O primeiro-ministro do Nepal, KP Sharma Oli, renunciou ao cargo nesta terça-feira, pressionado pelos amplos protestos populares que se espalharam pelo país contra restrições impostas pelo governo às redes sociais e contra a corrupção no serviço público. A renúncia ocorre um dia após confrontos entre manifestantes e policiais terminarem com 19 mortos — e no mesmo dia que novos atos foram convocados, incluindo um que colocou fogo no Parlamento.
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“Renunciei ao cargo de primeiro-ministro com efeito a partir de hoje (…) com o objetivo de dar novos passos em direção a uma solução política e à resolução dos problemas”, afirmou o experiente premier de 73 anos, em carta dirigida ao presidente.
Em seu quarto mandato como primeiro-ministro, o líder do Partido Comunista enfrentava um cenário interno turbulento, com crescente descontentamento popular com a instabilidade política, corrupção e o baixo crescimento econômico — o índice de desemprego se aproxima de 10%, e o PIB per capita é de apenas 1.447 dólares, segundo dados do Banco Mundial. O fator decisivo, porém, foi a resposta colérica à queda de braço entre o governo e gigantes da tecnologia.
A crise começou a se formar na quinta-feira, quando o governo determinou o bloqueio de 26 redes sociais em seu território, incluindo Facebook, X, LinkedIn e YouTube, por não terem registro perante a administração federal. O tema já havia sido deliberado pela Suprema Corte do país em 2023, mas as empresas nunca fizeram o registro ou designaram representante local e encarregado de gerir possíveis litígios.
A proibição provocou revolta em setores sociais, sobretudo nos mais jovens — algo significativo em um país que tem 43% da população entre 15 e 43 anos. A partir de sexta-feira, vídeos contrapondo as dificuldades dos nepaleses comuns e a vida luxuosa dos filhos de políticos, ostentando bens de luxo, foram amplamente compartilhados no TikTok, uma das redes que não foi bloqueada. Na segunda, manifestantes tomaram as ruas de Katmandu e outras cidades.
O principal ato na capital foi duramente reprimido pela polícia. Relatos iniciais deram conta do uso de balas de borracha, gás lacrimogêneo, canhões de água e cassetetes contra os populares, quando eles tentaram entrar em uma área proibida perto do Parlamento. A Anistia Internacional, posteriormente, denunciou o uso de munição letal.
Dezenove pessoas morreram, segundo os dados oficiais do governo. Um porta-voz da polícia citou 400 feridos, entre civis e policiais.
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“Não se trata apenas de redes sociais — trata-se de confiança, corrupção e de uma geração que se recusa a ficar em silêncio”, escreveu o jornal Kathmandu Post. “A Geração Z cresceu com smartphones, tendências globais e promessas de um Nepal federal e próspero. Para eles, liberdade digital é liberdade pessoal. Cortar o acesso é como silenciar uma geração inteira”.
Diante da crise, o governo suspendeu a proibição de acesso às plataformas, que o ministro da Comunicação, Prithvi Subba Gurung, definiu como uma das “demandas da Geração Z”. Três ministros ofereceram suas renúncias antes do premier, o que não foi suficiente para conter os protestos — com cenas de violência sendo registradas nesta terça.
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Autoridades de segurança afirmaram que casas de políticos e prédios de governo foram alvo de vandalismo, incluindo a residência do primeiro-ministro. Manifestantes em coro — alguns armados com rifles de assalto, segundo um repórter da AFP no local — se reuniram em frente aos principais edifícios públicos. Um grupo ateou fogo no Parlamento do Nepal, que ficou coberto de nuvens de fumaça.
— Centenas invadiram a área do parlamento e incendiaram o prédio principal — disse Ekram Giri, porta-voz da Secretaria do Parlamento.
O aeroporto de Katmandu permanece aberto, mas alguns voos foram cancelados após a fumaça dos incêndios afetar a visibilidade, informou o porta-voz do aeroporto, Rinji Sherpa. (Com AFP)