“Essa fila enorme é pra quê?”, perguntou um transeunte na noite da última quinta-feira, dia 19, ao cruzar um montão de fãs que esperavam para entrar no Teatro Gazeta, na Avenida Paulista, enfileirados até a próxima esquina. Quando descobriu se tratar de um show do humorista Leo Lins, emendou, com ar incrédulo: “Leo Lins? Esta fila deste tamanho é pra ver o Leo Lins?”. Para muita gente, suas piadas ultrapassam a linha da liberdade de expressão e representam injúrias e preconceitos inadmissíveis. Mas o comediante, escritor e roteirista carioca Leonardo de Lima Borges Lins tem seu público — ainda mais fiel depois de sua condenação.
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Em seu primeiro show na capital paulista depois de ser condenado a oito anos e três meses de prisão por propagar discursos considerados discriminatórios, o humorista de 42 anos lotou o espaço, com capacidade para 720 pessoas (ou cúmplices, como chama quem ri de seus impropérios). Spoiler: no espetáculo “Enterrado vivo”, Leo Lins está mais ácido do que nunca e usa a sentença como marketing.
Ele dedica boa parte dos mais de 70 minutos de show a esculachar o que ele e seu público chamam de “politicamente correto”, zombar do Judiciário e debochar das mesmas minorias que o colocaram no banco dos réus. Gabarita o amplo leque de piadas inadequadas, ao atacar negros, deficientes, obesos e soropositivos, além de caçoar da pedofilia e do nazismo. Firme na persona do perseguido, elenca os variados processos judiciais aos quais responde, fica confortável para repetir algumas das suas piadas mais criticadas e flerta com a impunidade. “Se você cometeu um homicídio sendo réu primário, consegue chegar a pegar sabe quantos anos? Seis anos. Eu peguei oito. A mensagem da Justiça é: ‘Se você é preconceituoso, não faça piada, mate!’ Vai sair mais cedo da cadeia.”
O humorista encontrou na própria controvérsia o combustível de sua mais recente turnê. Capitalizou o status de “proibido” que a Justiça lhe atribuiu e usou isso para alavancar a fama. A própria sinopse do espetáculo usa a querela judicial como propaganda: “Em 2024, seu show foi proibido em mais de 50 cidades, teve suas redes sociais canceladas, enfrentou ameaças de prisão e está sendo processado pelo Ministério Público, tudo por conta de seu conteúdo provocador que desafia o politicamente correto”, diz o anúncio.
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Parece ter surtido efeito. A expectativa de uma possível prisão provocou uma espécie de corrida até o teatro de fãs que antes o conheciam somente pelas redes sociais.
— Nunca vi o show pessoalmente. Tomei coragem pra vir, né? Aproveitar que ele ainda não foi preso — explicou Sabrina Santos, de 23 anos, analista de Recursos Humanos que aguardava na fila para prestigiar o humorista, acompanhada de uma amiga.
A pedido de seus advogados, Leo Lins começa o show com um aviso à plateia. Os espectadores devem guardar seus celulares em pequenos sacos pretos recebidos na entrada, e lacrar o invólucro. Quem não colabora é retirado do recinto. A partir daquele momento, ninguém pode filmar ou fotografar. O que será dito na próxima hora deverá ser mantido ali, em segredo. O apelo é um prenúncio do tom depreciativo que permeia todo o show. O pacto com o público quer, em última instância, evitar que sua situação se agrave ainda mais. “Vocês não querem que eu acabe realmente indo preso, tá bom?”, ele inicia.
O humorista segue, dizendo, que seus advogados recomendaram um show mais leve. “Então, para quem vem esperando aquele humor mais ácido, dessa vez eu peço desculpas. Esse show, realmente, precisei alterar. É um show mais light. Vou começar com um tema leve: escravidão.”
A plateia começa a se engajar e os risos se tornam gargalhadas mais altas à medida que o comediante pega mais pesado. “Escravidão é um tema que, segundo a mídia, algumas pessoas são contra e outras são brancas. Se você é branco, péssima época para ter nascido, viu? Por isso que eu não tive filho. Não achei a mulher certa. Quero uma índia negra e obesa. Meu filho vai ser o rei das minorias. Eu vou erguer ele igual o Simba (do filme “O Rei Leão”). E aí já deixo ele cair de cabeça, para ficar deficiente também. Coloco um boné MST e vira um deus”.
A notícia da condenação, publicada primeiro no site do Ministério Público, foi dada a ele por uma amiga jornalista, como conta no show. O texto não trazia o nome do réu, então ela telefonou para perguntar se o acusado era ele. Leo Lins narra sua descrença inicial. “Falei: ‘Nossa, esse tomou no c*. Esse se f* muito’”. Até perceber que se tratava dele próprio.
Ao longo do show, Leo Lins transforma cada revés legal em mais um ato de transgressão no palco. Menciona, por exemplo, o processo por danos morais que a cantora Preta Gil moveu contra ele em 2019 — o humorista comparou “uma filha de Gilberto Gil” a uma “porca” em um programa de TV. “A Preta Gil veio me processar por causa de uma piada de anos atrás. Três meses depois que chegou o processo, ela apareceu com câncer. Bom, parece que Deus tem um favorito. Acho que ele gostou da piada. E pelo menos ela vai emagrecer.”
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Em sua defesa, tanto no espetáculo quanto em suas redes sociais, Leo Lins argumenta que tudo não passa de encenação. Quem fala no palco, diz, não é ele, mas o personagem.
Leo Lins foi condenado por propagar piadas que “fomentam a violência verbal e a intolerância” em show de humor gravado em 2022, em Curitiba, e divulgado nas redes sociais. A sentença, da 3ª Vara Criminal Federal de São Paulo, também impõe ao comediante o pagamento de multa e indenização por danos morais coletivos. Sua defesa está recorrendo.
Segundo a Justiça, o vídeo intitulado “Perturbador” contém declarações preconceituosas contra negros, obesos, idosos, pessoas com HIV, indígenas, homossexuais, judeus, nordestinos, evangélicos e pessoas com deficiência. A gravação chegou a três milhões de visualizações e foi suspensa do YouTube em agosto de 2023.
Em seu show atual, Leo Lins mostra que polêmica e transgressão podem vender até mais ingressos do que humor. “A intenção de toda piada é fazer rir. Por isso, procuro não me importar que algumas figuras da Justiça me enxerguem como um criminoso. Prefiro enxergá-los como divulgadores do meu trabalho. Quanto mais tentam me calar, mais ouvido eu sou. Até surdo já me escuta”, finaliza.
“A sentença que me condena põe todo mundo na cadeia. Todos, todos. Aí começaram a pegar piadas, por exemplo, do Paulo Gustavo. Que tinha piada de gordo, de negro, de deficiente. Alguém cancelou o Paulo Gustavo? Fora o Covid?”
“Tem alguns atores que fazem isso. Você pode, por exemplo, adotar um bebê preto. Cidadania sai na hora, já tem o black card. E tem que ser da África, porque rico gosta de coisa exótica, né? Quero um bebê da Eritreia. Eritreia é o país na África com o maior número de casos de aids do mundo. Isso aí é para calar a boca dos preconceituosos que acham que só gay passa Aids. Os negros também”.
“Qual a semelhança entre o padre e a moeda? Os dois podem parar na boca de uma criança. Tá vendo? Pedofilia é um crime hediondo. Coisa terrível. Não tem graça nenhuma. Piada sobre pedofilia pode ter”.
“Sabe qual é a sigla que eles estão propondo agora? LGBTQQCIAAPF2K+. A única coisa que eu entendi é o +, que é ‘soropositivo’. O negócio virou um código de vídeo game. Eu tenho até medo de digitar no computador e pow: ‘você desbloqueou o ânus’”.
“Hoje as coisas mudaram. Se depender do Carrefour, não vai ter negro nem comprando. É o ‘CarreFührer’ (em analogia à palavra alemã Führer, que significa “líder”, enquanto faz a saudação nazista). Essa foto ia dar uma merda agora. Nesse momento eu ia me f* muito”.