O prefeito de Praia Grande, no litoral de São Paulo, Alberto Mourão (MDB), afirmou em entrevista ao GLOBO acreditar que a execução de Ruy Ferraz Fontes, ex-delegado-geral da Polícia Civil e secretário municipal de Administração, seria uma retaliação a operações recentes que miraram o PCC, como a Carbono Oculto. Atualmente no sexto mandato, o prefeito também declarou que Fontes nunca relatou suspeitas ou investigações sobre empresas que prestam serviço à prefeitura, uma das linhas de investigação do crime, mas que atuava junto a contratos da administração da cidade.
Quando o senhor conversou pela última vez com o dr. Ruy?
Acho que foi na sexta, por volta das 19h. Na segunda (dia do crime), a gente não se falou, falamos pouco, só via telefone de manhã. Nosso último despacho longo foi na sexta-feira.
Como o senhor conheceu o doutor o dr. Ruy?
Eu conheci ele há quase dez anos, no meu quinto mandato (atualmente, está no sexto). Eu queria muito estruturar a Polícia Civil, e o Ruy acabou assumindo a delegacia-geral do governo João Dória. Começamos a trabalhar juntos assim, ele criou a seccional de Praia Grande, ampliou o número de guardas e policiais, deu uma repaginada na polícia dentro da cidade. Depois que ele se aposentou, acabou sendo convidado para o governo e depois continuou comigo. Ele estava fazendo um bom trabalho na secretaria.
Câmeras mostram criminosos esperando carro do ex-delegado passar em via de SP
Ele tinha sido indicado pelo senhor ou por algum partido político ao cargo de secretário?
Não, nenhum partido, zero política. Aliás, ele disse que a última coisa que ele faria seria política. Ele veio na gestão da prefeita anterior
Foi o senhor mesmo que, então, convidou para trabalhar aí?
A ex-prefeita (Raquel Chini, do Republicanos) convidou ele. Eu elegi a ex-prefeita, e a ex-prefeita convidou ele. E eu o mantive.
Ele demonstrou temor de trabalhar em Praia Grande, na Baixada Santista, apontado como reduto do crime organizado?
Não. Não teve nenhuma preocupação e aceitou de pronto. Nós não temos estrutura do crime organizado aqui. A cidade não tem essa estrutura. Podem estar falando hoje, mas, na verdade, se a gente for ver o cenário, os indicadores de criminalidade diminuíram muito.
Qual era exatamente o trabalho dele?
Elaborar a folha (dos funcionários), fazer todo o processamento disso, conceder licença, fazer toda aquela burocracia. Tinha um segundo viés, que é a obrigação também de uma Secretaria de Administração, que é dar suporte a secretarias menores no processo legislativo. A parte dele era fazer os pregões (licitações), fazer os agendamentos e dar o apoio para estruturação do processo legislativo.
Então ele lidava com contratos de diversas áreas dentro da Prefeitura?
Ele ordenava os contratos dele, que eram pequenos, né? Cada secretário, pela lei municipal, é ordenador de despesas. Ele auxiliava os pregões, mas não assinava os contratos, não tinha nem gerência neles.
O Ministério Público, ano passado, fez uma operação na Baixada Santista que mostrou que integrantes do PCC subornavam funcionários de prefeituras para mudar texto de editais e ver licitações. O senhor tem conhecimento dessa situação aí em Praia Grande?
Nunca tivemos isso e espero que não tenha.
Uma das linhas de investigação do crime é que o dr. Ruy poderia estar investigando algum processo licitatório, algum contrato irregular. Ele havia mencionado isso ao senhor?
Não. Se estivesse em algum caminho disso, ele teria comunicado. Não tenho dúvida disso. E ele não chegou a falar. Até porque se tivesse alguma coisa, ele teria que fazer uma representação ao MP ou à polícia para fazer a investigação.
E se fosse apenas uma suspeita?
Não, na suspeita tudo bem, até para não ser leviano de fazer uma representação em um assunto que ainda é uma ideia que você está enxergando. O Ruy era muito cauteloso, responsável, sabia que a gente não pode acusar alguém de alguma coisa sem uma prova. Mas é tudo hipótese agora, né?
E qual a hipótese do senhor?
Olha, tem muita coisa acontecendo. A Operação Carbono (Oculto, que teve entre os alvos fundos ligados ao PCC no mercado financeiro) não fechou, acho que tem “muito carbono” pela frente… Será que não foi um recado que estão mandando?
O senhor acha que a morte dele pode ter sido uma retaliação da Carbono Oculto?
Acho. A gente tem as nossas teses, mas essas teses são perigosas, mexe com coisas que não se deve. Eu não quero correr risco de vida.
Ele citou suspeitas sobre alguma empresa específica?
Ele nunca reportou nenhuma preocupação com irregularidades grandes. Alguma coisinha de funcionário, recursos humanos, atestado médico vendido na internet, essas coisas. Nada relacionado ao crime organizado.
Em algum momento da passagem dele na prefeitura ele mencionou preocupação com a segurança?
Ele nunca falou isso e eu não sabia que ele estava jurado de morte. Esse tempo todo ele nunca expressou isso pra mim. E como a gente não ficava lendo a história dele, para mim foi uma surpresa que ele estava naquela lista (de jurados pelo crime organizado). Então, pra mim, foi uma surpresa.