Martha Nowill não tinha clareza sobre o desejo de ser mãe, embora uma voz lhe dissesse que “sim”, desde a adolescência. “Temia comprometer a minha carreira”, conta a atriz. Depois de tanto protelar, aos 39 anos, resolveu dar uma chance para o acaso. Ao transar pela primeira vez sem camisinha com o marido, o publicitário Luiz Braga, engravidou de gêmeos em plena pandemia. Era o início de uma jornada intensa e complexa o suficiente para preencher 224 páginas de um livro. “Coisas importantes também serão esquecidas” (Companhia das Letras), cujos trechos vão ser lidos por ela no próximo dia 9, na Janela Livraria, no Jardim Botânico, foi escrito na forma de diário e traz os altos e os baixos atravessados, entre a gestação o primeiro aniversário dos filhos, Maximilian e Benjamin.
A linguagem ágil e descontraída emoldura a sinceridade da autora, que se expõe de modo comovente nos relatos (não por acaso, está nua na capa). “Nada mais é meu aqui e tem um bicho crescendo dentro de mim! Alguma coisa tem que ser só minha, nem que sejam esses Yakults!”, esbraveja, num desentendimento com o parceiro em torno dos potinhos de leite fermentado na geladeira. Mas, para não pesar o clima, há também doses generosas de humor: “Hoje é aniversário do Caetano Veloso, e todas as músicas que ele cantou em sua live me fizeram chorar. Chorei até quando ele declamou um poema concreto e pediu para as pessoas ajudarem o Balé Folclórico da Bahia”.
A maneira como conduz o texto tem a ver com uma preocupação genuína: Martha não queria ser mais uma voz dizendo às outras mães como agir — um mal que perturba quase todas as mulheres nessa situação. “É zero ‘dedo na cara’”, diz. “Mostro os meus vacilos, exageros e falta de capacidade em lidar com determinadas situações.”
Escolhas que têm cativado admiradoras por diferentes cantos do país. No lançamento em São Paulo, a autora fez leituras de trechos do livro para um auditório lotado, com a participação de Regina Braga. A atriz é uma admiradora da obra: “A Martha escreve de uma forma tão verdadeira, que ficamos curiosos e instigados. A cada página, admiramos ainda mais a coragem dela”.
Um feito que deve se repetir no Rio, quando Maria Ribeiro, Andréia Horta, Fabiula Nascimento, Felipe Abib e Michel Melamed vão acompanhar a escritora nas leituras. “Em São Paulo, as pessoas riam e choravam ao mesmo tempo”, conta Martha. “É um texto que funciona muito bem nas bocas de outras pessoas também.”
O medo de precisar abrir mão da carreira que a afastou da maternidade por tanto tempo mostrou-se vão. Aos 44 anos, a atriz assumiu, pela primeira vez, a função de diretora teatral, na peça “A autoestima do homem hétero”, que estreia dia 5 de julho em São Paulo. Antes, volta aos palcos como atriz, no solo “Renda-se”, dia 13 de junho, também na capital. Além disso, está no longa “Privadas de suas vidas”, de Gustavo Vinagre e Gurcius Gewdner, que chega aos cinemas nos próximos meses.
A agenda ecoa um dos aspectos mais reveladores sobre a maternidade, na opinião dela. “Se você me falasse, alguns anos atrás, que eu iria dormir só três horas por noite durante seis meses, responderia: ‘Vou morrer!’. Mas não morri. Então, é como se a minha capacidade de dar conta das coisas tivesse se ampliado”, diz, antes de fazer uma ressalva: “Mas é preciso ter cuidado para que isso não vire uma permissividade, com essa ideia da mulher guerreira capaz de tudo. Nunca tive crises de ansiedade, como tive depois da maternidade. Ou seja, precisamos de ajuda.”
Não é à toa que Luiz, o marido, aparece um tanto exposto nos relatos do livro, entre afetos e quebra-paus, atravessados com muito diálogo. “Passamos a respirar fundo e negociar mais. Caso contrário, só resta a separação. E, mais do que nunca, somos os adultos da sala”, diz Martha.