Pense num universo pop que, só entre as cantoras, tem Beyoncé, Taylor Swift, Madonna, Miley Cyrus, Adele, Dua Lipa, Katy Perry, Billie Eilish, Ariana Grande e Shakira (além das novinhas Sabrina Carpenter, Charli XCX e Chappell Roan, chegando com disposição). E, entre os homens, pesos-pesados como Bruno Mars, Ed Sheeran e The Weeknd, além de nomes do rock como Coldplay, U2 e os octogenários (mas ainda bem ativos) Paul McCartney e The Rolling Stones.
Pois, entre todos eles, acabou ficando com Stefani Joanne Angelina Germanotta, a Lady Gaga, a tarefa de levar na noite deste sábado 1,6 milhão de pessoas (ou mais) para as areias de Copacabana, com o show, a partir das 21h45, de “Mayhem”, álbum lançado com sucesso em março. A Globo transmite “Todo Mundo No Rio com Lady Gaga” logo após a novela “Vale tudo” na TV Globo e, a partir das 21h15, no Multishow e no Globoplay.
Artista americana de 39 anos que conheceu o estrelato logo com o CD de estreia, “The fame”, em 2008, Gaga atravessou os anos 2010 dominando as atenções do mundo, mesmo que não fosse com suas músicas — os clipes, os figurinos, o circo que montou para os seus shows, os filmes (em 2019, com “Nasce uma estrela”, ela concorreu ao Oscar de melhor atriz e levou o de melhor canção original por “Shallow”), as aparições públicas… em tudo, ela deixou suas digitais.
E agora, 12 anos após sua única apresentação no Rio (no Parque dos Atletas, em novembro de 2012), a cantora volta à cidade para a consagração do maior show de sua carreira, trazendo um hit global fresquinho (“Die with a smile”, que gravou com Bruno Mars para o filme no qual foi atriz, “Coringa: delírio a dois”) e um álbum que movimentou o streaming e chegou ao topo das paradas em vários países. Ainda assim, fica a questão: quem é Lady Gaga na fila do pão do pop mundial de 2025?
O primeiro veredicto é o da jornalista e curadora Erika Palomino, uma autoridade quando o assunto é o pop no Brasil e autora do livro “BBD FRT” (atualização, lançada ano passado, de “Babado forte”, seu levantamento histórico e visual da vibrante cena clubber dos anos 1990 no eixo Rio-São Paulo):
— Gaga é uma das últimas grandes criadoras de imagens do pop, e talvez uma das maiores, de todos os tempos. Domina como poucas os códigos da fama, do figurino, da performance, do palco. Sempre trabalhou expondo suas vulnerabilidades, e com isso conquistou a confiança e a lealdade de sua legião de fãs. Ao mesmo tempo, é perfeita para os tempos digitais, porque é fragmentada, camp, intensa, over, dramática, e indiscutivelmente muito talentosa — diz Erika. — Ela se joga no risco e no erro, então há sempre uma emoção em torno de qualquer aparição que ela vá fazer, e em qualquer trabalho seu. Gaga segue garantindo o efeito surpresa e, nos tempos de hoje, ainda queremos esse fator em nossas vidas, tão programadas pelo excesso de tecnologias e de telas.
Muitos dos analistas do pop no exterior concordam que, em “Mayhem”, a americana, de certa forma, esteja de volta à artista dos primeiros discos, nos quais foi apresentado o personagem Lady Gaga. E, a se julgar pelos quatro shows que ela fez da turnê, o repertório da noite em Copa deve ser quase só de canções do novo e dos dois álbuns iniciais — “The fame” (ampliado em 2009 como “The fame monster”) e “Born this way”, de 2011.
As teorias mais imaginativas dão conta de que na “Era Dark” (2008-2012), Gaga viveu o seu momento mais teatral e autêntico, completamente imersa em sua arte, aparecendo em todos os lugares, dominando a cena musical e remodelando o cenário pop à sua própria imagem. Então, ela sofreu uma lesão no quadril, que marcou o ponto de virada para a “Era Rosa” (2013-2022), dos álbuns “Artopop” (2013), “Joanne” (2016) e “Chromatica” (2020). Neles, ela amadureceu, construiu um império multimilionário enquanto lutava contra traumas passados e novos, tanto físicos (a fibromialgia, dor crônica) quanto psicológicos (psicose).
— Um ídolo, pop ou não, é muito mais interessante quando não tenta ser perfeito o tempo todo e exibe seu verdadeiro eu, sem medo algum de ser quem é. Isso cria uma conexão poderosa, que podemos facilmente notar entre a Mother Monster e seus little monsters — diz Yuri Valdevite, líder de marketing América Latina da plataforma de streaming Deezer (uma daquelas em que a artista ampliou sua presença no mundo nos anos 2020). — Além disso, Lady Gaga trata seus fãs como uma verdadeira extensão de sua personalidade e obra, além de levantar bandeiras de inclusão da forma mais explícita possível.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/E/1/LBZu1wTnO6Scy9keqYrA/captura-de-tela-2025-04-12-as-15.56.43.png)
Yuri Valdevite vê uma Lady Gaga que vai além da óbvia hitmaker:
— Além de ser uma intérprete com uma voz e personalidade muito únicas, ela também tem participações extremamente relevantes no cinema, o que ajuda a ampliar seu alcance e criar uma aura de artista absoluta, que transita naturalmente entre diferentes mídias. Outro fator importante é o quão cuidadosa ela é com sua imagem e com seu envolvimento em projetos e publicidade como um todo. Ela é conhecida por cuidar de perto de tudo que envolve seu nome, por ser muito vocal sobre a promoção de diversidade e equidade e por ser muito próxima da sua legião de fãs, que não à toa a chamam de Mother.
Para Yuri, no caso do público brasileiro, conta muito também o elemento da escassez, já que Lady Gaga veio ao Brasil para shows apenas uma vez, em 2012 (“O cancelamento do seu show em 2017 criou uma grande comoção e desde então ela é o nome mais especulado e desejado ano após ano”, diz). E, em sua consagração nas areias de Copacabana, tem pesado muito a questão de uma artista que fala para mais pessoas do que apenas as gerações mais novas.
— Lady Gaga lançou seu primeiro grande hit em 2008, ou seja, 17 anos atrás. De lá para cá, temas que eram tidos como tabus passaram a ser discutidos mais abertamente e felizmente vimos movimentos grandes de inclusão crescerem. Estando na estrada esse tempo todo, ela amplificou a voz de muitas pessoas que antes não se sentiam ouvidas e criou laços fortes para além apenas da afinidade musical — diz.
- Top de fita adesiva, roupa com cabeça de galinha e fantasia de 2017: O que os fãs de Lady Gaga fazem para chamar atenção em Copacabana
Professor e pesquisador de cultura pop da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), além de autor, junto com Mariana Lins e Alan Mangabeira, do livro “Divas pop: o corpo-som das cantoras na cultura midiática”, Thiago Soares ressalta a força que a estrela tem entre a comunidade LGBTQIA+, que vem muito de gestos como o de chamar de little monsters (monstrinhos) o seu próprio público.
— Se a gente for pensar, a história da cultura queer é a cultura do desvio, ela sempre vai ser associada com o monstruoso — diz. — Ela traz para a cultura pop essa metáfora do monstro, como eixo para se pensar em relações muito mais amplas, como as LGBTQIA+.
Para o stylist e comunicador de moda Dudu Bertholini, Madonna teve nos anos 1980 e 90 uma importância fundamental para trazer ao mainstream a pauta da legitimação das diversas identidades sexuais, mas Lady Gaga foi além.
— Dez anos depois de Madonna, ela vai e diz “você nasceu desse jeito” (em “Born this way”), que foi a abertura do caminho para aceitação de tantos que foram perseguidos e oprimidos, num momento em que era muito necessário — diz. — E ela conseguiu falar com um público abrangente mesmo estando na dissidência. Ela fez um pop de vanguarda ao mesmo tempo que gravava discos com Tony Bennett. Lady Gaga é uma camaleoa absurda, cuja marca é a excentricidade e a extravagância. Mas ela sempre teve um pertencimento a todos os looks que usou, a parte visual do seu trabalho não se separa do resto de sua obra.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2025/4/Q/HHzbEkTUCWZaEHeXqfKQ/main-stage-live-from-coachella-2025-9-16-51-screenshot.png)
Outro dado fundamental para o sucesso de Lady Gaga entre diferentes públicos, analisa Thiago Soares, é a forma com que ela “hackeia o sistema do artista pop” de todos os tempos:
— Ela hackeia Madonna no começo do show ali, em “Scheiße”. Ela hackeia o Prince, ela hackeia o Michael Jackson em “Shadow of a man”, ela hackeia até a Taylor Swift em “How bad do U want me”, que parece uma música do “1989” (álbum de Taylor de 2014)… acho que isso é algo que vem de alguém muito imerso no, digamos, letramento pop. Lady Gaga é produtora musical , ela conhece muito do pop e me parece que ela entra no sistema e processa isso tudo e uma forma muito dark.
E Gaga assume suas influências. Em entrevista à revista Elle, a estrela disse que “Mayhem” foi inspirado em “melodias alternativas dos anos 90, electro-grunge, Prince e Bowie, guitarra e atitude, linhas de baixo funky, dança eletrônica francesa e sintetizadores analógicos”. “Mayhem”, para ela, “é o caos total!”, um disco que “simplesmente me parece bom. Soa bem. Quebra muitas regras e é muito divertido”.
Alguns dos analistas da obra de Lady Gaga apostam que, com “Mayhem”, ela finalmente encontrou uma maneira de superar seus traumas, reconhecendo o caos como parte inerente da vida — da sua própria, especialmente — e agora pode enfim abraçar seu lado rebelde e sombrio novamente. Esse conforto teria lhe permitido encerrar a fase Rosa (da qual a cantora terrivelmente romântica de “Shallow” seja o último resquício) e retornar a um estilo mais ousado e gótico, mais seu — que é o que o Rio de Janeiro verá na noite de sábado.
Ato I: Of Velvet and Vice
- Bloody Mary
- Abracadabra
- Judas
- Scheiße
- Garden of Eden
- Poker Face
Ato II: And She Fell Into a Gothic Dream
- Perfect Celebrity
- Disease
- Paparazzi
- Alejandro
- The Beast
Ato III: The Beautiful Nightmare That Knows Her Name
- Killah
- Zombieboy
- Die With a Smile
- How Bad Do U Want Me
Ato IV: To Wake Her Is to Lose Her
- Shadow of a Man
- Born This Way
- Blade of Grass
- Shallow
- Vanish Into You
Finale: Eternal Aria of the Monster Heart