Depois de décadas de discussão, a Reforma Tributária foi aprovada no fim do ano passado com a expectativa de simplificar o sistema tributário no país e acabar com a chamada guerra fiscal. Considerada uma das mais significativas transformações para a economia brasileira, ela entrará em vigor em 2027. O novo modelo prevê a substituição de impostos como ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI pelo Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) Dual, baseado em dois tributos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), uma taxação federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), cobrança estadual e municipal.

A implementação do novo sistema, a configuração do principal tributo e os impactos para diferentes agentes, além das oportunidades e dos desafios do novo regime e da competitividade industrial do Brasil pós-reforma, são questões levantadas pelos diversos públicos impactados. Debater esses pontos foi a proposta do evento “Desafios da Reforma Tributária: como se preparar para as novas regras”, apresentado pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) e realizado pela Editora Globo, na sede da Firjan, na última segunda-feira, reunindo especialistas, representantes do governo e empresários.

Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan, abriu o encontro celebrando as mudanças que a reforma propõe para transparência, neutralidade e isonomia aos diversos setores da economia, restabelecendo a competitividade da indústria.

— O Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), que passa a ser cobrado no estado de destino, torna-se um antídoto para a guerra fiscal que, por anos a fio, orientou as decisões de investimentos neste país — pontuou ele.

Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan — Foto: Marco Sobral/GLab

O IBS, que passa a ser cobrado no estado de destino, torna-se um antídoto para a guerra fiscal que, por anos a fio, orientou as decisões de investimentos neste país”

— Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan

Em seguida, Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda, deu um panorama sobre a reforma e abriu debate sobre como as empresas devem se preparar para mudar o modo de operação.

— A reforma é necessária porque chegamos, no Brasil, em um grau de distorção no sistema de tributação da produção, da comercialização e do consumo de bens e serviços absolutamente monumental. O efeito do nosso sistema atual, em função de inúmeras diferenças de regras, guerra fiscal, fragmentação de incidência entre mercadorias e serviços, fez com que chegássemos em um grau de distorção que tem um efeito muito negativo para o potencial de crescimento da economia brasileira — detalhou ele.

Appy explicou que o objetivo da reforma é corrigir essas distorções, migrando o sistema para o padrão internacional. Ele garantiu que não haverá uma tributação dupla e alertou para a urgência de as empresas começarem a adaptação o quanto antes, já que a partir de 2026 será exigida a discriminação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) na documentação fiscal, mesmo que a cobrança só comece em 2027 e as organizações tenham o próximo ano para acessar o sistema.

— Quem depende apenas de benefício fiscal para ser competitivo talvez não se dê bem. Mas, para quem for eficiente, será positivo – analisou Appy, reforçando que é importante as empresas começarem a pensar como o novo sistema tributário afetará seu modelo de negócio e contratos. Disse ainda que a reforma vai exigir redefinição de preço e renegociação com cliente, por exemplo.

O primeiro painel, “Oportunidades e desafios do novo regime tributário”, sob mediação da jornalista Leila Sterenberg, contou com a participação de Bernard Appy, secretário extraordinário da Reforma Tributária no Ministério da Fazenda; Eduardo Maneira, professor titular de Direito Tributário da UFRJ; Robson Lima, gestor nacional do Projeto Estratégico da Reforma Tributária no Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro); e Luiz Dias de Alencar Neto, coordenador geral do Encontro Nacional de Coordenadores e Administradores Tributários Estaduais (Encat). A mesa ampliou a discussão sobre o que muda para o empresariado a partir da reforma.

Maneira ressaltou que o atual sistema brasileiro tem o maior tributo sobre consumo do mundo, o mais complexo e o de maior litigiosidade. Com a simplificação, as empresas podem esperar a diminuição do contencioso administrativo.

— A reforma tem um guia que é o princípio da neutralidade. O que vai guiar a decisão do investimento no país não será mais a carga tributária. A substituição do ICMS e do ISS pelo IBS é uma virada de chave. Estamos falando de um novo tributo, com lógica muito mais simples — avaliou.

Para viabilizar um sistema que seja mais simples para os contribuintes e permitir eficiência de apropriação e ressarcimento de crédito, foi criado um modelo de gestão compartilhada que vai acompanhar a reforma. Um comitê gestor será responsável pela arrecadação e compensação de débitos e créditos do Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), realizando a transição na distribuição da receita para estados e municípios. Luiz Dias de Alencar Neto afirmou que o modelo vai facilitar o trabalho do empresariado.

— O comitê fará toda a arrecadação centralizada. Em vez de o contribuinte pagar para vários entes federativos, vai passar a ter uma arrecadação num único local. Outro ponto importante é a criação da legislação única. Hoje, quantas legislações temos pelo país? A empresa fica perdida. Vai ter uma simplificação grande — afirmou.

A redução de burocracias deve facilitar as obrigações dos contribuintes. Uma mudança que deve impactar a operação do empresariado é a criação do portal único da reforma, que vai ser o contato único para o contribuinte, para a administração tributária e para o cidadão acompanharem a transparência da reforma.

— A relação do contribuinte com o fisco vai mudar, o empresário vai ter mais previsibilidade, não ficando na incerteza do negócio. Ele terá acesso a esse ambiente com todas as informações instantâneas e a certeza de onde interagir com o fisco — concluiu Robson Lima.

Simulação do Portal da Reforma apresentada por Robson Lima, do Serpro — Foto: Reprodução
Simulação do Portal da Reforma apresentada por Robson Lima, do Serpro — Foto: Reprodução

Novo cenário impacta todo o ambiente de negócios

Painelistas defenderam mudanças para equilibrar orçamento, além de aplicação efetiva de recursos públicos para crescimento sustentável da economia

Da esquerda para a direita: Fábio Giambiagi, economista e pesquisador associado da FGV; Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan; Leila Sterenberg, jornalista; e Pedro Paulo (PSD-RJ), Deputado Federal pelo Rio de Janeiro — Foto: Marco Sobral/GLab
Da esquerda para a direita: Fábio Giambiagi, economista e pesquisador associado da FGV; Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan; Leila Sterenberg, jornalista; e Pedro Paulo (PSD-RJ), Deputado Federal pelo Rio de Janeiro — Foto: Marco Sobral/GLab

As transformações trazidas pela Reforma Tributária, que vão impactar todo o ambiente de negócios do país, deram o tom do segundo painel, “A competitividade industrial pós-reforma”, que contou com a participação de Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan; Pedro Paulo (PSD-RJ), deputado federal; e Fábio Giambiagi, economista e pesquisador associado da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Caetano destacou que a Reforma Tributária e o fim da guerra fiscal representam uma mudança de paradigma para o ambiente de negócios no Brasil.

– Durante décadas, estados disputaram investimentos com base em incentivos tributários. Com o novo modelo, a lógica dessa disputa muda completamente. Nesse novo cenário, o investidor passa a avaliar com muito mais atenção os fundamentos que tornam um estado realmente competitivo – afirmou Caetano, destacando que ambiente de negócios, capital humano, eficiência do estado e infraestrutura são eixos que fazem a diferença quando o que está em jogo não é mais a alíquota do tributo.

Durante décadas, estados disputaram investimentos com base em incentivos tributários. Com o novo modelo, a lógica dessa disputa muda completamente. Nesse novo cenário, o investidor passa a avaliar com muito mais atenção os fundamentos que tornam um estado realmente competitivo”

— Luiz Césio Caetano, presidente da Firjan

Ele defendeu ainda que um ponto decisivo para o setor produtivo é a segurança pública. Outro eixo estratégico destacado pelo presidente da Firjan é o capital humano. Para ele, o Brasil e o estado do Rio só serão competitivos se formarem mão de obra capaz de atender a nova economia.

— A conclusão do Ensino Médio, muitas vezes, não resulta em inserção no Ensino Superior, nem habilita o jovem à função produtiva, que possa inclusive viabilizar a continuidade de estudos – disse Caetano.

O presidente da Firjan jogou luz sobre a importância de reformas que possibilitem o crescimento sustentável da economia, tornem mais eficiente a alocação de recursos públicos e permitam a competitividade do país.

— Um estudo recente da Firjan mostra que metade das prefeituras brasileiras direciona mais de 50% do orçamento para o gasto com pessoal. Além disso, quase metade dos municípios do país tem nível crítico de investimento, destinando apenas 3% das receitas a essas despesas. Sem reformas estruturantes, a competitividade e o desenvolvimento do nosso país estarão cada vez mais comprometidos – pontuou.

Cartilha da Firjan sobre a Reforma Tributária — Foto: Arte/GLab
Cartilha da Firjan sobre a Reforma Tributária — Foto: Arte/GLab

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O deputado federal Pedro Paulo (PSD-RJ), integrante da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, lembrou que está em discussão o Projeto de Lei Complementa r (PLP) 108/2024, que prevê a criação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços. O órgão, entre outras atribuições, ficará responsável por distribuir os recursos da União para estados e municípios.

— Há uma discussão importante sobre esse equilíbrio entre a participação dos grandes, médios e pequenos municípios — explicou o deputado, sobre a demora na votação do PL.

Designado como coordenador do grupo de trabalho da reforma administrativa, também em debate, Pedro Paulo explicou que ela não tem impacto no equilíbrio do orçamento do país.

— A reforma administrativa não produz, a curto prazo, aquilo que precisamos fazer agora, que é um ajuste fiscal. Ela é como uma reforma microeconômica no funcionamento da máquina estatal. É como um marco regulatório do funcionamento do estado em serviços públicos. Ela vai produzir, a longo prazo, melhora na economia quando você racionaliza gastos, por exemplo — detalhou ele.

A reforma administrativa não produz, a curto prazo, aquilo que precisamos fazer agora, que é um ajuste fiscal. Ela é como uma reforma microeconômica no funcionamento da máquina estatal. É como um marco regulatório do funcionamento do estado em serviços públicos”

— Pedro Paulo (PSD-RJ), deputado federal e integrante da Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados

Já Fábio Giambiagi ressaltou gastos do governo passado e atual, principalmente em relação ao pagamento de precatórios e de programa de transferência de renda, e aproveitou para criticar a Reforma do Imposto de Renda, como isenção de IR daqueles que ganham até R$ 5 mil e a taxação de cidadãos com renda acima de R$ 50 mil:

— Estamos agora com o maior déficit público médio desde 1994. Apostar em uma Reforma de IR que isenta do pagamento uma parte substancial daqueles que hoje pagam me parece um equívoco por várias razões. Primeiro, a perda é certa e a compensação é incerta. Segundo, porque teríamos um nível de isenção de IR, comparativamente à renda média da população, que seria dos mais elevados do mundo. E terceiro porque passa para a população a ideia de que a pessoa tem direito a não pagar imposto e receber serviços públicos — defendeu ele.

Reforma Tributária promete simplificação e fim da guerra fiscal no país