Nas aulas de hot ioga, modalidade praticada em uma sala aquecida em até 40 graus, três vezes por semana, Fernanda Motta agradece e se declara ao próprio corpo. “Falo com ele sozinha. Digo ‘te amo tanto’, deito em posição fetal e faço carinho na minha perna. Ele é meu instrumento aqui na Terra”, explica a modelo e empresária fluminense, de 44 anos. O autocuidado ficou mais intenso após ter enfrentado um câncer de mama raro, em 2019. Hoje, diz com parcimônia que está curada. “A gente recebe uma alta técnica cinco anos depois do fim do tratamento. Mas para o meu tipo de câncer, um triplo-negativo, mais agressivo, o médico prefere falar em sete anos. Já estou quase lá”, continua ela, em entrevista de duas horas, em São Paulo, onde mora.
A caminhada foi longa. Reerguer-se exigiu, além de coragem, serenidade e resiliência. Em meio às 24 sessões de quimioterapia e à pandemia, em 2020, Fernanda foi atravessada pelo luto com a morte do pai, Luiz Paes Rangel, em decorrência da Covid. Sofreu à distância, porque a família mora em Campos dos Goytacazes, no interior do Rio, de onde saiu na adolescência rumo à capital paulista para ser modelo e trilhar carreira. “Foi difícil em todos os aspectos. Quando meu pai morreu, não teve aquele ritual de fechar o caixão. Então, senti muito mais depois que já havia terminado meu tratamento”, relembra.
Também protegeu o quanto pôde a filha, Chloe, de 11 anos, do relacionamento de mais de duas décadas com o empresário e restaurateur Roger Rodrigues, de 49, de toda e qualquer informação sobre a doença. Costuma dizer que não renasceu após o câncer, mas se reconheceu. Fernanda não se furta ao dar detalhes ou falar do assunto, desde então, em todo Outubro Rosa, mês marcado pela campanha de conscientização e prevenção do câncer de mama. Mas não define sua vida pela doença. “Hoje, Chloe entende e sabe muito por cima. Porque a doença não é a minha história. Fez parte da minha vida, mas não a carrego comigo.”
O DIAGNÓSTICO
“Descobri a doença no início, em julho de 2019, ao apalpar o seio esquerdo durante o banho e sentir um carocinho. Sempre fui atenta ao meu corpo. O câncer era do tipo triplo-negativo, mais agressivo e raro. Por isso, meu médico prefere falar (em cura) em sete anos. Hoje, não tomo nenhuma medicação, faço apenas exames periódicos a cada seis meses. Eu me exercito, pratico hot ioga e cuido da alimentação.”
RECONHECER-SE EM MEIO AO CAOS
“Um diagnóstico desse é surpreendente, dá um choque. Me perguntam muito: ‘O que mudou?’ Você renasceu?’. Não é uma questão de renascimento, é de conhecimento. Eu me reconheci. Dou mais valor para o que interessa de verdade: os momentos com a minha filha, as risadas com os amigos. Antigamente, frustrava-me muito mais. Aprendi a dizer ‘não’, porque meu foco é outro. A gente pensa no material, gosta tanto de trabalhar, e, no fim das contas, para que precisa de tudo isso? É mais sobre escolher como viver. E o que quero mesmo é ter saúde para ter paz.”
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MEU CORPO, MEU TEMPLO
“A ioga me trouxe força. É incrível o que meu corpo é capaz. Agradeço muito a ele. Falo sozinha várias vezes, é uma loucura. Digo ‘te amo tanto, que perninha bonitinha’. Minha professora diz, ao final de cada aula, para ficarmos em posição fetal e darmos carinho ao nosso corpo. É o meu instrumento na Terra.”
FÉ INABALÁVEL
“Sou católica, tenho muita fé, e acreditava o tempo todo que a cura era possível. Foi um baque, um sofrimento, mas não me lamentei. Não entendo como um castigo. Tive que viver fisicamente essa situação, sempre acreditei que havia um porquê. Talvez, para uma evolução espiritual.”
MORTE? NEM PENSAR
“Durante a quimioterapia, tive complicações e fiquei internada na UTI. A minha imunidade baixou, e meu organismo enfraqueceu, causando uma infecção generalizada. Tive muito medo, mas nunca pensei que poderia morrer. Minha mente criou uma proteção contra o medo. Sempre entendi o tratamento como um passo que precisava dar para ficar curada: havia um exército no meu corpo para eliminar a doença. Saí da UTI comendo coxinha e tomando Coca-Cola escondida (risos).”
PARA O ALTO E AVANTE
“Chloe soube (do câncer) quando viu a capa de uma revista. Mas como não vivo a doença e não falamos sobre esse assunto no dia a dia. Para ela, na época, foi como uma gripe. Quando fiquei internada, achou que eu estava viajando, porque está acostumada comigo fora de casa. Após a químio, eu passava mal, mas mesmo assim, levantava, saía, ia almoçar. Gravei a novela (“Bom Sucesso”, da Globo) de peruca, trabalhei. Hoje ela entende, me pergunta algumas coisas, mas sem nenhum peso.”
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VIDA É TERAPIA
“Tive acompanhamento psicológico durante todo o tratamento, mas não fiz nada além disso. Cuido das minhas emoções tendo fé. Leio muito para entender as coisas. Como uma boa geminiana, sou curiosa e gosto de me nutrir de informações por todos os lados. Minha grande terapia é minha filha, e minhas escolhas são por momentos felizes, sem viver um drama.”
ROTINA PÉ NO CHÃO
“Minha filha tem celular, mas não tem redes sociais. Brinco que não estou preparada para ser mãe de adolescente, porque, apesar de existir muita informação, o mundo está louco. Conversamos sobre tudo, mas tenho medo da violência, das drogas. Chloe tem muitos acessos, vê gente importante, e não só famosa, mas sua percepção da vida é muito humana. Apesar de sermos privilegiados, não há nada de glamour no nosso dia a dia.”
O AMOR EM 25 ANOS
“Eu e Roger somos muito parceiros, é uma bênção encontrar alguém na vida além de um companheiro. Temos gostos parecidos, mesmo sendo de signos opostos (ela, geminiana; ele, taurino). Ele, ainda por cima, é um pai dedicado, parceiro da Chloe. Somos sócios em 13 restaurantes aqui no Brasil, entre eles, o L’Avenue, de Paris (que abriu ano passado, em São Paulo). Cuido da parte de relacionamentos com os clientes, patrocinadores e donos das marcas. Gosto muito de gastronomia e é gratificante ver as pessoas se alimentando e sendo felizes.”
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NOVOS E VELHOS CAMINHOS
“Comecei a trabalhar em Nova York, onde morei por 13 anos, e dei mais certo na moda comercial do que na área fashion, de passarela. Não podemos ir contra a maré: fui para onde estavam as oportunidades. A partir disso, vieram outras coisas. Apresentei o ‘Brazil’s next top model’, de 2007 a 2009, participei do quadro ‘Dança dos famosos’, do ‘Domingão do Faustão’, em 2012, e fiz três novelas: ‘Totalmente demais’ (2015), uma participação em ‘O outro lado do paraíso’ (2018) e ‘Bom sucesso’ (2019).”
XÔ, ETARISMO
“A gente entende, com a maturidade, que o conceito de beleza vai além da aparência. É uma construção que vem com as experiências da vida e o autoconhecimento. Hoje, lido com a passagem do tempo com mais serenidade. Aprendi a valorizar outras formas de beleza: a leveza, a confiança e o prazer de estar bem comigo mesma. O tempo traz uma confiança que nenhuma juventude substitui, a de estar segura de quem se é. Tenho essa vontade maior de me sentir viva, curiosa e feliz.”
INFLUENCIADORES, MODA E O LUXO
“Todos nós, de certa forma, influenciamos as pessoas. A internet e os influenciadores viraram um braço para a moda, multiplicando o acesso de quem não acompanhava ou conhecia as modelos. Há lugar e mercado para todos.”