“Vamos ensiná-los a escapar de um jacaré” para que suas chances aumentem “1%”, ironizou o presidente americano, Donald Trump, horas antes de visitar um centro de detenção erguido em uma área de pântanos na Flórida, no sudeste dos EUA. A construção da chamada “Alcatraz dos jacarés” tem gerado indignação entre os críticos da política migratória de Trump por considerá-la desumana e protestos de ambientalistas e indígenas por ficar perto de uma importante reserva nacional de ecossistema único e sensível, e que abriga territórios sagrados para tribos locais.
— As cobras são rápidas, mas os jacarés (…) — disse Trump. — Vamos ensiná-los a escapar de um jacaré, ok? Como fugir, se escaparem da prisão. Não corram em linha reta. Corram desse jeito. E sabem o que mais? Suas chances aumentam cerca de 1%.
A Flórida, estado governado pelo republicano conservador Ron DeSantis, anunciou, na semana passada, a construção da instalação em um aeroporto abandonado em uma área de manguezais e pântanos imponentes que formam os chamados Everglades.
A Casa Branca e as autoridades da Flórida a denominaram de “Alcatraz dos jacarés”, em alusão à antiga prisão instalada em uma ilha de San Francisco, que Trump diz querer reabrir. Segundo a Casa Branca, o centro de detenção tem capacidade para 5 mil leitos, enquanto as autoridades da Flórida falaram de 1 mil. Seu funcionamento custará, ao ano, aproximadamente US$ 450 milhões (R$ 2,45 bilhões).
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Dias antes da inauguração, grupos ambientalistas e indígenas entraram com uma ação judicial contra o Departamento de Segurança Interna dos EUA (DHS, na sigla em inglês), a agência de Imigração e Alfândega dos EUA (ICE, na sigla em inglês), autoridades da Flórida e o condado de Miami-Dade, pedindo a suspensão imediata da construção do centro de detenção.
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A ação, movida pelas organizações Earthjustice, Amigos dos Everglades (em tradução livre) e do Centro para a Diversidade Biológica (em tradução livre), alega que o projeto está sendo executado sem as avaliações exigidas pela Lei Nacional de Política Ambiental, o que coloca em risco um ecossistema extremamente sensível. No entanto, a decisão recente da Suprema Corte limitando os poderes dos tribunais inferiores pode impedir a implementação do processo.
Os ambientalistas argumentam que a movimentação e o confinamento de milhares de pessoas no local, além do tráfego gerado para levá-las até lá, podem comprometer décadas de esforços e bilhões de dólares investidos na preservação dos Everglades. Também apontam risco de contaminação de um aquífero que abastece a região com água potável.
Segundo a Associated Press (AP), Elise Bennett, advogada do Centro para a Diversidade Biológica, afirmou que a rapidez na construção do centro de detenção por parte do governo DeSantis é uma “prova contundente” de que, quando houver decisão judicial, já seja “tarde demais” para reverter o projeto.
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— Este ataque imprudente aos Everglades, a alma da Flórida, corre o risco de poluir águas sensíveis e transformar panteras-da-flórida, mais ameaçadas de extinção, em animais atropelados. Não faz sentido construir o que é essencialmente um novo empreendimento nos Everglades por qualquer motivo, mas este motivo é particularmente desprezível — disse Bennett.
Uma publicação da revista científica Eos mostrou que mais de 96% da área prevista para a instalação do centro de detenções é composta por zonas úmidas, vizinha à Reserva Nacional do Grande Cipreste (Big Cypress) — habitat não apenas da pantera-da-flórida, mas de uma variedade de outras espécies ameaçadas.
“Este projeto não é apenas cruel, como também ameaça o ecossistema dos Everglades, que os contribuintes estaduais e federais gastaram bilhões para proteger”, disse a diretora executiva da Amigos dos Everglades, Eve Samples, em um comunicado.
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Segundo a ONG, um novo estudo conduzido pela própria fundação revelou que os Everglades, além de abrigarem espécies como os jacarés citados por Trump, crocodilos e pítons birmanesas, são também fundamentais para a economia do sul da Flórida. De acordo com o relatório, o ecossistema gera cerca de US$ 31,5 bilhões por ano em valor para o mercado imobiliário, turismo e outros setores.
Os ambientalistas também notaram uma coincidência impressionante. Quando a Amigos dos Everglades foi fundada em 1969, sua missão era se opor à construção do que se pretendia ser o maior aeroporto do mundo, o local exato onde o centro de detenção está atualmente planejado. O grupo, fundado pela ambientalista Marjory Stoneman Douglas, conseguiu bloquear o aeroporto e preservar as terras ao redor, deixando apenas a pista concluída.
“Agora, a história está se repetindo, pois os Amigos mais uma vez precisam agir para impedir o desenvolvimento destrutivo no coração do ecossistema dos Everglades, no mesmo local”, escreveu a ONG.
Além do impacto ambiental, o projeto também levanta preocupações humanitárias. O plano prevê abrigar os imigrantes em barracas e trailers durante o verão da Flórida, em meio a uma temporada de furacões que promete ser intensa.
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Além disso, as tribos Miccosukee e Seminole se opõem fortemente à construção do centro de detenções, por se tratar de território ancestral sagrado que abriga também aldeias, locais de cerimônias e sepultamentos. O presidente da tribo Miccosukee, Talbert Cypress, declarou em suas redes sociais que o Grande Cipreste é a terra natal tradicional de seu povo e rejeitou a ideia de que a região se torne um “deserto desabitado”.
“A paisagem protege os povos Miccosukee e Seminole há gerações”, escreveu. “Nós vivemos aqui. Nossos ancestrais lutaram e morreram aqui. Eles estão enterrados aqui. O Grande Cipreste é parte de nós, e nós somos parte dele.”
Segundo a AP, há 15 aldeias tradicionais Miccosukee e Seminole restantes na região.
O governo Trump assegura que sua prioridade é deter migrantes com antecedentes criminais, mas na verdade muitos foram detidos sem acusações e, de todo modo, a atual administração considera como um “criminoso” qualquer um que tenha entrado sem visto no país.
— Há apenas uma estrada que leva até lá e é a única saída. É um voo de ida. É isolada e cercada por uma fauna perigosa e um terreno implacável — explicou, na segunda-feira, Karoline Leavitt, porta-voz da Casa Branca. — Quando se tem assassinos, estupradores e criminosos hediondos em uma instalação prisional cercada de jacarés, sim, acredito que é dissuasório para que tentem escapar.
Mesmo diante dos protestos, o governo da Flórida afirma que o centro de detenção não causará nenhum impacto ambiental. Em vídeo recente, o secretário de Justiça da Flórida, James Uthmeier, chamou a área de “pântano árido” e disse que ela oferece uma solução “eficiente e barata”, já que o isolamento natural dispensa grandes investimentos em segurança. Segundo ele, “não há para onde ir, nem onde se esconder”, há “apenas jacarés e pítons”.