Após oito recordes nominais em setembro, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, encerrou os nove primeiros meses do ano com valorização acumulada de 21,58% em reais — mesmo com a taxa básica de juros, a Selic, em 15%, maior patamar desde 2006, o que torna a renda fixa mais atraente que a variável. É a maior valorização em nove meses desde os 22,3% de 2017.
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Tanto em setembro como no ano, o Ibovespa superou todas as aplicações, inclusive a renda fixa, favorita dos brasileiros (veja infográfico acima).
Em dólares, métrica importante para o investidor estrangeiro, o Ibovespa sobe 41,1%, graças ainda à desvalorização da moeda americana frente às principais divisas globais, no maior avanço para o período desde 2016. No ano, a moeda americana acumula queda de 14%. Ontem, o dólar encerrou estável, a R$ 5,32.
Para analistas, há três fatores por trás dos sucessivos recordes do Ibovespa. Um deles é a desvalorização do dólar e o ciclo de queda no juro americano — um corte no último dia 18 e previsão de mais dois, este mês e em dezembro.
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Os outros são a perspectiva de redução na Selic em 2026 e o que analistas chamam de múltiplos baratos: uma relação entre o preço da ação e o retorno de lucros que as empresas geralmente garantem ao investidor. Esta relação, dizem, está abaixo da média histórica, o que contribui para a atratividade dos papéis.
Frente a outras divisas fortes, o dólar já registra desvalorização de 10%. Com sinais de esfriamento do mercado de trabalho nos Estados Unidos, analistas estimam que o juro americano sofrerá ainda mais cortes — a mediana de previsões do próprio Federal Reserve (Fed, o banco central americano) aponta para mais duas reduções que, somadas, levarão a taxa para a faixa entre 3,5% e 3,75% —, e os recursos alocados nos títulos do Tesouro do país, considerados os mais seguros do mundo, começam a buscar aplicações que garantam retornos maiores.
Esse movimento, chamado de rotação das carteiras globais, é um dos fatores a impulsionar o Ibovespa.
Além disso, a perspectiva de uma menor expansão da economia americana e de certo limite de crescimento para as ações europeias, o capital global tende a voltar os olhos para os emergentes, avalia Eduardo Grübler, gestor da asset da Warren Investimentos:
— Saindo dos EUA, não tem muito lugar para ir a não ser emergentes. Já vimos valorização bacana na Europa, mas, em geral, para sair de um grande mercado que sempre dá retornos, o investidor diz: “vamos entrar em emergentes”.
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Ele lembra que a redução dos juros americanos ajuda a atrair investidores para o Brasil, ao ampliar o diferencial de juros entre os dois países:
— O maior diferencial de todos é a dinâmica de juros, completamente favorável para o investidor estrangeiro trazer o investimento para cá, em uma moeda que já vem ganhando força contra o dólar.
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Para Fernando Siqueira, estrategista-chefe de ações da Eleven Financial, o esgotamento da política econômica de Donald Trump vai alimentar o movimento de fuga dos ativos americanos:
— O mercado é uma novela, não uma foto. O dólar se valorizou muito nos últimos anos. Houve ápice na eleição do Trump, e este ano vimos esgotamento disso, com o mercado americano caro e o investidor mais cauteloso com política econômica dele.
A Bolsa brasileira não está aproveitando esse capital sozinha. Se aqui o avanço em dólares é de 41%, o principal índice mexicano sobe 27%, a Bolsa da África do Sul tem alta de 34%, e a da Indonésia, de 14%.
— Nosso mercado está depreciado há muito tempo. Faz quase dez anos — diz Grübler. — Para o Ibovespa em dólar chegar ao máximo, ele ainda precisa andar. E há bastante espaço para andar.
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Até 26 de setembro, o saldo de investimentos estrangeiros na B3 estava positivo em R$ 4,8 bilhões. No ano, supera R$ 26 bilhões, o maior volume desde 2022.
Já o saldo do investidor institucional local registra um déficit de R$ 40,5 bilhões. Estes, diz Grübler, são majoritariamente representados por fundos de pensões, que precisam focar em títulos públicos com taxas altas para evitar riscos atuariais.
Com relação à perspectiva de redução da Selic no ano que vem, analistas ressaltam que isso significará menor custo do crédito para as empresas, que poderão entregar resultados melhores.
— O juro alto é ruim, mas a ideia de que ele vai continuar subindo é pior. O BC avisando que vai parar de subir é positivo, o principal vento contrário sai da frente — diz Siqueira, da Eleven.
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Na visão das economistas Solange Srour e Débora Nogueira, da área de gestão de fortunas do suíço UBS no Brasil, a Selic pode terminar o ano que vem em 12%, o que representaria uma redução de três pontos percentuais.
E a questão fiscal? No fim de 2024, a desconfiança com o ritmo dos gastos públicos levou o dólar a encerrar o ano a R$ 6,17. Para Siqueira, agora o mercado já absorveu o problema fiscal e a dinâmica da trajetória crescente na relação entre dívida e PIB. Ele ainda não vê a perspectiva de uma mudança de governo a partir das eleições de 2026 como fator que contribua para a sequência de máximas.
Siqueira aponta ainda a expectativa de valorização das ações, considerando os chamados múltiplos:
— As empresas valem muito pouco na comparação com o lucro que elas geram. Em média, as empresas valem de dez a onze vezes o que elas geram. Recentemente chegamos a seis, sete, mais baixo do que o normal. Isso mostra que o valuation delas está barato na perspectiva histórica — afirma o analista, que no longo prazo vê tendência de retorno aos patamares da média histórica.
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A leitura de que a Selic vai recuar no ano que vem valoriza as empresas cíclicas, voltadas ao consumo doméstico. A Cogna Educação, por exemplo, acumula valorização de 209% no ano. A rede de vestuário C&A tem alta de 117%, e a construtora Cury, de 102,2%.
— São empresas com lucro não muito alto, margem baixa e mais endividadas. Com cenário melhor e expectativa de corte nos juros, elas têm mais a ganhar — diz Siqueira.