O cessar-fogo na Faixa de Gaza, entre Israel e o grupo terrorista Hamas, começou ao meio-dia desta sexta-feira (06h em Brasília), anunciou o Exército israelense, após completar o primeiro recuo para a linha estabelecida dentro do enclave palestino, conforme o determinado pelos termos do acordo fechado em negociações no Egito. A retirada dos militares abre a contagem de um prazo de 72 horas para a libertação dos reféns ainda em cativeiro — o que dará início uma nova rodada de negociações para o fim definitivo do conflito. Em um primeiro pronunciamento após o recuo, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, classificou o acordo como uma vitória para o Estado judeu.
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“Desde este meio-dia [locais], as tropas começaram a se posicionar ao longo das (…) linhas de retirada, em preparação para o acordo de cessar-fogo e para o retorno dos reféns”, informou o Exército em um comunicado.
O recuo das tropas israelenses era o primeiro movimento no campo de batalha para que a primeira parte do acordo obtido durante as negociações indiretas entre Hamas e Israel começasse a valer. O enviado especial americano para o Oriente Médio, Steve Witkoff, disse que a retirada foi verificada por militares dos EUA, e confirmou que isso abria a janela de 72 horas para o Hamas entregar os reféns restantes.
Embora as autoridades tenham concordado com um cessar-fogo para possibilitar que a entrega dos prisioneiros ocorra sem riscos, os militares informaram que continuarão a “eliminar toda ameaça imediata” — um alerta de que ataques diretos as tropas não serão aceitos passivamente.
Em um discurso televisionado pouco após o início do cessar-fogo, o primeiro-ministro israelense classificou o acordo como uma grande vitória de seu governo, não apenas contra o Hamas, mas também contra inimigos regionais, como o Irã e o Hezbollah, que foram duramente atacados nos últimos dois anos. Netanyahu defendeu a linha-dura adotada nos últimos anos, contrariando os apelos internacionais por negociações, afirmando que a frente militar contribuiu para o desfecho atual.
— Eu acreditava que, se aplicássemos forte pressão militar, combinada com forte pressão diplomática, seríamos absolutamente capazes de devolver todos os nossos reféns — disse o premier. — E foi exatamente isso que fizemos.
Netanyahu ainda agradeceu à pressão feita pelo presidente americano, Donald Trump — a quem se referiu como “nosso grande amigo” —, reconhecendo o papel de Washington como decisivo para o avanço das negociações. Ele também enviou uma mensagem aos críticos, que argumentaram que o Hamas não aceitaria libertar os reféns com o Exército israelense ainda dentro de Gaza, dizendo que esta condição só foi alcançada nos termos atuais, com a conjunção de pressões.
Sobre as etapas seguintes de negociação, o premier afirmou que o Hamas “será desarmado, e Gaza será desmilitarizada” — um dos gargalos nas tratativas atuais, com grupos palestinos, incluindo a Jihad Islâmica, afirmando que pretendem manter capacidades militares.
— Se isso for atingido da maneira fácil, ótimo. Se não, será atingido da maneira difícil — acrescentou.
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Enquanto o futuro do enclave segue incerto, o início do cessar-fogo foi acompanhado por um grande deslocamento de pessoas dentro do enclave, onde mais de 1 milhão de moradores foram forçados a abandonar suas casas ao longo de dois anos de guerra, segundo estimativas. O Exército israelense informou que duas rotas, de al-Rashid (costeira) e Salah al-Din, estão liberadas para que os palestinos se desloquem do sul para o norte, mas alertou que muitas regiões permanecessem “extremamente perigosas”.
A indicação dos militares é de que os civis evitem as áreas de Beit Hanoun, Beit Lahiya, Shujaiya e “quaisquer locais onde as tropas estejam fortemente mobilizadas”. Os civis também foram alertados para se manterem afastados da passagem de Rafah e do Corredor Filadélfia, perto da fronteira com o Egito, e de quaisquer concentrações de tropas na região de Khan Younis.
Mousa Rajab, um estudante de enfermagem de 22 anos, disse que ele e seu primo decidiram começar a caminhar até a Cidade de Gaza assim que souberam do cessar-fogo.
— Só queremos ver se nossas casas ainda estão de pé. Ouvimos dizer que a nossa foi parcialmente danificada, mas precisamos ver com nossos próprios olhos — disse Rajab.
Embora acordos de cessar-fogo anteriores tenham sido quebrados e resultado em novos combates, Rajab estava otimista de que a guerra pode realmente ter acabado desta vez.
— Tudo ainda parece incerto — disse ele. — Será que nos mandarão embora de novo? Espero que não. Só quero que esta seja a última vez que andemos por esta estrada.
O governo israelense aprovo oficialmente o acordo de cessar-fogo na manhã de sexta-feira (noite de quinta em Brasília), apesar da oposição declarada de integrantes da ala mais radical do Gabinete.
1. Troca de reféns por prisioneiros
De acordo com o plano divulgado por Trump após uma reunião com Netanyahu na Casa Branca, cerca de 20 reféns israelenses vivos, além dos corpos de outros 28, seriam trocados por 250 prisioneiros palestinos cumprindo prisão perpétua em Israel e 1.700 moradores de Gaza detidos durante a guerra. Os corpos de 15 palestinos seriam devolvidos em troca dos restos mortais de cada refém ainda em Gaza.
Na quinta-feira, o Hamas entregou uma lista com nomes de possíveis prisioneiros a serem envolvidos na troca, incluindo antigas lideranças de organizações palestinas, como Marwan Barghouti, do Fatah (que controla a Autoridade Nacional Palestina), e de Ahmad Sa’adat, chefe da Frente Popular pela Libertação da Palestina, ambos presos desde 2002. Nesta quinta, Bedrosian descartou a possibilidade de Barghouti ser libertado.
Há informações de que Israel e o Hamas tentam finalizar ainda nesta quinta-feira a lista de prisioneiros palestinos. O governo israelense, que tem poder de veto, também terá de publicá-la com antecedência para permitir apelos públicos.
2. Desarmamento e retirada total
Um dos pontos que ainda serão discutidos na próxima fase é a desmilitarização do Hamas e de Gaza. O grupo terrorista poderia, por exemplo, aceitar um desarmamento apenas parcial de suas forças no enclave. O plano de Trump, porém, prevê a total deposição das armas.
— O Hamas pode estar disposto a abrir mão de algumas armas, mas não ficará sem elas completamente — afirmou Adi Rotem, um oficial aposentado da Inteligência israelense, que participou de negociações com o grupo terrorista até 2024. — As armas são uma parte essencial do DNA do Hamas.
Fontes ouvidas pelo jornal americano The New York Times não detalharam o tipo das armas que o Hamas quer manter, mas sugeriram que seriam itens como pistolas e fuzis para proteção de seus membros contra futuras represálias internas.
O Hamas também havia pedido a saída imediata e completa de Israel do enclave, mas o plano de Trump prevê apenas o recuo gradual, sob o argumento de que isso é necessário para garantir a segurança de Israel. A presença militar israelense em Gaza, portanto, não tem data para terminar, e a proposta da Casa Branca defende que os prazos sejam discutidos posteriormente.
Ainda de acordo com o jornal americano, a proposta afirma que Israel não ocupará ou anexará Gaza e “se retirará com base em padrões, marcos e prazos ligados à desmilitarização que serão acordados”.
3. Entrada de ajuda humanitária
Ainda não está claro qual é o cronograma de entrada de ajuda externa ao povo palestino, inclusive se todas as organizações estrangeiras estariam liberadas para entrar no território e que tipo de suprimentos seriam permitidos na retomada da ajuda.
Segundo o secretário-geral da ONU, António Guterres, a organização vai apoiar “a implementação total” do cessar-fogo em Gaza e do acordo de reféns.
— A ONU aumentará a entrega de ajuda humanitária sustentada e baseada em princípios, e avançaremos nos esforços de recuperação e reconstrução em Gaza — disse Guterres.
Nesta quinta, a ONU afirmou que está pronta para lançar, em seguida à entrada em vigor de um cessar-fogo na Faixa de Gaza, um plano de 60 dias para ajudar a população do território devastado, para o qual dispõe de 170 mil toneladas de ajuda. Centenas de caminhões por dia serão mobilizados para implementar o plano de ajuda a uma população à qual Israel não permite há meses o acesso a alimentos e medicamentos, entre outros itens de primeira necessidade.
Segundo uma fonte citada pela rede britânica BBC, assim que o cessar-fogo entrar em vigor, Israel permitirá que 400 caminhões de ajuda entrem em Gaza diariamente durante os primeiros cinco dias, com o número aumentando gradualmente nas etapas posteriores. Nenhuma das partes, no entanto, confirmou essa informação.
Em termos de prazos, o futuro de Gaza — sua reconstrução e administração — também segue sem uma definição, apenas com acenos sobre intenções. Trump disse que os Estados Unidos ajudariam Gaza a se reconstruir e formariam um “conselho de paz” que seria “muito poderoso”, mas não forneceu detalhes sobre como funcionaria.
O plano Washington propõe que o enclave seja administrado, inicialmente, por um grupo de palestinos sem ligação com o Hamas — que seria excluído de qualquer governo futuro — ou a Autoridade Nacional Palestina (ANP), sob supervisão de um órgão internacional que poderia ser liderado por Trump, com um papel de liderança para Tony Blair, ex-primeiro-ministro britânico. “Gaza será reconstruída para o benefício do povo de Gaza”, segundo a proposta de Trump.
O conselho de paz estabeleceria uma estrutura para a reconstrução da região, incluindo financiamento por um período de tempo, enquanto a ANP passaria por um “programa de reforma” para que possa “retomar o controle de Gaza de forma segura e eficaz”. Vale lembrar que a ANP, que administra parte da Cisjordânia ocupada por Israel, foi acusada de corrupção.
O conselho deve “criar uma governança moderna e eficiente para atrair investimentos”. Deve ser estabelecida uma zona econômica especial, com tarifas preferenciais e taxas de acesso a negociar com os países participantes.
Ainda segundo a proposta de paz, ninguém será forçado a deixar Gaza. “Vamos encorajar as pessoas a ficar e oferecer-lhes a oportunidade de construir uma Gaza melhor”, diz a proposta. Trump havia proposto anteriormente que os moradores de Gaza poderiam ser realocados para outras nações, talvez Estados vizinhos, uma sugestão que atraiu condenação generalizada e que ele abandonou desde então.
A Casa Branca também propôs que parceiros regionais no Oriente Médio garantam que o Hamas cumprirá suas obrigações, e os Estados Unidos trabalharão com parceiros árabes e internacionais para desenvolver uma “Força Internacional de Estabilização” para implantar imediatamente em Gaza.
Essa força “treinará e fornecerá apoio às forças policiais palestinas em Gaza”, trabalhando também com Israel e Egito para ajudar a proteger as áreas de fronteira.
O líder dos Houthis do Iêmen, Abdul Malik al-Houthi, disse nesta quinta-feira que o grupo vai monitor o cumprimento do acordo de cessar-fogo de Gaza por Israel e retomará o apoio a Gaza se Tel Aviv não cumprir.
Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinos, mas não garante o estabelecimento de um Estado palestino. Diz apenas que, à medida que o novo desenvolvimento de Gaza avançar e o programa de reforma da ANP for realizado, “as condições podem finalmente estar reunidas para um caminho confiável para a autodeterminação e o Estado palestinos, que reconhecemos como a aspiração de seu povo”. (Com AFP e NYT)