O cenário conturbado na relação entre o Palácio do Planalto e a Câmara dos Deputados ganhou mais um capítulo na terça-feira, com a saída de um aliado histórico das gestões petistas da base de sustentação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A bancada do PDT na Casa anunciou que deixará de apoiar o governo, na esteira da saída de Carlos Lupi, presidente licenciado do partido, do Ministério da Previdência.
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A posição tomada pelos 17 deputados não leva o partido à oposição, mas para uma postura de “independência”. Lupi, que pediu demissão após a pressão provocada pela descoberta das fraudes em aposentadorias e pensões do INSS, participou da reunião.
A saída do PDT da base aliada na Câmara ocorre em um momento de fragilidade na relação de Lula com o Congresso. Após queda na popularidade nos últimos meses, siglas que integram o governo iniciaram movimentos para se descolar do Palácio do Planalto e colocam em dúvida o apoio à reeleição em 2026. No mês passado, por exemplo, discordâncias no União Brasil levaram o líder da sigla na Câmara, Pedro Lucas Fernandes (MA), a rejeitar convite para assumir o Ministério das Comunicações.
Apesar de o substituto, Wolney Queiroz, também ser do PDT, os deputados se sentiram desprestigiados e lembraram que o novo ocupante fez campanha para Lula em 2022, não para Ciro Gomes. O líder do PDT na Câmara, Mário, Heringer, no entanto, diz que não há restrições a ele.
— Demos o primeiro passo, que é nos tornarmos independentes. Foi uma decisão unânime. Por que não vamos ficar na base? Porque o governo não deu reciprocidade, não cuidou de proteger (Lupi). Já estávamos em um clima muito ruim. Se existe a história da gota d’água, foi essa. O governo deixou o nosso partido fritando, sem defesa — disse o líder do PDT, Mário Heringer (MG), que deixou em dúvida um eventual apoio do partido à reeleição de Lula em 2026: — Podemos tentar um novo caminho pela centro-esquerda, evitando a polarização.
Ao defender “caminhos alternativos”, Heringer citou o nome de Ciro, mas há outras possibilidades em discussão. Segundo parlamentares presentes, Lupi orientou os deputados na reunião a não incentivarem desde já uma candidatura de Ciro, abrindo espaço para alternativas que não sejam o pedetista ou Lula. O ex-presidenciável e o ex-ministro não se manifestaram.
Ao declarar independência, a bancada fez questão de sinalizar que não há rompimento total. Líderes da Câmara interpretaram o gesto mais no campo do simbolismo e do repúdio à saída de Lupi do que uma mudança que vá se transformar na prática em votos contra projetos do governo, já que há alinhamento ideológico entre PT e PDT.
Em votações nesta Legislatura, pedetistas deram apenas um voto a favor do marco temporal para terras indígenas, que tinha a oposição do governo, e três pela derrubada de um decreto de Lula sobre o marco do saneamento básicos. Os deputados da legenda também não endossaram o requerimento favorável a acelerar o andamento do projeto que anistia os envolvidos no 8 de janeiro, iniciativa depois travada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB).
No Planalto, o posicionamento também foi visto com cautela. Responsável pela relação com o Congresso, a ministra Gleisi Hoffmann evitou entrar em conflito.
— Respeitamos o posicionamento da bancada e seguimos dialogando com o PDT, contando com o apoio do partido nas matérias de interesse do país — afirmou Gleisi.
Na semana passada, ela sondou os deputados do PDT antes de Lula decidir nomear Wolney. Havia uma avaliação no governo de que a indicação do novo titular da pasta havia contemplado a bancada. O movimento não representa, por ora, uma defecção também no Senado. Em nota conjunta logo após a decisão dos deputados, os três senadores da sigla informaram que seguirão alinhados ao Planalto.
“A bancada do Senado respeita a decisão da bancada na Câmara e, embora tenha um posicionamento diferente, reitera que o partido segue unido em defesa dos ideais trabalhistas”, diz nota assinada pelo líder do PDT no Senado, Weverton Rocha (MA).
De acordo com o líder, a posição de se manter no governo foi tomada por unanimidade, com o apoio das outras senadoras do partido, Leila Barros (DF) e Ana Paula (MA).
PT e PDT têm uma relação que historicamente oscila entre a aliança e a rivalidade, fruto da disputa de espaço no eleitorado de esquerda. Nas nove eleições presidenciais que ocorreram desde 1989, os dois partidos estiveram coligados no primeiro turno apenas três vezes: 1998, 2010 e 2014.
Em 1998, Lula teve como vice Leonel Brizola, em uma chapa que foi derrotada no primeiro turno para Fernando Henrique Cardoso. Em 2010 e 2014, pedetistas estiveram ao lado de Dilma Rousseff, sem ter o posto de vice. Em outras cinco oportunidades, no entanto, o PDT se aliou ao PT no segundo turno.
Em uma tentativa de aproximação com a oposição, Gleisi recebeu o líder do PL na Câmara, Sóstenes Cavalcante (RJ), em sua casa, em Brasília. Um dos nomes da cúpula do PL mais próximos de Jair Bolsonaro, o deputado disse ter cobrado o pagamento de emendas de parlamentares da legenda que, segundo ele, estão atrasadas desde 2023. Segundo Sóstenes e aliados de Gleisi, ela se comprometeu a iniciar os repasses.
A conversa ocorreu na casa da ministra após o deputado se negar a ir ao Planalto, temendo uma repercussão negativa. A intenção foi que a reunião ocorresse longe de holofotes. O encontro ocorreu em meio ao debate sobre a coleta de assinaturas para o requerimento de urgência para o projeto da anistia ao envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023,iniciativa liderada por Sóstenes.