A primeira recomendação do streaming aos jornalistas para as entrevistas com o diretor e o elenco de “Chefes de Estado”, disponível a partir de quarta (2) no Prime Video, é a de que deveriam evitar perguntas políticas. Nem precisava. A relevância da comédia de ação protagonizada por Idris Elba e John Cena, parceiros anteriormente em “O esquadrão suicida”, do universo DC Comics, se dá com a triste certeza de que estaríamos menos encrencados se os imperfeitos personagens centrais — o primeiro-ministro Sam Clarke, papel de Elba, e, especialmente, o presidente recém-eleito Will Derringer, encarnado por Cena — comandassem também na vida real o Reino Unido e os Estados Unidos.

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Na história dirigida pelo russo Ilya Naishuller, qualquer semelhança com a realidade não parece ser mera coincidência: Derringer é um ex-ator de ação catapultado para a Casa Branca ao surfar uma onda populista. Clarke é o político experiente às voltas com uma profunda crise de popularidade que vê no “novo líder do mundo livre” uma piada de péssimo gosto, mas, ao mesmo tempo, fundamental para garantir a segurança europeia. Às vésperas de uma decisiva reunião da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), um poderoso contrabandista de armas russo consegue, com ajuda interna, desbancar os serviços secretos de EUA e Reino Unido e, para choque global, eliminar os dois líderes justo quando tentavam resolver suas diferenças no Air Force One. Só que não. Os dois sobrevivem de forma heroica e atrapalhada. E se unem para impedir (inclusive enfrentando na mão os bandidos, agora com armas de verdade e não as dos blockbusters de Derringer) a implosão do mundo tal qual o conhecemos.

— Não tínhamos nenhum político em mente quando pensamos nos dois personagens. Honestamente, não busquei inspiração em nenhum líder específico. Estava tudo no roteiro. Entendo bem o trabalho de um primeiro-ministro e o restante veio da minha química com John (Cena) e da construção do personagem a partir das situações que ele enfrenta. Não existe na vida real nenhum primeiro-ministro como o Sam, e por isso evitei comparações diretas — afirmou Elba ao GLOBO.

Cena vai pelo mesmo caminho, mas entrega um perfil de político vaidoso e autocentrado, com paralelos fáceis na política contemporânea, e não apenas nos Estados Unidos.

— O mais difícil, em qualquer filme, é entender por que cargas d’água aquele sujeito é interessante o suficiente para eu prestar atenção nele. E presidente dos EUA é um título que já garante, por si só, a importância daquele personagem naquela dimensão. Depois você percebe que Will é otimista, acredita muito nele, mas também teimoso e ignorante. Juro que não precisei ir atrás do plantel de líderes americanos para encontrá-lo — despista o ator.

Fã ardoroso de “Cidade de Deus”— “Fernando Meirelles é um Deus, para mim ele conseguiu dirigir um raro exemplo de filme perfeito”, afirma —, Naishuller chamou a atenção de Elba e Cena, que também assinam a produção executiva do filme, por seu título anterior, o elogiado “Anônimo” (2023). O thriller foi um veículo para Bob Oldenkirk, vencedor do Emmy pelo Saul do universo “Breaking bad”, provar que também poderia ser um herói de ação, para além da comédia e dos sitcoms. Provou.

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“Chefes de Estado” acrescenta à receita do longa anterior tiradas cômicas e até romance, tarefa a cargo da bela agente do MI-6 britânico Noel Bissett (vivida pela atriz indiana-americana Priyanka Chopra Jonas). Ela ajudará a revelar um lado desconhecido, e bem menos burocrático, do estadista inglês. Casada com Nick Jonas, do grupo pop Jonas Brothers, a atriz impressiona já na abertura do longa, uma sequência passada no Festival Tomatino, realizado numa aldeia no Sudeste da Espanha, em que tomate e sangue se confundem em um mar vermelho. Cena que assusta e faz rir em doses similares e anuncia o tom do longa.

— O filme será lançado nos EUA no fim de semana do 4 de Julho, que marca o começo do verão aqui, quando as pessoas querem ver algo divertido. O mundo hoje é um lugar mais maluco do que nunca e queremos provar que a política pode até ser divertida, pelo menos nos filmes, já que vida real está complicado, né? — diz a atriz.

Priyanka Chopra Jonas, que vive agente do MI-6 britânico no longa “Chefes de Estado” — Foto: Divulgação/Bruno Calvo/Prime

É. Sobre a insanidade ao nosso redor, no entanto, Naishuller pergunta, já respondendo: “Mas e quando é que o mundo não está de pernas para o ar?” O diretor afirma que ele também não mirou em nenhum político de carne e osso para construir os personagens e que se interessou pelo projeto por intuir ser capaz de fazer uma “boa comédia de ação”.

— Gênero que é peça rara no cinema hoje. Se há uma mensagem no filme, é a de eu querer que o público o visse sem a necessidade de eu apresentar um resumo do que defendemos em uma peça claramente de fantasia — afirma.

Em momento histórico marcado pelo governo de Donald Trump, interessado em exercitar seus músculos de forma truculenta no tabuleiro geopolítico global, “Chefes de Estado” se arrisca ao valorizar símbolos fáceis de patriotismo, especialmente nas cenas de ação, com abundância de armamentos e explosões. Que, dentro da já manjada estética de videogame, se mostram inicialmente mais efetivos para vencer os adversários do que a civilizada diplomacia. O filme, no entanto, acerta ao apostar que é mais fácil navegar na esfera do entretenimento por temas cabeçudos do que na da cobertura jornalística ou na das análises acadêmicas, entre eles o isolacionismo defendido pela direita americana e a necessidade do multilateralismo para se manter o planeta vivo durante a crise do clima.

No fim, a carta de intenções apolítica do estúdio da Amazon — cujo fundador, Jeff Bezos, se tornou um dos símbolos da aliança entre o trumpismo e as big tech nas eleições presidenciais americanas no ano passado — cai por terra ao ficarem nítidos os valores escancaradamente liberais de “Chefes de Estado”, únicos capazes, no filme, de unir não só o mundo ocidental como os dois mocinhos da ficção.

— Fiz um thriller com substância, não apenas tiros e explosões, além do superficial, mas o objetivo central é o de divertir, não servir de plataforma para discussões acaloradas. Propositadamente, não defendemos posição política específica. Há outros gêneros para isso. Divisão, polarização, há mais do que nunca hoje, e o que a gente quis foi mirar justamente no oposto — afirmou Naishuller.

Em participação especial, Jack Quaid (que usa o sobrenome do pai, seu Dennis, e é filho também de dona Meg Ryan) rouba a cena como um agente da CIA fanático por filmes de ação, especialmente os protagonizados por Dillinger. É ele quem aparece após os créditos, curtindo as férias e insinuando uma eventual sequência para “Chefes de Estado”.

Ao GLOBO, Elba (que foi cotado, mas se recusou a ser o primeiro 007 negro) avaliou ser “ótima” a ideia de incluir na possível franquia de “Chefes de Estado” até mesmo um presidente brasileiro, desde que seja um exímio capoeirista.

—E também um craque no futebol, pode anotar. E por que não? Mas aí minha condição seria filmar no Brasil, que conheço e adoro. Além do mais, “falo português”. Pelo menos, “obrigado!” — diz Elba.

Eduardo Graça viajou a convite do Prime Video

‘Objetivo é divertir, não servir para discussões acaloradas’