“Ela já faz parte da gente, da nossa equipe, é o nosso xodózinho”. Assim, o gari Samuel da Silva dos Santos, de 39 anos, se refere à recém-nascida encontrada por ele e seus colegas da Comlurb, enquanto revirava o lixo na Rua Ouro Preto, entre Quintino e Cascadura, na Zona Norte do Rio de Janeiro, na madrugada desta terça-feira (1º). A criança, que já foi batizada pelo grupo com o sugestivo nome de Vitória, foi a segunda encontrada por Samuel, que está há 19 anos na companhia, nas mesmas condições. A outra, também uma menina, foi encontrada perto da Estrada do Portela, em Madureira, já morta, há 18 anos.
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— A gente não teve muito o que fazer. Dessa vez a emoção foi maior porque a criança estava viva — afirmou Samuel, que pretende entrar na fila de adoção para ficar com a menina.
Samuel, que é morador de Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, trabalha na gerência regional de Madureira. Ele é casado e tem três filhos —duas meninos e uma menina — com idades entre 8 e 14 anos. A mulher dele é uma dona de casa que faz bicos como manicure para aumentar a renda. Ele contou que toda família ficou entusiasmada com o encontro da criança e que, por eles, já a levariam imediatamente para casa. Quando mandou um vídeo para a esposa e contou o que tinha encontrado no lixo, ela chegou a dizer “traz que eu cuido”. Mas, ele sabe que não é esse o procedimento:
— Eu quero adotar, mas a gente sabe como é que acontece. Tem todo um trâmite. Tem que esperar para ver. A vontade é de adotar, mas tem pessoas na nossa frente. É uma fila, mas vamos ver se vamos conseguir adotar para deixá-la próxima da gente.
Samuel estava acompanhado de mais dois colegas garis. Um deles, Anderson Mendes Nunes, de 43, também manifestou interesse em adotar a criança, mas como foi o amigo quem a encontrou, disse que a prioridade seria dele. Mas os dois já combinaram que, se a adoção se concretizar, o outro será o padrinho e, para efeito de comemoração, o aniversário da menina passaria a ser o dia em que ela foi encontrada, independentemente da data em que nasceu.
Samuel contou que se emocionou ao encontrar a menina, que julgou inicialmente se tratar de uma boneca. Ela estava no chão com uma caixa de papelão cobrindo o corpo e vestia apenas um casaco estampado grande demais para o seu tamanho.
— Retirei a caixa de papelão de cima da menina e pensei que era um Bebê Reborn (brinquedo de boneca realista que faz sucesso entre as crianças). Já estava pensando em dar para a minha filha. Ia ser uma briga com as primas. Aí peguei a mão dela e a senti mole demais. Segurei um pouco mais e ela chorou. Nesse momento a perna tremeu, não consegui fazer mais nada e a emoção tomou conta de mim — relatou.
Um colega ligou para o Corpo de Bombeiros, que levou a criança para o Hospital Maternidade Herculano Pinheiro, em Madureira. Paralelamente, a polícia também avisada para dar início às investigações e tentar localizar parentes da criança.
No mesmo dia que encontrou a criança, Samuel esteve no hospital, mais tarde, para acompanhar o estado de saúde dela e saiu de lá satisfeito ao saber que ela estava bem e não corria risco de morrer. Segundo seu relato, a menina, que é recém-nascida, está numa encubadora. Nesta quarta-feira, ele ligou para unidade para atualizar as informações a respeito da criança.
Samuel sabe que vai ter de esperar as investigações da polícia serem concluídas, para saber se vai aparecer algum parente reivindicando a guarda e depois seguir os trâmites normais de adoção, caso isso aconteça. Mas já revelou que, independentemente de quem fique com a menina —seja um familiar ou outro adotante — ele faz questão de acompanhar de perto o seu desenvolvimento.
—Pra mim ela já faz parte da família, independentemente do que vier acontecer — disse.
Samuel contou ainda que foi o destino que colocou a menina no caminho da equipe. Isso, porque eles fizeram uma alteração no roteiro de coleta de última hora.
— Normalmente começamos esse roteiro de forma bem diferente, e pegamos essas ruas às 11h, não às 3h. Começamos pela parte de baixo dessa vez. Quando entramos nessa rua começou a bater um cansaço, e ainda faltavam cinco ruas. Avançávamos devagar. Paramos na Ouro Preto e a encontramos.
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Anderson, o outro gari que integrava a equipe, é morador de Paciência, também é casado e tem um único filho de 17 anos. Ele e a esposa sempre sonharam com uma menina e, ao encontrar a recém-nascida, achou que era o momento de realizar esse desejo. Mas, disse que se a criança for para adoção, a prioridade será do colega que a encontrou. No entanto, ele já se candidatou a padrinho.
— Ela vai ser bem querida, independentemente do lar onde estiver — afirmou.
O gari contou que um procedimento adotado pelas equipes, por recomendação da companhia, pode ter salvada a criança. É que por conta do risco com objetos perfurocortantes e aumento do abandono de animais, eles passaram a ter mais cuidado e revistar as caixas de papelão antes de jogá-las no compactador. O gari Jefferson Guedes e um motorista completavam a equipe que achou Vitória.
A direção do Hospital Maternidade Herculano Pinheiro informou que a bebê está internada em Unidade Intermediária, com quadro de saúde estável, e segue recebendo os cuidados indicados pelas equipes médica e multiprofissional da unidade. De acordo com a Secretaria de Saúde, o Conselho Tutelar e a Vara da Infância já foram comunicados sobre o caso.
A Polícia Civil, informou que o caso foi registrado na 40ª DP (Honório Gurgel) e encaminhado à 29ª DP (Madureira), que dá prosseguimento as investigações.
O Tribunal de Justiça informou que a Vara da Infância e da Juventude de Madureira foi informada pelo Conselho Tutelar do encontro do bebê pelos funcionários da Comlurb e que a criança deve permanecer internada na unidade de saúde para onde foi encaminhada até atingir o peso ideal de alta. Depois disso, a Vara da Infância e Juventude vai providenciar o acolhimento da criança numa unidade de acolhimento e, também, fará a busca ativa por familiares.
Acrescentou que, por determinação legal, antes de se encaminhar uma criança ou adolescente à adoção, é necessário esgotar as possibilidades de (re)inserção familiar.