Na abertura da cúpula do Brics, no Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticou a elevação de gastos militares no planeta, em uma menção direta à recente decisão da Otan, a principal aliança militar do Ocidente, de estabelecer um patamar de 5% do PIB para despesas com Defesa, e fez uma defesa do multilateralismo no cenário atual . A reunião, que não conta com a presença dos líderes da China, Xi Jinping, e da Rússia, Vladimir Putin, tenta encontrar posições em comum em momento complexo no cenário internacional.

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Em seu discurso, no Museu de Arte Moderna, Lula disse que o mundo se depara com um “com número inédito de conflitos desde a Segunda Guerra Mundial”, e criticou a resposta de boa parte dos países a este cenário, como o estímulo aos gastos com Defesa.

— A recente decisão da Otan alienta a corrida armamentista. É mais fácil alocar 5% do PIB em gastos militares do que para ações sociais e ambientais. É sempre mais fácil investir na guerra do que investir na paz — afirmou Lula, se referindo à decisão da aliança de elevar o patamar recomendado de gastos, uma medida defendida pelos EUA do presidente Donald Trump. — Isso evidencia que os recursos para implementar a Agenda 2030 existem, mas não estão disponíveis por falta de prioridade política.

Lula criticou “as violações à integridade territorial do Irã”, se referindo aos ataques americanos contra instalações nucleares iranianas, no mês passado, e disse que “a instrumentalização dos trabalhos da Agência Internacional de Energia Atômica coloca em jogo a reputação de um órgão fundamental para a paz”, de certa forma repetindo um argumento de Teerã: lideranças iranianas questionam a isenção da agência, e suspenderam a cooperação com o órgão.

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Ao falar sobre o conflito em Gaza, o presidente reiterou a condenação do governo brasileiro aos ataques do Hamas, em outubro de 2023, contra Israel, mas disse que “não podemos permanecer indiferentes ao genocídio praticado por Israel em Gaza e a matança indiscriminada de civis inocentes e o uso da fome como arma de guerra”.

— A solução desse conflito só será possível com o fim da ocupação israelense e com o estabelecimento de um Estado palestino soberano, dentro das fronteiras de 1967 — afirmou Lula

O presidente ainda fez um apelo pelo aprofundamento do diálogo destinado a uma resolução pacífica da guerra na Ucrânia, e destacou a participação do Brasil no Grupo de Amigos para a Paz, criado em parceria com a China, mas que não encontra muito apelo entre os países ocidentais e em Kiev.

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Lula ainda defendeu de maneira veemente o multilateralismo, e apontou para o papel da ONU em um momento de múltiplas crises, como o atual.

— A ONU completou 80 anos no último dia 26 de junho e presenciamos o colapso sem paralelo do multilateralismo — disse o presidente.— Com o multilateralismo sob ataque, nossa autonomia está novamente em xeque.

Sobre o Brics, disse que “representatividade e diversidade o torna uma força capaz de promover a paz e de prevenir e mediar conflitos”. E sobre o Conselho de Segurança da ONU, afirmou ser necessário “torná-lo mais legítimo, representativo, eficaz e democrático” com sua expansão, antigo pleito do Brasil.

— É mais do que uma questão de justiça. É garantir a própria sobrevivência da ONU — afirmou. — Adiar esse processo torna o mundo mais instável e perigoso. Cada dia que passamos com uma estrutura internacional arcaica e excludente é um dia perdido para solucionar as graves crises que assolam a humanidade.

Reunião de líderes do Brics, no Rio de Janeiro — Foto: Mauro PIMENTEL / AFP

A reunião ocorre em um momento global crítico, e que envolve direta ou indiretamente os membros do Brics. A começar pela sequência de crises e conflitos armados no Oriente Médio. No mês passado, Israel e Irã — um membro do Brics — travaram um conflito aéreo, por 12 dias, que terminou após uma intervenção armada dos EUA e um tênue acordo de cessar-fogo, mediado por Donald Trump. Outra guerra, em Gaza, parece perto de uma trégua acertada entre israelenses e o grupo Hamas, mediada pelo Egito, que integra os Brics, Catar e Estados Unidos. Na segunda-feira, o presidente americano recebe o premier israelense, Benjamin Netanyahu, na Casa Branca, e tem sinalizado que espera anunciar um acordo para Gaza nos próximos dias.

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Durante as negociações preliminares, um impasse em torno da guerra Israel-Irã foi superado com o uso de uma linguagem menos beligerante, ao contrário do que buscavam os iranianos. No mês passado, o Brics divulgou uma nota conjunta condenando os ataques às instalações nucleares do Irã, mas a linguagem teria sido considerada branda demais por Teerã. Também não há disposição da maior parte dos países em expressar condenações públicas a Israel — além das negociações sobre a guerra em Gaza, a Arábia Saudita está em compasso de espera para a retomada das conversas sobre a eventual normalização de laços com os israelenses, suspensas após o conflito no enclave palestino, em outubro de 2023.

Outro ponto de embate é a expansão do Conselho de Segurança, pauta prioritária para Brasil e Índia, mas que enfrenta a resistência da África do Sul: os sul-africanos citam o chamado Consenso de Ezulwini, de 2005, que estabeleceu que o continente deve ter ao menos dois assentos permanentes e cinco não-permanentes no Conselho, definidos no âmbito da União Africana.

E há uma sombra não mencionada diretamente, mas presente durantes as negociações preliminares e na reunião de líderes: a de Donald Trump. Diante de uma Presidência agressiva do republicano, pautada por uma guerra tarifária travada contra o resto do mundo e a (nova) ameaça de intervenções militares, os países do Brics não parecem dispostos a comprar uma briga com a Casa Branca, pela percepção de que têm muito a perder.

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A proposta da moeda única, por exemplo, que já enfrentava questionamentos públicos de líderes como o indiano Narendra Modi, parece ter sido afastada publicamente: em janeiro, Trump ameaçou impor tarifas comerciais de 100% caso o bloco busque alternativas ao dólar no comércio internacional. O que não impede, por outro lado, que as nações busquem intensificar o comércio entre si usando moedas nacionais,

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