Com um histórico de lendas que envolvem Chica da Silva, ex-escravizada que viveu na segunda metade do século XVIII e ganhou fama por seu empoderamento, a Igreja de Nossa Senhora do Carmo, no Centro Histórico de Diamantina (MG), será restaurada. Construído entre 1760 e 1784, o imóvel é considerado uma das joias do barroco mineiro e foi erguido pelo marido de Chica, o contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira, um dos homens mais ricos da Corte à época. As obras consumirão R$ 8 milhões, com previsão de término em dois anos.
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Entre as curiosidades que fizeram da Igreja de Nossa Senhora do Carmo uma das mais procuradas por visitantes, está a localização de sua torre nos fundos da construção, o que não era comum na época. A posição está ligada a duas histórias populares que remontam à vida de Chica da Silva.
Como só era permitida a permanência de negros nas igrejas até a altura das torres, João Fernandes determinou que a estrutura fosse deslocada para os fundos. Assim, Chica da Silva conseguiria acessar o interior do prédio e assistir às missas. A torre na frente, ao lado da porta de entrada do prédio, serviria como uma barreira para evitar a entrada de negros no local.
Outra lenda que justifica a posição da torre diz respeito a um suposto pedido feito por Chica da Silva ao marido. Como o casarão em que moravam ficava próximo à fachada da igreja, o som dos sinos atrapalharia o sono de Chica. Com a torre nos fundos, porém, o barulho ficaria longe.
— São lendas contadas que resistiram ao tempo e mexem com a curiosidade de quem visita Diamantina. A obra resgatará um dos bens mais importantes para o município, para população e para a irmandade — afirma o secretário municipal de Cultura e Patrimônio, Albéris Mafra, ao ressaltar outras preciosidades da igreja. — Em seu interior há o primeiro órgão instalado numa igreja construída na América Latina, com 549 tubos. Outro destaque é seu altar folheado a ouro.
A obra de restauração é uma parceria entre o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e o município de Diamantina e será financiada pelo Novo PAC. O trabalho está em fase de preparação do edital de licitação, etapa que será concluída em 60 dias. De acordo com Mafra, o projeto aprovado pelo Novo PAC vai contemplar não só a estrutura do prédio, mas também seu interior, rico em pinturas no teto.
A vida de Chica da Silva se popularizou por meio do cinema, com a entrada em cartaz de “Xica da Silva”, em 1976, filme dirigido por Carlos Diegues. Na obra, Zezé Motta deu vida à mineira que, segundo o filme, escandalizou o Arraial do Tejuco, atual Diamantina. Vinte anos depois, a personagem foi interpretada pela atriz Taís Araújo em uma novela da extinta TV Manchete.
Alforriada por seu dono, João Fernandes, Chica foi retratada em livros como uma mulher sedutora, que ganhou destaque na sociedade ao manter uma rotina de luxo. Hoje, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) dedicam-se ao resgate de sua história. Estudos apontam que Chica, por ser negra, ex-escravizada e mulher, sofreu preconceito e misoginia por escritores que contaram sua vida.
No início deste ano, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais anunciou a restauração do testamento de Chica, que teve 13 filhos com o contratador, numa união de 15 anos. O documento mostra uma Chica diferente das lendas, religiosa e preocupada com os herdeiros.