Durante anos, a maior despesa da Pacific Coast Producers era com os pêssegos, peras e tomates cultivados pelos agricultores da cooperativa, processados para venda em supermercados, além de restaurantes, hospitais e refeitórios escolares. Mas, desde 2018, as frutas não são mais a maior despesa, mas sim as latas.

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Novas tarifas estão reacendendo tensões em torno de um item essencial para a indústria de alimentos e bebidas, mas que a maioria dos consumidores raramente considera. As latas provavelmente ficarão mais caras após a decisão do presidente Donald Trump de dobrar as tarifas sobre o aço importado, principal material usado em latas para alimentos, e sobre o alumínio, comumente usado em bebidas.

Cerca de 80% do aço estanhado especializado — ou seja, aço com uma fina camada de estanho — usado nas latas de alimentos vem do exterior. E, embora cerca de 70% do alumínio usado em latas de cerveja, energéticos e refrigerantes seja reciclado, os 30% restantes, de alumínio virgem (ou novo), são em grande parte importados.

A Pacific Coast Producers não sentirá esse impacto — por enquanto. Assim como outros fabricantes, ela garantiu com antecedência elementos críticos de sua cadeia de suprimentos. Mas, se essas tarifas permanecerem, o próximo pedido de latas revestidas com estanho poderá custar à cooperativa mais US$ 40 milhões.

— Não podemos absorver esses custos — disse o CEO Matt Strong.

A cooperativa, com sede em Lodi, Califórnia, vende suas frutas sob diversas marcas próprias e tem uma receita anual de US$ 1,1 bilhão. Strong estima que provavelmente terá que aumentar os preços para os varejistas, como supermercados, em até US$ 0,10 por lata para cobrir os custos adicionais. Segundo ele, os varejistas podem repassar esse aumento ao consumidor.

Fabricantes de aço e o governo Trump argumentam que tarifas mais altas são necessárias para proteger as indústrias da “concorrência estrangeira desleal” e incentivar investimentos em usinas novas e existentes. Mas fabricantes de latas e empresas de alimentos e bebidas afirmam que as novas tarifas vão elevar os preços e dificultar a concorrência com fornecedores estrangeiros.

As tarifas anteriores não incentivaram os fabricantes de aço e alumínio a expandirem a produção nos EUA dos metais usados para fabricar latas. Em vez disso, a reduziram.

Latas de aço estanhado, feitas de aço com uma fina camada de estanho — Foto: The New York Times

Em 2018, Trump impôs tarifas de 25% sobre o aço e de 10% sobre o alumínio, com algumas exceções. Nos anos seguintes, produtores de aço encerraram nove linhas de produção de aço estanhado especializado em todo o país, restando apenas três, segundo o Can Manufacturers Institute.

Na quarta-feira, a Nippon Steel concluiu a aquisição da U.S. Steel, mais de um ano após a siderúrgica japonesa tentar comprar sua concorrente americana. Pelo acordo, o governo manterá o direito de nomear um diretor independente para o conselho da U.S. Steel. A maioria dos membros do conselho será composta por cidadãos dos EUA.

A U.S. Steel ainda produz aço estanhado, mas reduziu suas operações nos últimos anos. A Cleveland-Cliffs fechou uma fábrica de aço estanhado em Weirton, na Virgínia Ocidental, em 2024, citando uma decisão da Comissão de Comércio Internacional que rejeitou as tarifas dos EUA sobre países estrangeiros que exportavam aço estanhado e outros metais para os Estados Unidos.

A U.S. Steel e a Cleveland-Cliffs não responderam aos pedidos de comentário.

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Nas últimas duas décadas, o número de fundições de alumínio nos Estados Unidos caiu de 24 para apenas 4, de acordo com a Aluminum Association. Segundo ela, as altas tarifas sobre o alumínio importado não trarão de volta a produção de alumínio primário no país. Em vez disso, o setor precisa de uma mudança na política energética para fornecer a enorme quantidade de eletricidade necessária à produção de alumínio a um custo razoável.

A combinação das tarifas e da queda na produção de aço estanhado e alumínio fez os preços das latas metálicas dispararem nos últimos cinco anos. O preço das latas de aço e produtos de estanho para os fabricantes subiu 67% desde 2020; os preços das latas de alumínio aumentaram 26% desde então, segundo o Bureau of Labor Statistics.

As tarifas mais altas sobre o alumínio também podem levar fabricantes de bebidas a considerar embalagens alternativas. James Quincey, CEO da Coca-Cola, afirmou este ano que a gigante de bebidas poderia migrar para embalagens plásticas caso os preços do alumínio disparem.

Alguns fabricantes de cervejas artesanais — setor que, nos últimos anos, transferiu grande parte do seu envase de garrafas para latas de alumínio — também estão reavaliando suas opções diante das novas tarifas sobre o alumínio.

— Podemos mudar facilmente. Temos uma linha de engarrafamento de alta velocidade — disse Fred Matt, presidente da Saranac Brewery, em Utica, Nova York. Mas ele afirmou que essa decisão afetaria alguns varejistas, que adaptaram suas prateleiras e estoques para latas.

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Matt disse que, por enquanto, a Saranac continuará usando latas, já que garantiu os preços de suas latas de alumínio para este ano ainda no outono de 2024, antes da entrada em vigor das novas tarifas.

— Tivemos sorte nesse ponto. Nem sempre se ganha nesse jogo — disse.

A Port City Brewing, em Alexandria, Virgínia, ainda coloca a maior parte de sua cerveja em garrafas, mas os executivos da empresa disseram que tiveram que se virar há alguns meses, quando seu fornecedor de garrafas os cortou de repente.

— Muitos dos grandes fabricantes começaram a migrar das latas para as garrafas. Eles não queriam pagar o preço mais alto das tarifas sobre o alumínio — disse Bill Butcher, um dos fundadores da pequena cervejaria, que encomenda cerca de 50 mil garrafas e 10 mil latas por mês.

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Butcher disse estar preocupado com o quanto o preço das latas de alumínio pode subir quando fizer seu próximo pedido, em meados de julho.

— Isso provavelmente vai nos obrigar a aumentar nossos preços. E eu não conheço ninguém que queira pagar mais pela cerveja, o que significa que os negócios podem desacelerar — disse.

Rick Huether, presidente e CEO da Independent Can, uma empresa familiar em Maryland que fabrica latas personalizadas para pipoca, biscoitos de Natal e petiscos para cães, disse que a incerteza causada pela postura volátil de Trump sobre as tarifas resultou em caos em toda a cadeia de suprimentos.

No ano passado, Huether afirmou ter vendido com prejuízo um excedente de aço estanhado que havia comprado. Este ano, com os preços disparando, ele não fará novos pedidos do aço até ter contratos firmados com os clientes.

Latas de aço estanhado em produção na Independent Can — Foto: The New York Times
Latas de aço estanhado em produção na Independent Can — Foto: The New York Times

Mas uma preocupação ainda maior para ele é que, se os preços do aço estanhado permanecerem altos, seus clientes podem começar a buscar alternativas de embalagens mais baratas.

— Pipoca não precisa ser colocada em lata. Pode ir em um balde ou pote plástico — falou.

Strong, da Pacific Coast Producers, disse que sua empresa pretende continuar usando latas. Mesmo com o aumento de preço nos últimos anos e os custos adicionais das novas tarifas, as latas de aço estanhado continuam sendo a opção mais barata para a Pacific Coast, e suas linhas de produção são em grande parte voltadas para latas. Strong estima que as latas representam 30% dos custos de produção da cooperativa, um aumento em relação aos 15% registrados em 2018.

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Embora compreenda a estratégia por trás das tarifas, ele disse que espera que seja possível conseguir uma exclusão para o aço estanhado usado pela indústria alimentícia. Sem isso, ele teme que os preços continuem subindo, afetando consumidores que já sentem o aperto no supermercado.

Além disso, embora o objetivo da política tarifária seja proteger as indústrias do aço e do alumínio, Strong afirmou que isso coloca fabricantes de alimentos, como sua cooperativa, em risco diante de frutas enlatadas mais baratas do exterior, incluindo as da China.

— O dano colateral dessas tarifas é significativo. Não temos produção doméstica suficiente de aço estanhado. Estamos tentando salvar uma indústria que simplesmente não existe.

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