações com os EUA sobre seu programa nuclear não podem ser retomadas sem que Washington descarte novos bombardeios contra o país. A declaração da autoridade foi feita em uma entrevista à rede britânica BBC, em um momento em que ainda restam dúvidas sobre o futuro do programa nuclear do país, que autoridades de Teerã afirmam que não abandonará o direito de enriquecer urânio.

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— Não há uma data acordada, não concordamos com uma modalidade — disse Ravanchi durante a entrevista exibida no domingo, acrescentando que os EUA teriam sinalizado disposição de retornar à mesa de negociação, uma semana após o bombardeio. — Neste momento, estamos buscando uma resposta para a questão de se veremos um novo ato de agressão enquanto estamos em diálogo.

Os dois países estavam em negociações sobre o programa nuclear iraniano quando Israel lançou uma campanha de bombardeios contra instalações nucleares e infraestrutura militar no Irã, em 13 de junho. Os americanos se juntaram à ofensiva dias depois, com um bombardeio contra as centrais nucleares em Fordow, Natanz e Isfahã. O alto funcionário iraniano disse que os EUA não esclareceram a posição sobre um novo ataque.

O presidente dos EUA, Donald Trump, alertou na sexta-feira que voltaria a bombardear o Irã se o país enriquecesse urânio a níveis que lhe permitissem fabricar armas nucleares —de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão de fiscalização nuclear da ONU, é necessário um nível de enriquecimento de urânio a 90% para fabricar uma bomba atômica.

A AIEA afirma que o Irã é o único Estado sem armas nucleares que enriquece urânio a um nível elevado (60%), bem acima do limite de 3,67% estabelecido pelo acordo internacional de 2015, que colapsou após Trump abandoná-lo unilateralmente em 2018. Ao lançar os primeiros ataques contra a nação persa, Israel afirmou que o programa nuclear iraniano estava muito próximo de desenvolver uma arma nuclear, apesar da alegação de Teerã de que seu programa é para fins civis.

Mapa mostra como foi o plano de ataque dos Estados Unidos contra o Irã — Foto: Arte O Globo

Ainda de acordo com o vice-chanceler, o país não está disposto a abandonar totalmente sua capacidade de enriquecer urânio — colocando em termos que dão a entender se tratar de um ponto inegociável ao país.

— Pode-se debater o nível, pode-se debater a capacidade, mas dizer que não devemos enriquecer, que devemos ter enriquecimento zero e que, se não concordarmos, bombardearão, isso é a lei da selva — disse o diplomata.

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A declaração vai no mesmo sentido do que afirmou o embaixador do Irã na ONU, Amir Saeid Iravani, no domingo. Em uma entrevista à CBS News, parceira de mídia da BBC nos EUA, o diplomata disse que o enriquecimento nuclear da República Islâmica “nunca cessará”, pois é permitido para fins de “energia pacífica” pelo tratado de não proliferação de armas nucleares.

— O enriquecimento é nosso direito, um direito inalienável, e queremos implementar esse direito — disse Iravani.

O diplomata afirmou ainda que Teerã está “pronta para a negociação”, mas, após a agressão sofrida, não há uma “condição adequada para uma nova rodada de negociações”.

Embora Trump tenha afirmado reiteradamente que as três instalações nucleares do Irã atacadas no fim de semana foram “totalmente destruídas”, o diretor da AIEA, Rafael Grossi, afirmou no domingo que Teerã tem capacidade para começar a enriquecer urânio novamente em “questão de meses”, apontando que os bombardeios causaram danos graves, mas “não totais”.

— Francamente, não se pode afirmar que tudo desapareceu e que não há nada lá — disse Grossi à CBS News, parceira de mídia da BBC nos EUA. — O Irã ainda possui capacidades industriais e tecnológicas. Então, se quiserem, poderão começar a fazer isso novamente.

As afirmações de Grossi foram feitas em um momento em que a atuação da agência da ONU no país são alvo de desconfiança. O jornal ultraconservador iraniano Kayhan acusou Grossi de ser “um espião do regime sionista”, escrevendo em um texto que “[Grossi] será julgado e executado ao chegar ao Irã por espionagem em favor do Mossad”.

O embaixador do Irã na ONU precisou desmentir que o país representasse algum tipo de ameaça ao diretor da agência no domingo. (Com AFP)

EUA precisam descartar novos bombardeios para que negociação de novo acordo nuclear seja retomada, diz vice-chanceler iraniano