— Quando foi isso? — questionou Trump sobre o ataque, que terminou menos de três horas antes. — Agora mesmo? Quer dizer que foi quando eu estava voltando para falar com vocês? Parece que sim. Vou ter que dar uma olhada.

  • Após operação no domingo: Vice-presidente dos EUA sugere que ataques não destruíram programa nuclear iraniano por completo
  • ‘Nos deixa mais seguros’: Trump revela mensagem privada do secretário-geral da Otan, que elogiou ataque dos EUA ao Irã

Trump voltava para Washington após sair às pressas de uma reunião de líderes do G7 no Canadá, em meio à guerra aérea travada entre Irã e Israel, iniciada dias antes, à qual o líder americano ainda considerava se juntar (ele o fez, com bombardeios a instalações nucleares iranianas no fim de semana). Naquele momento, era evidente que a Ucrânia fora relegada a segundo plano na agenda diplomática do republicano.

Diante de atrasos e sem avanços concretos para se autocongratular, Trump demonstra há algum tempo seu enfado com as discussões para um cessar-fogo.

Equipes de resgate trabalham nos escombros de prédio residencial atingido por ataque russo em Kiev — Foto: Genya SAVILOV / AFP

No começo de junho, por exemplo, comparou o conflito que deixou dezenas de milhares de mortos a “uma briga entre crianças no parquinho”, e afirmou que “algumas vezes você precisa deixá-los brigarem um pouco”. No dia 14, conversou por telefone com Vladimir Putin, e celebrou o fato de o líder russo ter-lhe desejado “feliz aniversário” — posteriormente, disse a jornalistas que o pressionou sobre um acordo para a paz, um comentário que não foi confirmado pelo Kremlin.

— Não acho que ele se importe. Deixe-me simplificar ainda mais. Acredito que ele não se importe. Acredito que ele não se importe com nenhum país do mundo, exceto os Estados Unidos — disse o ex-chanceler ucraniano Dmytro Kuleba em entrevista à rede CNBC.

  • Em reunião com chanceler iraniano: Putin classifica ataque ao Irã como ‘injustificado’, mas não oferece apoio concreto

Na semana passada, ao sair às pressas da reunião do G7, Trump deixou o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, sem um esperado encontro. E em uma segunda derrota para a Ucrânia e os aliados europeus da Otan, ele vetou termos mais duros contra os russos no comunicado final, além de criticar a exclusão da Rússia do G7 em 2014, logo após a anexação da Crimeia.

— Putin fala comigo — disse o presidente dos EUA. — Ele não fala com mais ninguém. Ele não está feliz com isso.

Presidente dos EUA, Donald Trump, acompanha bombardeios americanos contra o Irã na Casa Branca — Foto: WHITE HOUSE / AFP
Presidente dos EUA, Donald Trump, acompanha bombardeios americanos contra o Irã na Casa Branca — Foto: WHITE HOUSE / AFP

Ao mesmo tempo, o líder americano se jogava inteiramente no conflito no Oriente Médio. Na semana passada, foi tomada a decisão para lançar os ataques contra as instalações nucleares de Fordow, Natanz e Isfahã, e na segunda-feira Trump impôs um cessar-fogo a Irã e Israel, cujos termos não ficaram claros. Na manhã seguinte, em sua rede social, o Truth Social, em meio a publicações com elogios a si mesmo, cobrou que iranianos e israelenses não violassem o cessar-fogo.

Sobre a Ucrânia, onde um ataque russo deixou 17 mortos em Dniéper, também nesta terça-feira, não destinou nem um post sequer.

Trump tem agora uma nova oportunidade para não falar de forma crítica sobre a Rússia, quando os líderes da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, comandada pelos EUA, se reúnem em Haia, na Holanda. Ao contrário da reunião do G7, o líder americano sabe que sairá da Europa com pelo menos uma vitória: a organização vai confirmar que a meta de gastos com Defesa de seus 32 membros passará dos atuais 2% do PIB para 5% do PIB, uma antiga demanda do republicano.

A matemática ligada a esse aumento é peculiar. Embora o salto de fato dos gastos diretos seja de 2% para 3,5% do PIB, algo substancial, o restante se refere a despesas “secundárias”, como melhorias em sistemas internos de transportes, de saúde e preparativos para uma eventual guerra. Contudo, há divergências sobre quando esse limite deve ser atingido — países do Leste Europeu o querem o quanto antes — e se os membros serão capazes de cumprir o prometido.

A Espanha, por exemplo, disse que não concorda com as novas metas, e mesmo o patamar atual, de 2%, só foi atingido por 23 dos 32 países da Otan em 2024. Os EUA, responsáveis pela maior parte do orçamento da aliança, hoje gastam 3,19% do PIB com Defesa.

— Fica muito claro que os europeus preferem engolir em seco, adotar tudo aquilo que o Trump fala e aumentar os gastos com a Otan para ter os Estados Unidos nesta nova ideia de que precisam agir coletivamente contra um inimigo comum, que seria a Rússia — afirmou ao GLOBO Lucas Leite, professor de Relações Internacionais na Faap e pesquisador do INCT/Ineu.

OTAN envia aviões para a Polônia após ataque da Rússia a Ucrânia — Foto: Reprodução/X
OTAN envia aviões para a Polônia após ataque da Rússia a Ucrânia — Foto: Reprodução/X

Ao comentar os números, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que a elevação era condizente com uma campanha do Ocidente para “demonizar a Rússia”, que os países da Otan “precisaram criar um bicho-papão”, e que “não há um melhor candidato para ser esse monstro do que a Rússia”.

Mas se depender de Trump e do secretário-geral da Otan, Mark Rutte, o comunicado final não deve trazer menções duras a Moscou, ou sobre uma eventual adesão da Ucrânia, para não melindrar o americano. Segundo o Washington Post, Trump deve se reunir com Zelensky às margens da reunião, e os organizadores tentarão manter os dois distantes em público: na foto oficial após uma recepção em Haia, Trump e Zelensky estavam separados por algumas lideranças.

— Se nós olharmos a posição do Zelensky na reunião do G7, na reunião da Otan, ele é uma figura não só secundária, é uma figura terciária. Ele não consegue mais negociar com os países europeus e ele não consegue negociar mais com os Estados Unidos — disse Leite. — Trump, neste caso, se focar na guerra da Ucrânia, será no sentido de forçar o Zelenski a uma solução negociada. Uma solução que seria o Zelenski aceitar que não tem como derrotar a Rússia e que provavelmente perderá territórios.

A trégua entre Irã e Israel também serviu para que o americano chegasse de bom humor a Haia.

“Indo para a Otan, onde, na pior das hipóteses, será um período muito mais calmo do que o que acabei de passar com Israel e o Irã. Estou ansioso para rever todos os meus bons amigos europeus e outros. Espero que muito seja alcançado!”, escreveu Trump no Truth Social.

Bombeiros trabalham no combate a incêndio após ataque russo à cidade ucraniana de Dnipro — Foto: Serviço de Emergência da Ucrânia / AFP
Bombeiros trabalham no combate a incêndio após ataque russo à cidade ucraniana de Dnipro — Foto: Serviço de Emergência da Ucrânia / AFP

Enquanto o líder americano voava para Haia em seu “período muito mais calmo”, a Rússia prosseguia com sua ofensiva de grande porte na Ucrânia, que não teve pausa em meio às trocas de mísseis e drones entre Israel e Irã. Além do bombardeio em Dnipro, foram realizados novos ataques aéreos contra Kiev, deixando ao menos dez mortos, e registrados avanços russos por terra nas regiões de Donetsk, Luhansk, Sumy e Kharkiv. Na semana passada, Putin havia deixado claro que está mais confortável do que nunca em sua guerra.

— Já disse muitas vezes que considero os povos russo e ucraniano uma só nação. Nesse sentido, toda a Ucrânia é nossa — disse, durante o Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo. — Há uma regra antiga: “Onde um soldado russo põe os pés, é nosso”.

Guerra Irã x Israel deu a Trump a oportunidade perfeita para ‘lavar as mãos’ sobre o conflito na Ucrânia