O governo da Síria teria interpretado mal como Israel reagiria ao envio de suas tropas ao sul do país nesta semana, segundo revelaram oito fontes à agência Reuters neste sábado. A movimentação militar, disseram, teria sido incentivada pelas declarações dos Estados Unidos em favor de uma Síria com um Estado centralizado, levando Damasco a entender a mensagem como um sinal verde para retomar o controle da região — o que acabou levando à resposta do Exército israelense em seguida. A informação foi divulgada em meio a novas ameaças e confrontos sangrentos entre o governo sírio e milícias drusas em Sweida, que já duram quase uma semana, e deixaram mais de 900 mortos, segundo dados do Observatório Sírio de Direitos Humanos (OSDH).
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Segundo a Reuters, a operação militar síria na região ocorreu apesar de repetidos avisos israelenses. As fontes, entre eleas autoridades sírias e diplomatas, afirmaram que Damasco acreditava que mensagens públicas e privadas do enviado especial dos EUA, Thomas Barrack, legitimavam a ofensiva, com o apoio americano a uma administração mais centralizada, com rejeição de Washington a zonas autônomas no país.
Um porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, ao ser questionado pela Reuters, evitou comentar o assunto, mas reafirmou o apoio americano à integridade territorial da Síria e à necessidade de proteger todas as populações, “inclusive grupos minoritários”. Ele também instou o governo sírio a responsabilizar e penalizar os perpetradores da violência na região.
Damasco, por sua vez, nega que a decisão de enviar tropas tenha sido influenciada pelos comentários americanos. Em resposta à Reuters, um alto funcionário do Ministério das Relações Exteriores da Síria afirmou que a medida foi motivada “com base em considerações puramente nacionais”, com o objetivo de “interromper o derramamento de sangue, proteger civis e evitar a escalada do conflito civil”.
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Damasco enviou tropas e tanques para Sweida na segunda-feira com o objetivo de conter confrontos entre tribos beduínas e grupos armados da comunidade drusa, minoria religiosa presente na Síria, Líbano e Israel. No entanto, de acordo com fontes locais, a entrada das forças sírias na cidade foi recebida com resistência por milícias drusas.
Acusações de abusos cometidos pelas tropas sírias, como execuções e humilhações de civis, provocaram ataques israelenses contra alvos militares em Damasco, incluindo o Ministério da Defesa e áreas próximas ao palácio presidencial. Um cessar-fogo entre a Síria e Israel foi anunciado pelos EUA na noite de quarta-feira. Mesmo assim, os confrontos seguiram.
Neste sábado, várias casas na região de Sweida foram incendiadas. Poucas horas antes, o presidente interino sírio, Ahmed al-Sharaa, anunciou um cessar-fogo imediato. Mas combatentes tribais sunitas e beduínos, aliados às autoridades sírias, avançaram mesmo assim em direção à cidade.
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Segundo a AFP, um combatente identificado como Abu Jassem instigou seus homens com gritos de “Avante, tribos!” nas ruas quase desertas.
— Nós os mataremos em suas casas — disse ele, referindo-se aos drusos.
Combatentes tribais vieram de outras partes da Síria para Sweida para apoiar os beduínos, que estão em conflito com os drusos desde 13 de julho. Pelo menos 940 pessoas morreram, de acordo com o OSDH, uma ONG com uma extensa rede de informantes no local.
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Um correspondente da AFP viu dezenas de casas e veículos queimados no sábado, além de homens armados incendiando empresas após saqueá-las. Alguns, com os rostos cobertos, disparavam armas automáticas nas ruas, enquanto outros viajavam em carros ou motocicletas.
Um combatente usava uma faixa preta na cabeça com a inscrição da profissão de fé islâmica. Outro carregava uma tesoura, dias depois de combatentes terem sido filmados cortando os bigodes de idosos drusos e figuras religiosas como um insulto.
Os drusos, membros de um ramo do islamismo xiita, são vistos com suspeita e hostilidade pelos islâmicos sunitas, a espinha dorsal do novo poder sírio estabelecido após a queda de Bashar al-Assad em dezembro, que pertencem a outra minoria, os alauítas.
Em Sweida, uma cidade com cerca de 150 mil habitantes, os moradores estão abrigados em suas casas, sem água ou eletricidade e com as comunicações cortadas. A comida é escassa, apesar dos repetidos pedidos de ajuda humanitária.
Um fotógrafo da AFP viu corpos em decomposição perto do principal hospital da cidade sendo transportados para uma vala comum próxima, já que o necrotério estava lotado. Um médico disse que a unidade recebeu mais de 400 corpos.
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Forças de segurança foram mobilizadas na província neste sábado, com o objetivo declarado de proteger civis. Um correspondente da AFP viu forças do governo montando um posto de controle perto de outra cidade ao norte de Sweida, mas o avanço dos combatentes tribais tem sido imparável.
O porta-voz do Ministério do Interior, Nureddin al-Baba, disse à AFP que forças de segurança foram mobilizadas “para proteger propriedades públicas e privadas e garantir a segurança dos civis”. As forças de segurança deveriam “supervisionar a retirada de tribos envolvidas em combates com grupos fora da lei”, referindo-se aos combatentes drusos.
Uma série de vídeos violentos sobre o conflito circularam recentemente nas redes sociais, alguns mostrando o que parecem ser execuções de pessoas em trajes civis e humilhação de clérigos drusos idosos.
Dezenas de pessoas ofereceram relatos comoventes sobre a morte de seus entes queridos. Um morador que conseguiu deixar a cidade há alguns dias disse à AFP:
— Não nos resta mais nada. A maioria das pessoas que conhecemos, nossos familiares e amigos, estão mortas — disse o morador, que pediu anonimato por motivos de segurança.
