Gloria Kalil é testemunha ocular da História recente da moda no Brasil. A paulistana, formada em Ciências Sociais, começou a carreira, nos anos 1960, na Editora Abril. Inquieta, migrou para a indústria, onde dirigiu o departamento de criação da Scala D’oro Têxtile, e na década de 1980, foi responsável pela abertura da icônica marca Fiorucci no Brasil. A partir de 1993, dedicou-se a produzir best-sellers, como os livros “Chic”, “Chic Homem” e “Chiquérrimo: moda e etiqueta em novo regime”. Nos anos 2000, foi pioneira ao lançar o site Chic, tornando-se uma das vozes mais importantes do mercado num momento em que a moda brasileira decolava. Agora, acaba de alcançar a marca de 1,5 milhão de seguidores no Instagram, onde atua de forma independente, sem fazer publi alguma. “Nessa altura da vida, Graças a Deus, não preciso”.
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Em uma hora de entrevista por chamada de vídeo, Gloria, de 81 anos, mostra estar de bem com a vida — profissional e pessoal. Com o boom das redes sociais, entendeu que aquele seria o seu lugar de fala e de escuta. “Sou uma pessoa atenta. Passou o cavalo, eu pulo.”
A seguir, os melhores trechos da conversa em que fala sobre moda, comportamento e plataformas digitais:
“Algumas influencers trazem um mundo glamouroso e inacessível. É como se estivéssemos assistindo a um filme, com lugares, hotéis, viagens e roupas. É um mundo inspirador. E tem aquelas que criam conteúdo aspiracional, que faz com que as pessoas queiram se vestir de um determinado jeito. Aí, cabe a cada um fazer a sua seleção. Para o consumidor, essa pluralidade é uma maravilha. Informantes ‘profissionais’, como eu, também têm o seu lugar, porque tem gente que quer saber. Desde sempre, gosto do jornalismo de serviço.”
“Os vídeos que abordam comportamento têm uma repercussão imensa. Também recebo incontáveis perguntas sobre o tema por mensagem. O que acredito: é preciso conhecer as regras inclusive para desobedecê-las. Dessa maneira, é possível dar um ‘depoimento’ por meio da roupa. Usar um jeans rasgado numa festa black-tie, por exemplo. Se a escolha pelo denim detonado foi feita para deixar evidente que a pessoa em questão não faz parte daquele ambiente, OK. Agora, se é por ignorância das normas, é um erro. Em ambas as situações, é preciso lidar com as consequências.”
“Não tenho medo de ser cancelada. Não falo de política de jeito algum. Outro dia, bastou eu mencionar que ‘o mundo está muito conservador’ para criar-se um rebuliço.”
“Acompanhei o nascimento e o apogeu do pret-à-porter e da indústria de confecção, de dentro e de fora. A moda esteve na moda dos anos 1980 aos 2000. No mundo inteiro, deixou de ser desejo. A libido agora está na tecnologia. O mercado brasileiro, assim como o mundial, está pulverizado. Há nichos: do luxo, da sustentabilidade, da inclusão, e por aí vai. Só existe uma marca brasileira conhecida lá fora: as Havaianas. E a Farm acertou o caminho.”
“Rendeu comentários a minha postura em uma situação delicada entre amigos. Não falei para uma amiga casada que outra amiga nossa estava tendo um caso com seu marido. Não contei porque não sabia se ela teria condições de suportar essa notícia. Em paralelo, avisei à solteira que não iria mais com ela à casa do tal casal, que não queria participar daquilo. Quando a casada ficou sabendo do romance e que eu estava a par da confusão, veio me cobrar, ficou chateada. Depois, entendeu. É uma situação difícil, mas não tinha como tomar posição entre três pessoas que eram e continuam sendo minhas amigas igualmente.”
Casas separadas e um fim de semana
“Nunca senti falta nem vontade de ter filhos. Não acho que seja apólice para velhice. Estou com o Sérgio (Cardoso, professor de filosofia) há 30 anos. Nunca moramos juntos. Complicado é casa junta! Tão mais fácil estabelecer seus horários sem ter que negociar nada com ninguém. Há cerca de 15 anos, construímos uma casa, no Itaim, em São Paulo, em que passamos os fins de semana. Sobre etarismo, não percebo muito no mundo da moda, ao contrário do empresarial. Mas tem que ter repertório. Costumo falar que quem depende só da cinturinha, do peito e da bunda, está frito. Enquanto a vida não me der uma paulada e eu tiver saúde, vou indo.”