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A palavra que define a sua obra é adaptação. E uma de suas fundamentais características é o reconhecimento do poder da natureza e da insignificância do homem ao confrontá-la.
Sua brilhante ideia foi tão simples quanto não tentar conter a incontrolável potência hídrica, mas apenas regê-la, renaturalizando áreas urbanizadas, verdejando centros densamente povoados, definido cidades resilientes.
As metrópoles chinesas, que sempre foram marcadas pelo manejo populacional, hoje, por causa do trabalho de Kongjian Yu, são conhecidas pelo manuseio dos fluxos hídricos. O que não é uma ideia nova, muito pelo contrário. A importância geopolítica da água definiu a história da urbanidade desde os primeiros assentamentos na Mesopotâmia. O engenhoso domínio de seus cursos definiu os impérios do Oriente e seus grandes centros urbanos, mais precisamente no Delta do Ganges e na própria China, ambas as regiões irrigadas pelas monções e pelo degelo do Himalaia. O domínio das águas favoreceu o desenvolvimento do império Khmer, que reinou no Sudeste Asiático por 500 anos. A necessidade de controlar a origem dos seus principais rios, que nascem no Planalto Tibetano, foi uma das principais razões para a anexação do Tibete pela mesma China, então de Mao Tsé-Tung.
São milênios de conhecimentos adquiridos, reinterpretados e aplicados, em tempos recentes, em benefício da melhor cidade.
Os parques criados por Kongjian Yu, e incentivados por Xi Jinping a partir de 2013, nos lembram que a água é a nossa principal riqueza disponível. Geradora de energia renovável, meio de transporte limpo e eficiente, mantenedora da vida. Seus projetos nos indicam que é preciso reflorestar e desocupar as margens dos rios, desadensar as encostas e permeabilizar o solo urbano. Suas estruturas captam, armazenam e dão uso ao excedente das grandes tempestades, defendendo suas regiões de enchentes e dos efeitos catastróficos dos extremos climáticos.
Kongjian Yu: Imprensa internacional repercute morte de arquiteto chinês em queda de avião em Aquidauana (MS)
O grande mérito de Kongjian Yu foi retirar a venda e os antolhos da urbanidade para o óbvio: a natureza é soberana. Existia muito antes e vai sobreviver à Humanidade. A arquitetura, e o mercado que a comanda, devem ser reverentes, respeitosos e simplesmente… não atrapalhar. Essa revisão holística e tardia da forma com que nos propusemos a construir desde a Revolução Industrial exige, ou pelo menos indica, que produzamos novos edifícios que se mimetizem ao ambiente natural. Que deixem fluir a vista, os ventos, os fluxos. Edifícios que sejam abraçados pela Natureza e que sejam aceitos por ela. Arquitetura e paisagismo nunca deveriam andar dissociados. Por onde andar o homem, a arquitetura será parte integrante e definidora da paisagem.
Sua obra é um manifesto de desespetacularização da arquitetura oriental, efeito positivo de um mundo pós-pandêmico, evidenciado pela escolha do burkinense Francis Kéré para receber o Pritzker Prize, considerado o Nobel da arquitetura, em 2022. Yu, assim como Kéré, nos lembra que a boa arquitetura dispensa o rótulo “sustentável”. Ela apenas é. A boa arquitetura deve ser uma ponte entre o futuro e o passado. Deve transpor para novos sítios os conhecimentos empíricos adquiridos em séculos ou até mesmo milênios pela experiência de habitar e conviver. Kongjian Yu nos mostrou, em sua encurtada trajetória, que a boa arquitetura aliada a novas práticas ambientais podem ser o passaporte para um futuro saudável, sustentável e principalmente possível.
Miguel Pinto Guimarães é arquiteto e urbanista