Craques de suas gerações e maiores artilheiros de Brasil e Argentina, Neymar e Messi costumam ser as atrações do maior clássico sul-americano. No duelo de hoje, no Monumental de Núñez, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo, porém, nenhum deles estará em campo. Ambos foram cortados por lesões na coxa esquerda.
Será o primeiro clássico em quase 20 anos que não terá a presença de pelo menos uma das duas estrelas. A última vez que um duelo entre as seleções ocorreu sem os dois foi em 29 de junho de 2005, na goleada de 4 a 1 da seleção canarinho na final da Copa das Confederações. Messi, hoje com 37 anos, só estreou pela Argentina em agosto do mesmo ano, enquanto Neymar, quatro anos mais novo, começou sua jornada com a Amarelinha em julho de 2011. Foram 20 partidas entre as equipes neste período. O argentino esteve em campo em 14, o brasileiro, em 11. E, curiosamente, somente em cinco ambos estiveram juntos.
Já fora do futebol europeu, os atacantes, hoje no Santos e no Inter Miami-EUA, estão na reta final de suas carreiras e têm a Copa de 2026 como meta. Cientes de que nenhum craque é eterno, as seleções já esboçam os primeiros passos para o fim de uma era e início de outra.
A seleção brasileira tem sido forçada a conviver com a ausência de Neymar nos últimos anos por razões médicas. Não conta com o camisa 10 desde 17 de outubro de 2023, quando ele sofreu uma ruptura no ligamento cruzado anterior do joelho esquerdo, na derrota por 2 a 0 para o Uruguai pelas Eliminatórias.
Mesmo afastado, o craque seguiu sempre lembrado a cada ausência sentida em meio a atuações irregulares do Brasil neste ciclo. Sucessor do então interino Fernando Diniz, que deixou o cargo no início de janeiro de 2024, Dorival Júnior sequer teve a oportunidade de escalar o camisa 10, o que ficou perto de acontecer com a reconvocação dele nesta data Fifa.
— Qualquer seleção que deixa de contar com o jogador mais talentoso de uma geração vai sentir. Mas acho que é um percentual dividido com outros fatores, já que há também carência em posições, como centroavante e laterais, e indefinição sobre a titularidade de jogadores que podem fazer a diferença. Sem contar a bagunça que foi a CBF nesse ciclo, com troca de treinador toda hora, além de questões internas de organização e logística que, muitas vezes, não vazam, mas acabam interferindo — analisa Rodrigo Coutinho, comentarista do Grupo Globo.
A ausência de Neymar traz, inevitavelmente, mudanças no estilo de jogo da seleção. Diferentemente da primeira metade da carreira, em que “abusava” de sua velocidade na ponta esquerda, ele passou a desempenhar uma função mais centralizada, por trás do segundo atacante. Coutinho ressalta justamente “a capacidade de desequilíbrio ao tocar mais vezes na bola, com uma leitura única de aceleração e pausa, potencial de drible, último passe e finalização”.
Sem o craque brasileiro em campo, quem vem assumindo esse papel de criação nos últimos jogos é Raphinha, que não sentiu o peso de substituí-lo, mas de um jeito diferente. Além de ajudar mais na marcação pelo lado esquerdo, o artilheiro do Brasil nas Eliminatórias (cinco gols) tem como característica ofensiva a verticalidade, o que nem sempre é benéfico ao ritmo que o jogo pede em determinados momentos. Por mais que seja difícil não baixar o nível com uma perda desse tamanho, a seleção ainda conta com talentos de sobra no ataque.
Fora o meia-atacante do Barcelona, Vinícius Júnior, eleito melhor do mundo pela Fifa em 2024, e Rodrygo, ambos do Real Madrid, caminham para um processo de liderança na seleção. Com Neymar mais perto do fim da carreira, eles despontam como favoritos a assumirem o protagonismo da camisa verde e amarela, ainda que estejam longe de alcançar o tamanho da representatividade do camisa 10.
— Pegando as Champions League de 2015 e 2020, o Neymar jogou mais em seu auge do que o Vinícius jogou na temporada passada e Raphinha na atual até aqui. Não que falte qualidade técnica aos três (Vinícius, Raphinha e Rodrygo), mas, em comparação ao Neymar, o nível de protagonismo é inferior. Claro que isso pode mudar daqui a dois, três anos. Vai depender de como eles vão conduzir a carreira e se vão manter ou subir o nível. Mas eu não vejo uma reposição à altura. Não quer dizer também que o time não possa funcionar ou que a seleção não vá ser campeã — opina Coutinho.
Julián Álvarez na fila do protagonismo argentino
Do outro lado, a Argentina de Messi, que segue em “lua de mel” com a torcida após a conquista da Copa de 2022 e lidera as Eliminatórias, já busca as primeiras tentativas de renovação. O técnico Lionel Scaloni costuma chamar novos jogadores a cada convocação, o que requer cautela e tempo de adaptação, ainda mais em um elenco campeão do mundo. Nas últimas datas Fifa, ele trouxe surpresas como Máximo Perrone, Nico Paz (ambos do Como-ITA), Benjamín Domínguez (Bologna-ITA) e Giuliano Simeone (Atlético de Madrid-ESP). O último foi titular pela primeira vez na vitória por 1 a 0 sobre o Uruguai.
— Dos 26 convocados para a Copa de 2022, 13 tinham estreado na Argentina após a chegada de Scaloni, em 2018. Hoje, 50 jogadores começaram sob o comando dele. Ele já falou que gostaria que Otamendi e Paredes não envelhecessem, mas entende que precisa fazer essa transição. Apesar de não ter um novo Messi, o Julián Álvarez está assumindo uma postura de liderança no ataque, fazendo mais de uma função, e pode ser o grande nome da seleção nos próximos anos — aponta Raphael Sibilla, correspondente do Grupo Globo na Argentina.
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Quando Messi está em campo, a seleção joga em função dele. O time mantém o estilo de posse de bola, passes curtos e transições rápidas. Os três atacantes não são jogadores de tanta velocidade e, por isso, as tabelas curtas costumam ser a principal arma para progredir ao ataque, e os dribles do camisa 10 são o diferencial para que a equipe consiga criar chances.
— A principal diferença é a questão dos dribles. Existem alguns jogadores que até conseguem, mas essa não é a característica da seleção de um modo geral. Isso é algo que se restringe basicamente ao Messi e, quando ele não está, essa é a principal diferença que pode ser notada no jogo do time — explica Sibilla.
Sem o craque em campo, o modelo se mantém, mas com algumas diferenças. Os volantes não ficam tão presos à fase defensiva e fazem muitas projeções à frente. De Paul, geralmente, se torna mais ofensivo, e as recomposições costumam ser mais rápidas e feitas por todos os jogadores.
Lideranças: Messi silencioso, Neymar midiático
Do ponto de vista de liderança, os dois craques são vistos de maneiras muito distintas. Messi é um líder muito mais silencioso, que se mantém quase no anonimato. Em 2021, após a conquista da Copa América, o ambiente mudou para o jogador na seleção e o grupo passou a “correr por ele”. Os jogadores mais jovens o veem como uma referência e jogam sem tanto peso de ter que chamar a responsabilidade por tê-lo ao lado. Isso faz com que esses novos atletas consigam jogar e se desenvolver sem tanto peso.
— Atletas como Almada e Nico Paz estão chegando e tendo a oportunidade de se entrosar sem tanta pressão. Nessa data FIFA, a Argentina vai enfrentar os dois principais adversários no continente. Já venceu o Uruguai e chega como favorita contra o Brasil, e esses jogadores surgem bem por já terem se adaptado. Quando eventualmente o Messi não estiver disponível para jogar um jogo de Copa do Mundo, eles já conseguem entrar e tentar resolver sem precisar de uma ambientação. E essa tranquilidade passa pela liderança do capitão — analisa Sibilla.
Enquanto isso, Neymar sempre foi midiático, com uma presença forte tanto dentro quanto fora de campo. Sua liderança se expressa através do carisma, das declarações, das redes sociais e do peso que sua figura carrega no futebol brasileiro. Para muitos, o principal jogador da Seleção Brasileira lida com altos e baixos de maneira pública, o que acaba atrapalhando a relação dele com a torcida. Internamente, ele é visto como um jogador humilde, de grupo, e que tem impacto positivo de modo geral no ambiente do time.
— Acredito que ele seja a principal liderança, porém, a avaliação se essa liderança é positiva ou negativa fica muito atrelada aos resultados e ao desempenho no campo. As críticas feitas podem tranquilamente virar elogios caso ele vença e tenha um desempenho bom. Todos os treinadores que passam sempre elogiaram a postura dele junto aos demais jogadores e não acredito que todos estejam errados ou sendo subservientes como dizem — comenta Coutinho.