Nem as tropas da polícia e do Exército estacionadas ao redor do Vaticano quebraram o clima de agradecimento carinhoso dos fiéis que foram à Basílica de São Pedro se despedir do Papa Francisco, que será enterrado neste sábado de manhã. A família Halaguy, que vive em Valência, na Espanha, e veio a Roma só para se despedir do Pontífice, é um exemplo do sentimento geral que permeou muitas das 250 mil pessoas que passaram diante do caixão de Francisco nos três dias de velório público até seu fechamento na sexta-feira às 20h (15h em Brasília). Dulce e seus filhos Hector e Rafael chegaram na quinta à noite, muito tarde, e não conseguiram entrar na basílica. Ontem, enfrentaram a longa fila para dar o adeus e já voltam hoje para casa.
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A venezuelana Dulce explicou a decisão de viajar com apenas uma palavra: fé.
— A admiração pelo Papa, pelo trabalho que fez do ponto de vista social, econômico, humanitário. É um Papa para se admirar. Um padre latino-americano, de todo o mundo.
As filas imensas obrigaram os fiéis a enfrentar o sol e horas de espera. Irmã Bernadete Mguien é do Texas, mas estuda em Roma e, só nesta semana, desde que o velório começou, na quarta, enfrentou a fila da basílica três vezes. Enquanto o Papa estava no hospital, ela foi rezar na Praça todas as noites por duas semanas.
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— Muitas pessoas que eu conheço queriam dizer adeus e não tiveram a oportunidade, então eu venho fazer isso por elas.
Um grupo de jovens meninas italianas do jubileu das adolescentes também enfrentava a fila com bom humor.
— Fazemos atividades de adolescentes, como rezar juntas, comer juntas — contou Francesca Bocciaa, cuja amiga Ilaria Ascione explicou que elas tinham vindo de Nápoles para aprender as lições do Papa Francisco.
Não foram só os religiosos que quiseram se despedir do Pontífice. Enrolada em uma bandeira da Argentina, Julia Nuñez vive na Itália há 30 anos e conta que não tem religião, mas esteve na Basílica de São Pedro duas vezes esta semana.
— É um momento histórico muito forte, mesmo eu não sendo católica acho importante estar aqui. Por ele, que era uma pessoa incrível, uma pessoa além da fé, na verdade a minha admiração por ele não era pela fé, não era religiosa, mas por ele como homem.
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A guia de turismo conta que, quando Francisco foi escolhido Papa, sentiu uma alegria incrível por ver o primeiro Pontífice da América Latina, um argentino com o qual ela tem orgulho de compartilhar a nacionalidade. Ontem, Julia quis ir à Praça de São Pedro para dar o que chamou de “último arrivederci” ao Papa.
— Admiro a sua força contra os regimes totalitários, a ideia de ficar perto daqueles que menos têm, a renúncia dele ao luxo daqui, aos privilégios, ele condenar a guerra, as ditaduras, tudo aquilo que está acontecendo no mundo, ele era fora do normal. Hoje acabei de vir da Capela Sistina e estava pensando: como vão votar aqui agora?
Um grupo de brasileiros que tinha viajado para Roma para acompanhar a canonização do jovem italiano Carlo Acutis decidiu ficar mais quando veio a notícia do falecimento do Papa. Ontem, eles enfrentaram a fila para o velório.
— É triste, a gente ficou muito sentido mesmo. Apesar de ele estar doente, a gente não esperava que fosse assim tão rápido — desabafou a paulistana Sandra Caravagge, que conta quais valores do Papa mais admirava. — A família, o amor aos irmãos, às pessoas carentes, aos pobres, porque ele lutou muito pelos pobres, então a gente se identificou muito com esse legado dele.
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Nos bairros turísticos de Roma, hordas de turistas se misturavam a grupos de fiéis e padres que conversavam alegres pelas ruas, às vezes tendo o caminho interrompido pelas dezenas de delegações que foram à Roma para ao funeral.
Do americano Donald Trump ao brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, a paisagem da capital italiana também foi cortada por esquemas de segurança reforçados para proteger os membros da Igreja e líderes que participarão do funeral. Ao longo do dia, helicópteros sobrevoavam os céus de Roma — cujo espaço aéreo foi fechado. Em alerta, Roma tomou um susto à tarde: todos os celulares da cidade começaram a emitir um alerta ao mesmo tempo, pegando italianos e fiéis desprevenidos. O mesmo tipo de alerta, um som estridente e repetitivo usado para avisar sobre furacões e mísseis de guerra em outros cantos do mundo, congelou a tela de todos os celulares da cidade com a mensagem: “Adeus ao Papa Francisco: o acesso à Praça de São Pedro vai fechar às 17h.”
O avião com o presidente Lula pousou no Aeroporto de Fiumicino às 13h20, e ele e sua comitiva foram direto para a Embaixada do Brasil, cuja sede é o Palazzo Pamphilj, um palácio do século XVII que abriga uma das embaixadas mais bonitas da capital. O presidente não parou para falar com a imprensa, mas a ex-presidente Dilma Rouseff contou que veio da China porque sente ser uma obrigação e um desejo.
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— Tenho muita dor porque o Papa sempre foi muito generoso comigo — afirmou a ex-presidente, dizendo que Francisco foi um exemplo de liderança humana por reconhecer a importância de um mundo mais igual e recusar a guerra e o preconceito contra imigrantes. — Aquela imensa capacidade do Papa de acolher crianças, jovens, adultos, pessoas de todas as religiões. Ele foi um Papa religioso, ou seja, um Papa que ligava uns aos outros.
À noite, quando terminou o velório, os últimos raios de sol do dia quente de primavera começaram a se esconder atrás da cúpula da Basílica de São Pedro, onde jazia o corpo do Papa. As gaivotas brancas, típicas de Roma, continuaram a cruzar o céu, meio azul, meio rosa de um pôr do sol mais melancólico do que o normal no Vaticano, mas ainda dominado pelas palavras de amor, carinho e gratidão que os fiéis deixaram ao longo do dia.