Enquanto Firas Zreik dedilhava o kanun, semelhante a uma harpa, na abertura da Bienal de Gaza, em Nova York, na semana passada, os visitantes eram cercados por representações artísticas da zona de guerra no Oriente Médio. Havia imagens de ferimentos graves, de escombros, de sobrevivência. Enquanto isso, a melodia de Zreik, músico palestino de 29 anos, deu um tom sombrio à exposição, que foi aberta no Recess Art, no Brooklyn, como a primeira etapa de uma breve turnê pelos Estados Unidos.
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Os participantes esperavam que esta edição da exposição, intitulada “De Gaza para o mundo”, ajudasse os americanos a entenderem a perspectiva dos palestinos que sofrem violência em um momento em que algumas instituições rejeitam a arte palestina.
A maioria das pinturas, ilustrações e esculturas eram reproduções feitas a partir de fotografias digitais e executadas sob instruções dos artistas, que não podem transportar suas obras para fora da Faixa de Gaza.
Em um vídeo projetado atrás de Zreik, a artista Yara Zuhod, de 22 anos, folheava um livro de desenhos.
— Não tenho o direito de viajar, de compartilhar meu trabalho — disse ela.
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Lindsay Harris, codiretora da Recess Art, disse que a organização sem fins lucrativos considerou que poderia perder apoio financeiro para a realização de uma exposição sobre um tema politicamente sensível. Mas quando os organizadores entraram em contato este ano, ela achou difícil dizer não.
— Se esses artistas tiverem a coragem de continuar sua prática, então poderemos ter a coragem de ser uma plataforma para essas histórias — disse Harris.
Embora a exposição completa em Nova York tenha terminado na segunda-feira, uma seleção de obras permanecerá em exibição até 20 de dezembro. Outras edições da mostra foram realizadas na França e na Dinamarca, e outras serão inauguradas em países como Grécia e Turquia. Os organizadores também planejam levar a exposição para Washington.
A Bienal de Gaza, que se descreve como um coletivo que inclui artistas da Cisjordânia, de Gaza e do exterior, estabelece parcerias com curadores e instituições locais em várias cidades para apresentar as obras. O grupo afirmou em um comunicado que seu objetivo era apresentar uma imagem dos palestinos que “vai além de notícias de última hora, da cobertura da mídia e de estatísticas”.
Uma das artistas, Malaka Abu Owda, disse em um e-mail que pintar era uma libertação quando parecia que ela iria desmaiar: “Encontro o equilíbrio tratando cada obra como um grito e uma memória. Não apenas arte, mas uma maneira de aliviar minha dor e dar voz àqueles que não podem mais falar”, escreveu.
A guerra em Gaza começou depois que o Hamas atacou Israel em outubro de 2023, matando 1.200 pessoas e fazendo cerca de 250 reféns. Desde então, Israel bombardeou grande parte de Gaza, matando mais de 60 mil palestinos, de acordo com o Ministério da Saúde local. Especialistas em saúde alertaram no mês passado que a área estava passando por um período de fome. Na última terça-feira, o exército israelense anunciou ter lançado uma operação terrestre na Cidade de Gaza, tentando tomar o controle de uma área enquanto centenas de milhares de moradores palestinos permanecem lá.
Durante a exposição em Nova York, na quinta-feira da semana passada, o poeta Ammiel Alcalay folheou um caderno de ilustrações de Sohail Salem. “Com as mãos trêmulas, tento desenhar sem hesitar e compartilhar meus esboços nas redes sociais sempre que possível”, escreveu o artista em um comunicado. “Esses pequenos cadernos e minhas canetas se tornaram meu refúgio.”
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Alcalay disse que a exposição foi uma oportunidade especial para o público americano descobrir Salem.
— Há uma presença de espírito para poder registrar, emocional e conceitualmente, tanto a beleza quanto a destruição — disse Alcalay, fazendo comparações com as respostas artísticas de Pablo Picasso e Francisco Goya às guerras de suas épocas. — A arte deve representar as possibilidades do espírito humano sob pressão, e a arte que deveríamos estar observando vem de Gaza.
Outros visitantes menos familiarizados com os artistas tiveram uma sensação semelhante. Embora a exposição se concentrasse no sofrimento palestino em Gaza, houve algumas menções a Israel, incluindo uma instalação de Ghanem Alden chamada “O foguete e a cenoura”, que satiriza a abordagem de “recompensa e punição” do governo israelense em relação ao conflito.
Yolande Macon, criadora de conteúdo de moda, se viu diante de seis desenhos digitais do artista Ahmad Adawy, incluindo a imagem de um homem nu sentado no chão; suas costas estão marcadas por buracos que representam feridas. A imagem assombrosa foi acompanhada por outras cenas da vida cotidiana dos palestinos em Gaza, vivendo em tendas e cercados por veículos militares.
— Esta é realmente uma retribuição — disse Macon.
Com a aproximação do segundo aniversário da guerra, a Bienal de Gaza foi mais do que apenas uma saída para os artistas. Foi também um teste de quanta visibilidade os artistas palestinos poderiam ter nos Estados Unidos, enquanto o governo Trump analisa ativistas pró-palestinos e suspende vistos para portadores de passaporte do território.
Zreik, que interpretou o kanun, teve dificuldades com seu papel na peça.
— Tenho que ser muito delicado para não romantizar a tragédia e não tirar o valor da exposição — disse ele algumas horas antes da apresentação. — O que eu sinto ou não sinto é irrelevante. Isto é sobre os artistas de Gaza.