Um grande número de notas depositadas por pessoas envolvidas no esquema de lavagem de dinheiro do Comando Vermelho (CV) estavam “mofadas, úmidas e com cheiro de droga”, explica Jefferson Ferreira, delegado responsável pelo caso. As investigações da Polícia Civil do Rio sobre a movimentação financeira de R$ 6 bilhões em apenas um ano pela facção começaram após emissões de alerta de instituições financeiras, com agências concentradas nas zonas Sul e Oeste da cidade. Integrantes da facção chegavam a depositar valores entre R$ 150 mil a R$ 750 mil, em notas de R$ 5, R$ 10 e R$ 20, ao menos três vezes por semana.
— Diversas pessoas efetuavam depósitos de valores fracionados, em notas pequenas, muitas vezes mofadas, úmidas e com cheiro de droga. Esses depósitos cifras milionárias eram constantes, de duas a três vezes na semana — disse Ferreira.
Ele acrescenta que a polícia teve contato visual com as notas e que, em alguns depósitos, o estado do dinheiro foi relatado pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), que também registrou as mesmas condições.
Parte dessa movimentação tinha como intermediário o banco digital 4TBank, suspeito de ter sido desenvolvido, em 2020, pelo PCC, facção paulista. Segundo Ferreira, a “fintech” tinha como sócia uma jovem de 24 anos, cujo padrasto foi identificado como sócio oculto e era cunhado de um dos chefes dessa organização criminosa.
A Polícia Civil identificou que os depósitos eram feitos por pessoas ligadas a comunidades controladas pelo Comando Vermelho e, em alguns casos, tinham como destino a empresa Ônix Perfumaria, com sede em São Paulo. A empresa, no entanto, era de fachada: nunca funcionou no endereço registrado e tinha como sócia uma mulher cadastrada em programas de auxílio emergencial por condição de miserabilidade — um clássico exemplo de laranja.
— Identificamos, ao longo da investigação, que cerca de R$ 200 milhões foram depositados nessa empresa. Diante disso, passamos a monitorar e conseguimos apreender R$ 152 mil no momento em que estavam sendo depositados por um indivíduo, que confirmamos ter vínculo com o tráfico de drogas — afirmou o delegado.
Após passar pela empresa de fachada, o dinheiro ilegal era lavado em dezenas de outras empresas fictícias, de ramos diversos, como floriculturas, plataformas contábeis, empresas de publicidade e de transporte. Ao todo, 22 empresas são investigadas no inquérito. Segundo a polícia fluminense, esta é a maior operação já realizada contra o CV.
Os bairros da Zona Oeste por onde os valores eram depositados são Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes, Jacarepaguá, Vargem Grande e Vargem Pequena.
A Polícia Civil destaca que, assim como a Ônix Perfumaria, outras empresas também funcionavam como “naves-mãe” na estrutura criminosa, responsáveis por pulverizar os depósitos entre diversos empreendimentos fantasmas. Após essa distribuição, os valores convergiam para o 4TBank, uma fintech — empresa do setor financeiro digital — que operava como banco e intermediadora de pagamentos. A 4TBank centralizava os recursos e viabilizava movimentações de grande porte com aparência legal, embora não tivesse autorização do Banco Central para funcionar.
Segundo a polícia, parte dos recursos bilionários concentrados nesse banco digital era enviada para instituições financeiras localizadas em regiões de fronteira, em países reconhecidos como fornecedores de drogas ao Brasil — valores que seriam usados para a compra de entorpecentes e armamentos. A outra parte retornava como lucro para a facção, repassada a empresas de fachada estabelecidas no estado do Rio de Janeiro.
A movimentação financeira do 4TBank também foi relatada à polícia pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF), órgão responsável por fiscalizar operações suspeitas e combater a lavagem de dinheiro no Brasil.
Em sete meses, as investigações da Polícia Civil permitiram o bloqueio patrimonial dos envolvidos.
— Essa é a vocação da polícia judiciária, esse é o futuro. Uma investigação que colhe bastante provas de toda a movimentação e poderio financeiro dessas organizações criminosas. Esses recursos que viabilizam esse tipo de ação do Comando Vermelho, trazendo pânico. Com esse dinheiro que se compra armas, se corrompe — disse o secretário de Segurança, Victor Santos
De acordo com a Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios, a plataforma 4TBank foi criada em 2020 e segue ativa. No sistema, consta com o nome empresarial 4TPag Instituição de Pagamentos S.A. Apesar disso, a empresa não aparece na lista de instituições autorizadas, reguladas ou supervisionadas pelo Banco Central.
Em meio a segunda fase da operação, agentes ainda cumprem 46 mandados de busca e apreensão tanto na capital fluminense quanto em municípios do Estado de São Paulo. Até o momento, duas pessoas foram detidas. Um homem foragido da Justiça foi preso em Franca, no interior de São Paulo, enquanto uma mulher foi presa em flagrante com uma celular roubado, na comunidade do Fallet, na região central do Rio.
No Rio, os mandados são cumpridos nas zonas Oeste, Norte e Sul da capital, além de municípios do interior do estado. Entre os endereços estão os complexos da Maré e do Fallet-Fogueteiro.
Em São Paulo, a polícia faz buscas na capital, Região Metropolitana e nos municípios de Franca, Praia Grande e Santos.
A ação da quinta-feira foi conduzida pela Delegacia de Roubos e Furtos (DRF), com apoio da Coordenadoria de Recursos Especiais (CORE), do Departamento-Geral de Polícia Especializada (DGPE), do Departamento-Geral de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (DGCOR-LD), além da Polícia Civil de São Paulo.
Conforme a Polícia Civil, a atuação conjunta das duas facções no esquema de lavagem de dinheiro configura uma “aliança estratégica e logística”. A parceria tem como objetivo principal viabilizar a aquisição de drogas, armas e munições, a partir do dinheiro lavado.
— Não há uma disputa territorial envolvida. O PCC, por exemplo, não pretende entrar ou atuar em comunidades do Rio. A aliança é puramente estratégica e logística, voltada para a compra de armas, drogas e munições — explicou o secretário de Polícia Civil do Rio, Felipe Curi.
Sobre a origem dos R$ 6 bilhões bloqueados até agora, o delegado Jefferson Ferreira afirmou que ainda não é possível definir quanto desse montante pertence a cada facção. Segundo ele, a apuração depende do levantamento de dados fiscais e bancários, que estão sendo solicitados judicialmente para aprofundar as investigações.
O montante representa o maior pedido de bloqueio patrimonial da história da corporação que diz, ainda, que essa é a maior ação já realizada contra a facção criminosa. Agentes cumprem 46 mandados de busca e apreensão tanto na capital fluminense quanto em municípios do Estado de São Paulo.