O presidente Luiz Inácio Lula da Silva enviou ontem ao Congresso Nacional uma reforma no Imposto de Renda para isentar aqueles que recebem até R$ 5 mil mensais. Trabalhadores com renda de até R$ 7 mil por mês também serão beneficiados, pagando menos tributos do que recolhem hoje. A proposta era uma promessa de campanha de Lula e, se aprovada, entrará em vigor em 2026, ano de eleições nas quais o presidente pode concorrer. O projeto prevê tributação mínima para alta renda, incluindo dividendos, que atualmente são isentos.
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A isenção total ou parcial da cobrança de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 7 mil e alíquotas adicionais sobre rendimentos acima de R$ 600 mil vão na direção correta de reduzir a desigualdade, mas devem ter efeito limitado sobre o consumo, dizem especialistas.
O impacto na popularidade do governo, hoje em queda, também é incerto, diante de questões que envolvem inflação de alimentos e cenário externo conturbado.
Marcelo Neri, diretor da FGV Social, especialista em pobreza e desigualdade, diz que os mais ricos no Brasil se acostumaram a pagar pouco IR e que “não por acaso a desigualdade é tão alta no Brasil”:
— A medida reduz a desigualdade, mas é uma operação (tributação no topo) bastante complexa para se aprovar no Congresso.
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Segundo o economista Guilherme Klein, professor da Universidade de Leeds, no Reino Unido, e pesquisador do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP, as mudanças teriam efeito maior se ficassem apenas no aumento da cobrança sobre os mais ricos. A redução de impostos atinge pessoas que estão no meio da pirâmide de renda — e a diferença delas para os mais pobres crescerá, aumentando a desigualdade.
Neri diz não ser muito otimista sobre o impacto no consumo dessa renúncia fiscal de R$ 27 bilhões:
—Não estamos falando dos mais pobres. Cada R$ 1 destinado ao Bolsa Família adiciona R$ 1,78 de PIB (Produto Interno Bruto). Já com FGTS, Previdência, o efeito de R$ 0,50. A medida está atuando na classe C, não são pobres, miseráveis. Não é na base da distribuição.
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Segundo Walter Maciel, CEO da gestora AZ Quest, a inflação de alimentos continuará a corroer a renda, mesmo com a isenção:
— O que ele vai ter de alívio de imposto vai piorar com comida.
Klein ressalta que o impulso fiscal só será sentido em 2026, quando a inflação deve estar mais controlada:
— Viemos de um aumento de preços que está arrefecendo aos poucos, e estamos com mercado de trabalho aquecido. Tudo isso contribui para que seja melhor que esse impulso venha em 2026.
E a arrecadação será menor do que o previsto em novembro de 2024, quando o governo primeiro apresentou a medida. Simulação do Made calculou em R$ 47 bilhões a arrecadação adicional com a cobrança sobre quem ganha acima de R$ 600 mil ao ano. Aparentemente, diz Klein, a diferença está no aumento gradual da alíquota mínima para quem ganha entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão:
— Se logo acima dos R$ 600 mil subisse de forma acelerada a alíquota mínima, a capacidade de arrecadação seria muito maior.
Para o pesquisador, o governo pode ter suavizado as mudanças para aumentar a chance de aprovação no Congresso.
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O cientista político Carlos Melo, professor do Insper, vê muita dificuldade para o trâmite, no Congresso, da cobrança dos mais ricos. E vê como incerto o efeito na popularidade:
—O momento é muito ruim para o Lula, a popularidade está aceleradamente declinante. A impopularidade está se dando por diversos motivos: um cansaço com o próprio PT, a inflação de alimentos e a incerteza no cenário internacional. É difícil afirmar que uma única medida seja capaz de reverter todo o resto.
Segundo o economista Sérgio Gobetti, assessor da Secretaria de Estado de Fazenda do Rio Grande do Sul, a exclusão de rendimentos em títulos isentos de IR e da poupança pode ter reduzido o potencial de arrecadação do aumento da cobrança sobre os mais ricos.
— Só os dividendos distribuídos para quem ganha acima de R$ 600 mil por ano somaram R$ 490 bilhões em 2022 — afirma Gobetti.
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Uma taxa de 10% sobre esse montante deveria arrecadar R$ 49 bilhões ao ano, ante os cerca de R$ 25 bilhões ao ano estimados pelo governo.
As mudanças no IR foram anunciadas inicialmente em novembro, quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi à televisão tratar do pacote de corte de gastos. Essa mistura de temas gerou forte reação negativa do mercado e fez o dólar passar de R$ 6. Agora, o projeto foi formalizado em um momento de baixa na popularidade do presidente e de busca por medidas para agradar a classe média.
Por isso, a isenção é a principal pauta da agenda legislativa do Palácio do Planalto este ano. Ontem, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), adiantou que a proposta terá prioridade na Casa.
De acordo com o governo, com as mudanças, 90% dos brasileiros que pagam IR (o correspondente a mais de 90 milhões de pessoas) estarão na faixa da isenção total ou parcial. Desse total, 10 milhões de contribuintes vão parar de pagar Imposto de Renda a partir de 2026.