Ao menos 16 pessoas morreram e 400 ficaram feridas durante as manifestações que tomaram as ruas do Quênia na quarta-feira, segundo um balanço da Anistia Internacional publicado nesta quinta. Os protestos — duramente reprimidos — marcaram o aniversário de um ano do movimento contra um controverso projeto de lei que previa um aumento nos impostos em meio à grave crise econômica enfrentada pelo país, deixando na ocasião pelo menos 60 mortos.
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Na capital Nairóbi, lojas foram saqueadas e bancos foram fechados. A polícia bloqueou algumas das principais vias da cidade e cercaram áreas de acesso ao Parlamento com arame farpado. No ano passado, a sede do Legislativo foi invadida por manifestantes, forçando a fuga de congressistas e o recuo do presidente William Ruto quanto ao plano tributário.
De acordo com o New York Times, forças de segurança reprimiram manifestantes com armas de fogo letais, além de balas de borracha, bombas de gás lacrimogêneo e canhões de água, enquanto a população agitavam bandeiras do Quênia e usavam apitos.
O governo do Quênia ordenou que todas as emissoras de televisão e rádio cessassem a cobertura ao vivo dos protestos, uma medida amplamente criticada por associações de mídia e grupos de direitos humanos. Pelo menos duas emissoras privadas disseram que as autoridades desligaram seus sinais. Também houve uma restrição ao aplicativo de mensagens Telegram, de acordo com o grupo de vigilância da internet NetBlocks.
Em um primeiro momento, as marchas desta quarta-feira seguiam pacificamente. Muitos manifestantes disseram que apenas queriam homenagear pessoas que foram mortas no ano passado, muitas delas segurando rosas e fotografias das vítimas e gritando palavras de ordem, como “Ruto deve sair!”
— Você nos vê com alguma arma? — disse Audrey Bartai, uma estudante de 18 anos, ao New York Times. — Não. Temos o direito de protestar.
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Para Meron Elias, analista da África Oriental do International Crisis Group, os manifestantes “não se sentem ouvidos e há uma sensação de que as coisas não mudaram realmente desde os protestos do ano passado”.
— Eles querem lembrar ao governo que este não é um problema que desaparecerá facilmente — disse Elias ao New York Times.
No entanto, não demorou muito para que o tumulto tivesse início. No distrito financeiro de Nairóbi, epicentro dos distúrbios, jornalistas da AFP viram shopping centers e milhares de lojas destruídas, muitas delas em chamas. Pelo menos dois bancos foram assaltados, enquanto lojas como supermercados e até pequenas lojas de eletrônicos e roupas foram reduzidas a cinzas ou saqueadas.
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Segundo os comerciantes, os saques começaram à tarde, depois que o governo ordenou que as emissoras de rádio e televisão parassem de transmitir imagens ao vivo dos protestos.
— Quando chegamos, encontramos todo o local incendiado — disse Raphael Omondi, 36, proprietário de uma gráfica, acrescentando que havia perdido máquinas no valor de US$ 150 mil (R$ 824,8).
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Em um discurso televisionado nesta quinta-feira, o ministro do Interior, Kipchumba Murkomen, classificou os protestos como “terrorismo disfarçado de dissidência”:
— Condenamos os anarquistas criminosos que, em nome de manifestações pacíficas, desencadearam uma onda de violência, saques, agressões sexuais e destruição contra nosso povo.
Na quarta-feira, uma coalizão de grupos de direitos humanos declarou que pelo menos 400 pessoas ficaram feridas, 83 das quais foram hospitalizadas em estado grave. O grupo de defesa dos direitos humanos Vocal Africa, que viu quatro corpos, disse que “todos apresentavam sinais de tiros”.
— Condenamos esse uso excessivo da força — declarou seu diretor, Husein Jalid.
Inicialmente, o diretor da Anistia Internacional no Quênia, Irungu Houghton, afirmou que o número de mortos estava em 8, mas ele subiu para 16.
— Muitos de nós estamos sendo mortos sem motivo — disse Don Cliff Ochieng, um segurança de 24 anos em Nairóbi, ao New York Times, afirmando que estava protestando por causa da falta de oportunidades econômicas e da brutalidade policial. — É nosso direito protestar.
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Na sociedade queniana, existe um profundo mal-estar em relação ao presidente Ruto, que chegou ao poder em 2022 com a promessa de impulsionar um rápido progresso econômico neste país da África Oriental.
No entanto, a economia continua estagnada e muitos estão cansados da corrupção e da política fiscal, mesmo depois que os protestos do ano passado forçaram Ruto a abandonar sua lei para aumentar os impostos. Também se multiplicam as denúncias de desaparecimentos de críticos do governo e acusações de violência policial.
Críticos afirmam que Ruto não cumpriu suas promessas, citando o aumento de impostos, escândalos de corrupção em seu governo, o estilo de vida opulento de seus aliados, além de uma repressão cada vez mais severa à dissidência.
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Antes dos últimos protestos, o presidente queniano reiterou seu apoio às forças policiais. Na terça-feira, em um discurso em sua residência oficial em Nairóbi, disse:
— Vocês não podem intimidar a polícia. Não podem usar a força contra a polícia, nem insultá-la ou ameaçá-la. Vocês estão ameaçando nossa nação.
Na semana passada, um homem foi baleado na cabeça em Nairóbi durante uma manifestação contra a violência policial. Esse comício e outros foram alimentados pela notícia da morte de Albert Ojwang, um blogueiro que morreu sob custódia policial após ser preso sob a acusação de “publicação falsa”.
Manifestantes e veículos de comunicação locais relataram que pessoas vestidas como civis e portando armas acompanharam a polícia durante a repressão aos protestos na semana passada.
Uma declaração conjunta divulgada por vários governos ocidentais, incluindo os Estados Unidos, na terça-feira, criticou o uso de “policiais à paisana em veículos sem identificação” e expressou preocupação com o “uso de ‘capangas’ contratados para se infiltrar ou perturbar reuniões pacíficas”.