As diferenças entre os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e o argentino Javier Milei ficaram evidentes durante a cúpula semestral do Mercosul, realizada nesta quinta-feira em Buenos Aires, com discursos antagônicos sobre questões primordiais relacionadas ao bloco, formado por Argentina, Brasil, Paraguai, Uruguai e Bolívia (que está finalizando sua incorporação como membro pleno). Enquanto o tom do presidente brasileiro teve conotação mais integradora e conciliadora, o argentino afirmou que se a agenda prioritária de seu país não for compartilhada pelos demais sócios, Buenos Aires buscará alcançá-la “juntos ou sozinhos”.

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— A presidência brasileira representará uma oportunidade para refletir sobre o lugar que desejamos ocupar no novo tabuleiro global — disse Lula na abertura de seu discurso.

Lula elencou cinco prioridades para a presidência rotativa do Brasil no Mercosul, que durará seis meses: o fortalecimento comercial com parceiros externos; o enfrentamento à mudança climática e a promoção da transição energética; o desenvolvimento tecnológico; o combate ao crime organizado; e a promoção de direitos dos cidadãos sul-americanos. Na pauta econômica, o presidente brasileiro ainda destacou o objetivo de “fortalecer o comércio intrabloco com parceiros externos”.

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Milei, por outro lado, deixou bem claro que o principal interesse de seu governo no bloco é a abertura de novos mercados para as exportações argentinas. Pediu mais liberdade econômica dentro Mercosul e mais flexibilidade das regras internas do bloco (que não permitem acordos comerciais com outros países sem o consentimento de todos os parceiros), que não pode continuar sendo “uma cortina de ferro” para seus membros.

— Propusemos que, como bloco, nos movamos para um esquema comercial e regulatório muito mais livre, em vez da cortina de ferro à qual hoje estamos submetidos, no qual cada país possa gozar de maior autonomia para aproveitar suas vantagens comparativas e seu potencial exportador — afirmou Milei num discurso que leu, sem improvisações e com uma expressão séria.

Ele também frisou: caso a agenda prioritária da Argentina não seja compartilhada pelos demais sócios do bloco, “o faremos juntos ou sozinhos”.

— A Argentina não pode esperar, precisamos de mais liberdade de forma urgente. Deixamos para trás décadas de estagnação. Os sócios dos Mercosul devem decidir se querem ajudar no caminho que iniciamos — declarou.

Lula e Javier Milei durante cúpula do Mercosul em Buenos Aires — Foto: LUIS ROBAYO/AFP

Por sua vez, Lula classificou o Mercosul como um fator de estabilidade, destacando que os acordos comerciais e o desenvolvimento institucional dos últimos 30 anos foi benéfico internamente, além de ter aumentado o potencial da região de atrair parceiros.

— Quando o mundo se mostra instável e ameaçador, é natural buscar refúgio onde nos sentimos seguros. Para o Brasil, o Mercosul é esse lugar — afirmou. — Toda a América do Sul se tornou uma área de livre comércio baseada em regras claras e equilibradas. Estar no Mercosul nos protege.

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Sobre parceiros externos, Lula prometeu avançar as negociações com o Canadá e os Emirados Árabes Unidos e defendeu um olhar mais atento para a Ásia, que chamou de “centro dinâmico da economia mundial”. Também reiterou que o acordo com a União Europeia será concluído ainda em 2025. O argentino também celebrou o encerramento das negociações com a UE e com a Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), bloco econômico formado por Suíça, Noruega, Islândia e Liechtenstein, e defendeu o avanço das conversas com Israel, Emirados Árabes Unidos, El Salvador e Panamá.

Num momento conciliador de sua fala, Milei agradeceu o apoio dos demais países do bloco à demanda da Argentina pela soberania das Ilhas Malvinas, uma luta dos argentinos que todos os governos brasileiros sempre apoiaram.

Mas a maior parte de seu discurso foi dedicada a destacar que seu país quer um Mercosul aberto ao mundo, com total liberdade econômica, o que implicaria modificar muitas de suas regras originais. Nos seis meses de sua presidência pro tempore, a Argentina conseguiu vitórias nesse sentido, ampliando exceções da Tarifa Externa Comum (TEC, que taxa produtos de fora do bloco), e encerrando as negociações com a EFTA. Mas Milei quer mais, e disse esperar que o Brasil “dê continuidade ao que nós começamos”.

Milei ainda defendeu a proposta de seu país de criar uma agência de combate ao crime organizado no Mercosul para conter o avanço de grupos como o Comando Vermelho na região. O tema foi um dos únicos pontos de consenso total entre os dois presidentes, tendo também sido citado por Lula como ponto prioritário em seu discurso.

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Mais cedo, ambos tiraram uma foto lado a lado no Palácio San Martin, sede da chancelaria argentina. Os dois não trocaram muitas palavras, apenas um cumprimento formal.

Colaborou Renato Vasconcelos.

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