Não é novidade que Botafogo se consolidou como um dos bairros mais hypados do Rio, atraindo uma multidão para seus bares, restaurantes e espaços culturais. Mas nem todos estão comemorando. No ano passado, a Rua Arnaldo Quintela foi eleita uma das legais e descoladas do mundo, reforçando o status vibrante da região. No entanto, o sucesso tem um preço: moradores reclamam do barulho intenso, do trânsito caótico e das calçadas frequentemente ocupadas, transformando a rotina local em um dilema entre efervescência e qualidade de vida. Quase uma relação de amor e ódio.
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A movimentação começa já pela Rua General Polidoro, onde estão o Chanchada e o Polvo Bar. Às sextas-feiras, às 19h, as mesas já estão ocupadas, e os frequentadores tomam conta das calçadas. Um pouco à frente, já na Arnaldo Quintela, o cenário é de uma rua boêmia que não comporta espaço para pedestres.
O empresário João Calil Fontes, sócio dos bares Xepa (Rua Arnando Quintela) e Maravilha (Rua Sorocaba), explica que a licença de uso da calçada diz que os estabelecimentos podem utilizar a área aprovada em sua totalidade, respeitando 1,5m da calçada livre de mesas e cadeiras, e diz que as pessoas em pé na calçada são circulantes.
— Botafogo sempre esteve no hype por ser um bairro que dá acesso a todos os outros e ter uma densidade populacional alta. A ocupação, desde que feita de forma ordenada, é positiva. Muitos clientes são do próprio bairro e até vizinhos dos bares. O que precisa ser coibido são os bares que não obedecem às regras do bom convívio e à lei. Mas é necessário que haja bom senso de ambas as partes. Os bares que não respeitam horário, limite de som e calçada são denunciados até mesmo pelos outros bares que cumprem as regras e buscam uma aproximação com os moradores que se sentem incomodados. O comércio precisa ser positivo para todos. Até para quem não gosta dos bares — argumenta.
Sócio da Officina Local, também na Arnaldo Quintela, Guilardo Rocha conta que há duas semanas a Secretaria municipal de Ordem Pública (Seop) vem realizando operações na rua e que alguns estabelecimentos foram multados. Diz ainda que os bares e restaurantes do logadouro fazem parte de uma associação e que estão empenhados em achar soluções para que os moradores não sejam afetados pela ocupação. E afirma que o movimento no local ajuda a aumentar a segurança no entorno:
— Ficamos felizes por alguns moradores terem destacado a Officina Local como um bom exemplo a ser seguido. Somos um restaurante e fechamos cedo, por volta de meia-noite, não temos música e respeitamos o espaço na calçada para a circulação de pedestres. Como temos um grande salão interno, isso acaba ajudando. A Officina e outros estabelecimentos fazem parte de uma associação de bares e restaurantes, e estamos buscando chegar num mundo ideal em que os moradores nos apoiem e não se queixem mais de barulho e ocupação das calçadas. Estamos tentando um alinhamento, mas tem uma questão para a qual já chamaram a atenção. É que muitas vezes a desordem é causada por ambulantes que acabam ocupando as ruas e permanecem após o fechamento dos estabelecimentos. Nem sempre a culpa é dos bares e restaurantes, mas nós é que pagamos a conta.
Professora de inglês e frequentadora dos bares do bairro, Daniela Carneiro acredita que é o próprio público que contribui para a desordem no bairro.
— Se formos justos, o direito privado do bar nunca vai se sobrepor ao público (direito de ir e vir da população). E as pessoas não estão nem aí, ninguém pensa nos moradores, no trânsito, no barulho, todos querem é sua diversão garantida. Para mim, nada incomoda, porque eu não moro aqui, mas se eu fosse moradora, não iria gostar — lamenta.
Regina Chiarádia, presidente da Associação de Moradores de Botafogo, diz que o direito ao lazer não pode se sobrepor ao do descanso. Segundo ela, Botafogo está pedindo socorro.
— Queremos que a prefeitura tome uma providência em relação à desordem urbana. Hoje, nossa realidade é o excesso de mesas nas calçadas que não deixam área livre para a circulação, a quantidade absurda de pedestres até nas pistas de rolamento que impedem que os carros passem, os moradores que não conseguem dormir por causa do barulho. Algo precisa ser feito. A fiscalização aparece, mas no dia seguinte os estabelecimentos já cometem as mesmas infrações. Ou eles não pagam as multas ou elas são irrisórias. Tem que cassar o alvará, aumentar as multas, fechar os bares — opina.
Localizado na Rua Fernandes Guimarães, o Estação Botafogo exalta o bom momento que o bairro vive e aproveita para consolidar o negócio. A sócia Rafaela Peixoto conta que também é moradora de Botafogo e vê de maneira positiva a ocupação.
— Não há dúvidas de que o ponto forte que nos levou a escolher o bairro foi o hype em que a região se encontra. É algo incrível de ver, como também moradora da rua, a mudança que ocorreu em pouco tempo. Todo mundo ama vir para cá e se sente à vontade! Dos cariocas aos gringos, é unânime. Esperamos que a rua cresça cada vez mais e que possamos influenciar positivamente a economia e o turismo do Rio — diz.
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A esquina da Arnaldo Quintela com a Fernandes Guimarães concentra muitas reclamações de moradores. A rua fica tão cheia que há relatos de pessoas que não conseguem entrar em suas casas ou até mesmo sair para passear com seus cães.
— Moro aqui desde setembro, e essa movimentação das pessoas em pé na rua me atrapalha muito. Ocupam a entrada da nossa vila, e é impossível entrar ou sair — conta Márcio Rodrigo Lima.
Também morador da Fernandes Guimarães, Manoel Monteiro de Arruda lembra que há dois anos realizou o sonho de morar perto do trabalho e ter a sua casa. No entanto, agora vive um pesadelo.
— A gente só consegue entrar quando os agentes da Seop estão por aqui. Já teve briga de morador com frequentador de bar porque não conseguia entrar em casa e por causa de barulho. Muitas vezes, os seguranças e funcionários dos bares intimidam a gente. O pior é que o frequentador sabe que está incomodando e parece não se importar — diz.
Leonardo Nunes, também morador do entorno, diz que a ocupação foi importante porque antes o local era deserto e agora a sensação de segurança aumentou. No entanto, cita alguns problemas:
—Não consigo descer ou entrar no Uber na porta da minha casa. Tenho que parar em outro local e vir andando. A galera ocupa até a rua; o trânsito fica impraticável também. Tem lugares que não dá para passar de carro. Era preciso que as pessoas tivessem o mínimo de bom senso.
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Moradora da Rua da Passagem, a síndica Ana Mota costuma frequentar bares e restaurantes, mas não aprova o que acontece próximo à Arnaldo Quintela.
— Escuto da minha casa uma barulheira absurda de quinta a sábado, até três e pouco da manhã. Moro de fundos e ouço as pessoas, as buzinas e a música da Fernandes Guimarães. Gosto de sair por aqui, sou uma entusiasta do bairro, mas o que tem acontecido nos últimos anos é um descaso com moradores e com o patrimônio público. Se você passa por ali às 8h, encontra uma quantidade de lixo absurda. Fora que os restaurantes e bares se apoderam das calçadas, não permitindo que as pessoas transitem com facilidade, e não fazem melhorias nelas. Recentemente, o número de pessoas que passaram a vir de carro para a região também aumentou muito, e a Arnaldo Quintela virou um grande estacionamento. As calçadas já são todas detonadas. A Polícia Militar, quando precisa sair do batalhão com o seu carro pela Fernandes Guimarães, não se intimida em ligar a sirene, mesmo que seja de madrugada, porque eles precisam que as pessoas desocupem a rua e se desloquem para as calçadas — detalha.
Outro morador, Júnior Medeiros ainda completa:
— Não dá para esquecer da galera que urina nas ruas e nas portarias dos prédios.
O cenário não é diferente na Rua Nelson Mandela. Há mais espaço para os pedestres passarem pela calçada, mas o barulho dos frequentadores também é motivo de queixa.
— Dá para ouvir da nossa casa, e olha que moro em andar alto. Tem uns bares que colocam música ao vivo, e isso nos incomoda. Mas acho que o pior é em dia de jogo; parece que o Maracanã está todinho dentro do meu apartamento. Os piores dias são sexta, sábado e domingo — conta Joyce Rangel.
Sócio do Malandro Botequim, Tarcísio Viana se posiciona:
—Nossos sambas são apenas aos sábados, das 14h às 18h, sempre dentro dos limites estabelecidos pelas leis municipais, respeitando a emissão máxima de 75 decibéis. Precisamos ficar atentos ao preconceito sofrido pelo samba, cultura periférica que apesar do hype ainda encontra dificuldades de chegar na Zona Sul.
A Seop diz que intensificou nos dois últimos fins de semana de março as ações de ordenamento, desobstrução de área pública e contra perturbação do sossego na Arnaldo Quintela e nas adjacências para coibir irregularidades como som acima do volume permitido e fora do horário estabelecido e ocupação irregular das calçadas e ruas, seja por mesas e cadeiras ou por outras estruturas. E informa que as fiscalizações continuarão.
— Os bares e restaurantes são muito importantes para a economia da cidade, porém todas as vezes que os comerciantes se mostrarem incapazes de respeitar as regras municipais por conta própria, o poder público vai atuar de maneira firme. Seguiremos com as ações de ocupação e ordenamento na Rua Arnaldo Quintela e nas adjacências para que os bares sigam funcionando com respeito às regras e aos moradores da região — destaca o secretário de Ordem Pública, Brenno Carnevale.
A Seop se reuniu nas últimas semanas com a Associação de Moradores de Botafogo, assim como com a de bares e restaurantes da região, para expor as regras, explicar o objetivo do trabalho e a importância dos bares e restaurantes para a cidade e ouvir as demandas dos dois grupos.
— Nossas equipes têm atuado com rigor para garantir o direito ao descanso dos moradores. Entendemos as preocupações da comunidade e seguimos fiscalizando os estabelecimentos para que cumpram as normas vigentes. Nosso compromisso é com uma cidade organizada e respeitosa para todos — afirma o subprefeito Bernardo Rubião.