A França espera a decisão que será tomada pelo presidente Emmanuel Macron para tentar sair da profunda crise política que o país vive desde 2024, embora o primeiro-ministro que renunciou, Sébastien Lecornu, tenha afastado nesta quarta-feira a perspectiva de novas eleições legislativas. Enquanto isso, Macron foi flagrado sozinho em caminhada às margens do rio Sena, em Paris, em imagens divulgadas pela emissora francesa BFM TV.
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O pedido de renúncia de Lecornu foi apresentado a Macron cerca de 14 horas após o próprio anunciar os nomes que integrariam seu gabinete de governo, com quem se reuniria na tarde de segunda-feira pela primeira vez. A escolha do gabinete foi apontada como o estopim para a queda, ao atrair críticas de todo o espectro político francês, da esquerda à direita, por não entregar a renovação prometida no ato de sua escolha para o cargo. Lecornu corria risco de enfrentar um voto de desconfiança no Parlamento ainda nesta semana.
Ao fim de uma reunião a portas fechadas, o Eliseu informou que Macron encarregou o ex-premier com a missão de liderar negociações para construir uma plataforma de ação para estabilizar o país — o que o jornal francês Le Parisien afirmou que pode se tratar de uma tentativa de aprovar o orçamento do ano que vem, que ainda não foi aprovado. Desde então, Lecornu tem conduzido negociações com os partidos que compõem a aliança governista — a coalizão centrista de Macron e o conservador LR — e iniciou conversas também com a oposição de esquerda. Seu objetivo é viabilizar um orçamento para 2026 até 31 de dezembro, o que, segundo ele, “afasta a perspectiva” de eleições antecipadas.
Lecornu foi nomeado em 9 de setembro, com as credenciais de ser ex-ministro da Defesa e um jovem aliado (39 anos) do presidente, conhecido por ser discreto e leal. O desafio é enorme. As legislativas antecipadas de 2024 deixaram uma Assembleia Nacional fragmentada em três blocos — esquerda, centro-direita e extrema direita — e dois primeiros-ministros já caíram ao tentar aprovar o orçamento. Lecornu foi o terceiro a deixar o cargo.
Enquanto tenta reequilibrar o governo, Macron enfrenta pressões crescentes de todos os lados. A líder da extrema direita, Marine Le Pen, ameaça apresentar uma moção de censura ao afirmar que “a brincadeira já durou demais”. A esquerda radical, liderada pelo partido França Insubmissa (LFI), também ameaça derrubar o governo caso ele mantenha a “política macronista”.
A tensão política se reflete até na discussão sobre a reforma da Previdência, imposta por decreto em 2023, que elevou a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos e gerou greves e protestos massivos. A suspensão da medida é defendida por parte da oposição como condição para a estabilidade, mas encontra resistência dentro do próprio campo governista.
Em meio a esse cenário, imagens transmitidas pela emissora francesa BFMTV nesta quarta-feira ganharam forte valor simbólico. O canal exibiu Macron caminhando sozinho às margens do Sena, horas depois da renúncia de Lecornu. No vídeo, o presidente aparece acompanhado apenas de três pessoas à distância — provavelmente seguranças — e em certo momento parece falar ao telefone. Veja o vídeo a seguir:
Macron é flagrado andando sozinho às margens do Sena
“Uma imagem de solidão que ilustra o momento que atravessa o presidente”, comentou o jornalista no estúdio, descrevendo a cena como expressão da “solidão do poder, a solidão de um presidente diante das decisões que precisa tomar nas próximas horas”.
O retrato solitário reforça a percepção de que Macron enfrenta um dos momentos mais delicados de seu segundo mandato. Com a segunda maior economia da União Europeia sob pressão dos mercados devido à dívida pública — cerca de 115% do PIB — e a instabilidade parlamentar impedindo avanços, cresce na França o coro por sua renúncia ou pela convocação de novas eleições legislativas.