Aos 6 anos, Isaac Ludgero já sabe exatamente o que quer: jogar na seleção brasileira. Ala-direita do sub-7 do Madureira Esporte Clube, ele vive a rotina puxada de treino, escola e natação, e ainda sobra energia para aprender bateria. Mas é na quadra, de chuteiras nos pés e olhos brilhando, que ele se sente inteiro.

— Fico muito feliz quando entro em quadra. O futsal me ensinou a ter foco e disciplina — diz o menino, que começou a jogar no clube há pouco mais de um ano. — Fiz dois gols no meu primeiro treino. Nunca vou esquecer.

Enquanto a Copa do Mundo de Clubes coloca o futebol carioca sob os holofotes internacionais, é em clubes como o Madureira, Marã (Marechal Hermes), Cascadura e Piedade Tênis Clube que as primeiras jogadas de muitos futuros craques acontecem. São quadras que abrigam sonhos, mas também acolhem realidades duras e transformam vidas através do esporte.

Com mais de 90 anos de história, o Madureira aposta na formação de jovens do sub-6 ao sub-20. O clube já revelou vários atletas que chegaram ao profissional — Foto: Divulgação/Breno Mattos

Com estruturas modestas, apoio limitado e ginásios muitas vezes mantidos por rifas, doações e contribuições das famílias, esses clubes resistem como podem. Em comum, compartilham a mesma missão: formar atletas, sim, mas principalmente cidadãos.

No Madureira, que atende jovens dos 6 aos 20 anos, Jorge Boronga, com mais de 30 anos de atuação no clube, defende que o futsal é também uma escola de valores.

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— Trabalhamos socialização, respeito, raciocínio rápido, trabalho em equipe. Formamos jogadores, mas, acima de tudo, pessoas melhores — afirma.

Após quase uma década parado, em 2025, o Cascadura voltou a movimentar a quadra do bairro — Foto: Divulgação/Sara Rezende
Após quase uma década parado, em 2025, o Cascadura voltou a movimentar a quadra do bairro — Foto: Divulgação/Sara Rezende

Com tradição também no futebol de campo e mais de 90 anos de história, o tricolor suburbano acumula nomes de peso entre seus ex-atletas, como Evaristo Macedo, Nelinho Rosa, Jair da Rosa Pinto, Nair, Didi, Léo Lima, Iranildo, Souza e André Lima.

Boronga, porém, destaca que sustentar essa tradição não é simples:

— Temos muitos desafios. O clube é mantido com mensalidades populares e esforço coletivo. Já tivemos apoio, mas hoje seguimos sem patrocinadores.

O Piedade aposta no futsal como ferramenta de formação — Foto: Divulgação
O Piedade aposta no futsal como ferramenta de formação — Foto: Divulgação

No bairro de Marechal Hermes, o Marã é uma referência há mais de seis décadas quando o assunto é futsal de base. À frente do projeto, o coordenador José Cesarino, conhecido como Zezinho Borboleta, afirma que o trabalho vai muito além de formar atletas.

— Aqui todo jovem tem espaço. O futsal desenvolve agilidade e a inteligência e abre portas. Mas o mais importante é formar cidadãos conscientes — destaca.

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O clube já ajudou a revelar nomes como Matheus Gonçalves (Flamengo) e Guga (Fluminense). Zezinho relembra a trajetória de Matheus como exemplo de superação:

— Ele veio de família humilde e hoje é um jogador consagrado. Começou no Marã aos 8 anos, passou para o futebol de campo aos 13 no Flamengo e chegou ao profissional — conta.

O Marã foi o ponto de partida de jogadores como Matheus Gonçalves, hoje no Flamengo — Foto: Divulgação
O Marã foi o ponto de partida de jogadores como Matheus Gonçalves, hoje no Flamengo — Foto: Divulgação

Segundo ele, a procura pelo futsal tem crescido nas categorias de base, e isso se reflete na idade dos novos alunos.

— Antes, as crianças começavam aos 9 anos. Hoje, iniciam aos 3. Muitos clubes de futebol de campo buscam seus atletas no futsal — explica.

Os treinos ocorrem duas vezes por semana e atendem crianças do sub-6 ao sub-13. Apesar da estrutura modesta, o clube se mantém graças ao esforço coletivo.

— A estrutura é simples, mas o trabalho é sério. Contamos com o apoio das famílias e, quando necessário, fazemos rifas para cobrir as despesas — completa.

Depois de quase uma década sem atividades, o Cascadura Tênis Clube retomou os trabalhos com as categorias de base em 2025. A reabertura foi fruto do esforço coletivo de moradores, familiares e apaixonados pelo esporte, determinados a oferecer novas oportunidades às crianças da região.

— Estamos reformando o ginásio com apoio dos pais. É difícil, mas a vontade é maior que os obstáculos — explica o coordenador Diego Jaqueira.

A história do clube é marcada por nomes que ultrapassaram os limites da quadra. Por lá passaram jogadores como Gerson e Pedro, hoje no Flamengo, e Igor Rabelo, atualmente no Atlético-MG.

— A chegada do Gerson e do Pedro à seleção brasileira representa, sem dúvidas, uma grande conquista para nós — afirma Jaqueira.

Atualmente, o clube atende crianças de 5 a 14 anos com treinos entre terça e sexta-feira, além de participação em campeonatos da Federação de Futsal do Estado do Rio de Janeiro. Para Jaqueira, o impacto do futsal vai além do desempenho em quadra:

— O principal objetivo é formar bons cidadãos. O esporte é ferramenta de transformação, e o CTC é uma bandeira do bairro.

Com o apoio de um parceiro privado e a colaboração ativa das famílias, o Piedade Tênis Clube segue firme no trabalho com o futsal de base. Para o diretor Decco Pinheiro, mais do que uma rota para o sucesso no esporte, a modalidade é uma ferramenta poderosa de inclusão social.

— Nosso bairro carece de políticas públicas. Aqui no clube, promovemos o esporte como ponte para um futuro melhor. Revelamos talentos, sim, mas queremos formar seres humanos íntegros — afirma.

O Piedade já revelou nomes expressivos como Wellington Silva, com passagens por Fluminense, Internacional-RS e Arsenal (Inglaterra), e o volante Vinícius Vianna, que hoje atua no futebol europeu. Entre os destaques mais recentes está o goleiro PH, ex-Flamengo e destaque no torneio de Dubai, atualmente defendendo o Botafogo na categoria sub-14.

Decco Pinheiro destaca que, mais do que os títulos ou nomes de peso, é o envolvimento da comunidade que torna o trabalho do clube tão especial.

— Temos muitas histórias de atletas consagrados e outros em processo de consagração. Mas o mais importante é que nossos jogos viram eventos no bairro — afirma o diretor. — A torcida comparece em peso, e os atletas sentem o apoio de perto. O esporte cria vínculo, comunidade e autoestima.

Para Isaac Ludgero, o futsal já faz parte da vida. E não só dele: o irmão também joga em outra equipe da Zona Norte, e a família se desdobra para acompanhar os dois, presencialmente ou nas transmissões ao vivo.

— Meus treinadores são legais e me incentivam muito. Aprendo jogadas e faço amigos. A gente combina as comemorações dos gols e fala até dos jogos na escola — conta.

O pequeno atleta concilia escola, funcional, futsal, campo e até natação. Tudo com um sorriso no rosto.

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— Minha mãe fala que tenho que estudar para poder jogar bola. Ainda bem que eu gosto das duas coisas — brinca Isaac.

Enquanto os grandes clubes disputam a Copa do Mundo de Clubes e atraem os holofotes, quem atua na base reforça a importância de olhar para o início do caminho. Afinal, sem investimento na formação, o futebol brasileiro perde seu ponto de partida.

— Todo grande evento ajuda a valorizar o esporte, mas a base precisa de apoio real. Hoje, manter o futsal custa caro. É preciso investimento público e privado, com estrutura adequada, quadras de qualidade e profissionais capacitados. Só assim seguiremos revelando atletas que possam, no futuro, defender a seleção — afirma Decco Pinheiro, diretor do Piedade Tênis Clube.

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