Foi depois que Bond, James Bond abandonou Léa Seydoux em uma estação de trem e distribuiu sopapos pelas ruelas de Matera que turistas de todo o mundo descobriram essa pequena cidade na Basilicata, a região no Sul da Itália conhecida como o peito do pé da bota. Em “007 — Sem tempo para morrer” (2021), Daniel Craig, em seu último filme como o agente secreto britânico, teve seu Aston Martin metralhado em uma alucinante sequência de ação, o que, cá entre nós, não diz nada sobre o lugar. Em Matera, não se pode entrar de carro.
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Avessa a sopapos e perseguições, a cidade é um daqueles lugares onde, perdoem o clichê, o tempo parece passar mais devagar e se acumular em camadas de História. É o território habitado há mais tempo na Itália, com presença humana ininterrupta há nove mil anos. É também um belo conto de superação, de um lugar que já foi chamado de “vergonha” e é hoje uma das apostas da Condé Nast Traveller para a Europa. Tudo isso, é claro, acompanhado de comida, vinho, um bocado de igrejas e a buona gente do Sul. Uma dica? Se puder, hospede-se na parte antiga da cidade, conhecida como Sassi, onde toda essa história está a passos de distância.
Mais ou menos como na ultraturística Capadócia, na Turquia, Matera tem cavernas esculpidas em suas colinas há milênios. Ao longo do tempo, essas escavações se tornaram casas, igrejas e toda uma estrutura urbana rudimentar. Até que, em 1945, o escritor Carlo Levi publicou “Cristo parou em Eboli”, sua memória dos dois anos de exílio (1935-1936) na Basilicata — pena imposta pelo fascismo de Benito Mussolini —, e revelou aos italianos que muitos de seus compatriotas ainda viviam nas cavernas, com famílias inteiras dividindo o mesmo espaço, até mesmo com animais, onde não havia luz natural, ventilação, água ou eletricidade.
Miserável, sem nenhuma condição sanitária e assolada por doenças como cólera e febre tifoide, Matera passou a ser chamada de “vergonha nacional”. Em 1952, uma lei ordenou a desocupação da cidade e transferiu todos os moradores, cerca de 15 mil pessoas, para um bairro recém-construído. A parte histórica, com cavernas e construções de calcário, ficou esquecida até que, em 1986, a Itália iniciou a recuperação da velha Matera. Com ajuda do governo, gerações que não tinham vivido os anos da vergonha transformaram cavernas em hotéis, restaurantes e bares. Em 1993, a Unesco declarou a cidade Patrimônio da Humanidade e, em 2019, ela foi eleita Capital Europeia da Cultura.
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Matera recebe 600 mil turistas por ano, todos com os tênis em dia para perambular pelos Sassi (literalmente “pedras”). São inúmeras ruelas, becos e escadas formando um labirinto onde o bom é se perder para, sem querer, deparar-se com uma igreja com afrescos do século VIII, um restaurante bem recomendado, ou um conjunto de cavernas transformado em ateliês.
Visitar Matera é visitar os Sassi. Eles são dois: o Sasso Barisano e o Sasso Caveoso, lado a lado. Uma boa ideia é começar pela Casa Noha (@faicasanoha), onde uma exposição multimídia conta a história da cidade, unindo arquitetura, arqueologia, história da arte e cinema. De lá saem passeios para descobrir os Sassi, o Parque Murgia e a antiga rede de cisternas da cidade.
O Parco della Murgia Materana (@enteparcomurgia) fica de frente para os Sassi, e por isso tem uma bela vista para a Matera histórica. Basta cruzar a ponte sobre o Rio Gravina para fazer caminhadas pela natureza, ver pinturas rupestres em cavernas habitadas desde o paleolítico, como a Grotta dei pipistrelli, e igrejas do início da Idade Média. O centro de visitantes localizado no antigo Monastério de Santa Lucia tem opções de itinerário pelo parque.
Na Casa Grotta di vico Solitario (@storica_casa_grotta_matera), uma caverna-museu mobiliada com móveis e ferramentas do período anterior à recuperação da cidade, pode-se ver como os antigos habitantes de Matera viviam.
Como toda cidade italiana, Matera tem sua catedral. O nome oficial do Duomo é Basilica Pontificia Cattedrale di Maria Santissima della Bruna e Sant’Eustachio, em homenagem aos dois padroeiros da cidade. Construída no século XIII, em estilo românico apuliano, preserva afrescos da época, além de arte dos séculos XV e XVI.
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São mais de cem igrejas na pequena Matera, construídas entre os séculos VIII e XIX, por isso vale a pena pesquisar quais visitar. Além do Duomo, boas dicas são a Igreja de São Pedro Caveoso, também chamada de Igreja de São Pedro e São Paulo, onde vale observar os afrescos na Capela do Santíssimo Sacramento e depositar uma moeda de um euro para acender a iluminação do teto da nave central; e a Igreja de Santa Maria De Idris, que está no Monterrone, um penhasco no meio do Sasso Caveoso, e é ligada por um túnel à cripta rochosa de San Giovanni in Monterrone onde há afrescos dos séculos XII a XVII.
É provável que, flanando pelos Sassi, você encontre um bar ou restaurante charmoso e decida parar ali para comer e fazer uma pausa no sobe e desce de Matera. Mas saiba que a cidade tem um único restaurante com estrela Michelin, o Vitantonio Lombardo Ristorante (@vitantoniolombardoristorante), do chef de mesmo nome, nascido em Lucânia, na Basilicata. Ou seja, um local. Há menu à la carte e menu-degustação com cinco, sete ou dez pratos, com preços entre 150 e 200 euros, sem vinhos. É preciso reservar on-line. Mais em conta e recomendadíssima, a Osteria Al Casale faz o que uma boa osteria deve fazer: serve comida e vinhos regionais em um ambiente simples e com preço justo.
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Já que o assunto é vinho, procure pelas uvas aglianico, primitivo e malvasia. O Aglianico del Vulture e Aglianico del Vulture Superiore são os únicos vinhos da região a receber as certificações DOC e DOCG, respectivamente.
A sorveteria I vizi degli Angeli, ou melhor, “laboratório de gelateria artesanal”, já foi eleita a melhor da Itália pelo Gambero Rosso e tem filas na porta no verão. Vale a pena provar sabores como caqui com rum e nibs de chocolate, asteroide (caramelo e cookies) e amêndoa amarga. É provar e entender por que o nome é “vizinhos dos anjos”.
Dois ou três dias são suficientes para flanar por Matera com tranquilidade. O mais recomendado é combinar a visita à cidade com um passeio pela Puglia, já que Bari fica a cerca de uma hora de carro e é onde está o aeroporto mais próximo. Pode-se chegar a Matera de carro, mas se o hotel escolhido for dentro dos Sassi, o veículo terá que ficar na parte nova da cidade. Muitos hotéis têm acordos com estacionamentos e se encarregam de levar e buscar seus hóspedes. Outra opção é o trem. A partir de Bari, a viagem leva cerca de uma hora e meia.
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Para se preparar para Matera, vale ler “Cristo parou em Eboli” e ver o filme homônimo (1979) dirigido por Francesco Rosi. Antes de James Bond chegar à cidade, os irmãos Taviani a usaram como cenário em “Allonsanfán” (1974), Rosi filmou “Três irmãos” (1981) e Giuseppe Tornatore, “O homem das estrelas” (1995). Tiveram cenas rodadas por lá “A Paixão de Cristo” (2004), de Mel Gibson, e “Mulher Maravilha” (2017), de Patty Jenkins.

