Após uma programação intensa no Círio de Nazaré, maior procissão religiosa do mundo, e às vésperas da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025 (COP30) — o evento da década na cidade que carrega no nome e na carteira de identidade —, Fafá de Belém fez uma pausa estratégica. Refugiou-se em Lisboa, onde mantém um apartamento desde 2018, e recebeu a equipe da ELA para uma conversa franca entre maratonas. Aos 69 anos, a cantora continua exuberante, cheia de energia, mas consciente de que corpo e mente pedem descanso. “Precisava parar um pouco. Este ano não fiz turnê por causa de uma fratura no joelho, e, há alguns meses, tive um burnout”, conta, agora nitidamente recuperada.
Durante a sessão de fotos, cantava em alto e bom som em meio aos cliques, transformando o pequeno estúdio no bairro da Ajuda em um show particular. Estar com Fafá é perceber mais do que a gargalhada solta que virou símbolo de sua persona. É sentir um perfume sutil, só dela — do banho de cheiro que a acompanha desde a juventude e que remete a lembranças de Belém. Falou-se de (quase) tudo: política, pele de pêssego e “sem Botox”, prazer de viajar sozinha “para se lembrar quem é”. Só não quis entrar em detalhes da vida amorosa: “Nunca respondo! Mas titia continua on”.
E não foge de polêmicas. Sobre supostas irregularidades no uso de verbas públicas destinadas ao Varanda de Nazaré, espaço que comanda há 15 anos durante o Círio, reafirmou o que já tinha dito para seus 1,2 milhão de seguidores no Instagram: “A edição de 2024 não recebeu recursos da Lei Semear nem qualquer repasse do governo estadual. A citação no Diário Oficial se tratou de erro”. A varanda, segundo ela, recebeu apoio institucional do Governo do Estado, sem qualquer vínculo financeiro direto.
Fafá fala com igual intensidade sobre a Amazônia e a COP30, que define como “uma oportunidade de se devolver a autoestima ao povo paraense”. Mas faz questão de cobrar: “Não existe Amazônia sem nós, o povo”. Mais do que uma cantora, Fafá é presença. Amazônica, feminina, política e, acima de tudo, livre.
A COP30 vai acontecer em Belém. Desde o anúncio, você critica a pouca presença de pensadores amazônicos nos debates e o uso do povo como alegoria. Quais são as suas expectativas?
Sempre fomos apagados. Não adianta fazer um espetáculo para o mundo e tirar os ribeirinhos de casa, para eles não participarem. Não existe Amazônia sem nós. E quando somos proibidos de fazer parte do espetáculo, atenção, algo está errado. Estive nas aberturas de outras COPs, mas na do Pará não fui convidada. Farei um espetáculo no Theatro da Paz (no dia 14) com o maestro João Carlos Martins, com ingressos populares e renda revertida para o povo de Santo Antônio. É o meu presente, a minha forma de entregar a COP para o povo do Pará.
Quais são as causas amazônicas mais urgentes?
O apoio às pesquisas da UFPA é fundamental. É preciso olhar e ouvir o nosso povo. A farmacopeia mundial nasceu das erveiras, das curandeiras. Elas precisam ser reconhecidas.
Como vê o atual momento político do Brasil?
O Brasil é uma democracia jovem. O apoio ao Bolsonaro, as tentativas de substituição da nossa bandeira pela dos Estados Unidos, eu não vejo como um movimento de direita. É um movimento de ignorância. Nem toda a direita pensa dessa forma.
Sobre as críticas à Varanda de Nazaré, você já se posicionou. Ainda assim, ficou abalada?
Não. Depois do burnout, entendi que sou maior que tudo isso. Acho que o componente é a inveja. E não é de longe, é de gente de perto. Tudo se resolveria com dois pares de convites para a varanda. Mas não entram na minha vida, muito menos no espaço em que levo meus convidados, por quem tenho respeito, para se envolver com gente que quer tirar selfie. Quando a varanda começa, já sofre uma grande reação dentro da elite paraense.
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Pensa em entrar efetivamente para a política?
Não. Não poderia ter partido. Sou uma pessoa livre. Prefiro um palanque livre. Sempre serei uma voz pela democracia.
Em 2022, você foi capa da revista ELA e se esquivou ao falar da vida amorosa. E agora?
Nunca respondo! (gargalha) É engraçado, se você pesquisar na internet, só aparece o nome do pai da minha filha, Raul. Mas… Titia continua on! Como disse naquela entrevista, vivo os anos 1970 até hoje. Sempre fui uma pessoa livre. Sou livre e careta ao mesmo tempo. Nunca pensei em me casar. Sempre quis uma profissão que me levasse para o mundo.
Você fala muito de liberdade. De onde vem essa força?
Meus pais sempre me deram muita liberdade. Com 10 anos, numa reunião de família, dei uma gargalhada e uma tia disse: “Com essa gargalhada, você nunca vai ser ninguém na vida porque nenhum homem vai te querer”. Saí batendo o pé, mas com o meu pai dando risada. Ele nunca teve preconceitos. O primeiro casal homossexual feminino assumidamente de Belém só era recebido lá em casa.
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Sempre foi símbolo de sensualidade, especialmente pelos seios fartos. Enxerga-se como essa mulher sensual?
Nunca levei isso a sério. Sempre estive confortável na minha pele. Na Amazônia, a gente gosta de ser mulher. O batom vermelho faz parte de tudo. Agora, eu superei o “não” muito cedo. Não era a mais bonita nem tinha o corpo ideal. Era gordinha, perguntadeira, agitada, não queria casar, não queria ser Miss Pará…
Também naquela entrevista à ELA disse que não fazia botox. Isso mudou? E os seios, são prótese?
Sigo com a minha “bruxa”, a Roseli Siqueira (referência em beleza natural), que cuida de mim há 29 anos. Ela também recuperou a pele da Isabella Fiorentino. Uma vez fiz Botox e fiquei com a cara do Jader Barbalho. (risos) Não gostei! Os seios não são prótese, os reconstruí com minha própria gordura. Já quero fazer de novo.
Você teve um burnout em janeiro. Como lidou?
Foi difícil. Tive decepções que me afetaram. Senti falta de ar, o corpo paralisou. Precisei ser internada por cinco dias. Tive medo que as pessoas dissessem que era overdose, então quis logo falar sobre isso. E voltei pra terapia, que tem sido fundamental.
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Além da terapia, o que faz para se reconectar?
Sempre adorei viajar sozinha. Gosto de estar num lugar onde ninguém me conhece, para lembrar quem sou sem as regalias. Já fui pra Grécia, Istambul, Tailândia… Só fiquei assustada na Tailândia, pensei: “Meu Deus, será que ainda fazem tráfico de mulheres na minha idade?” (risos). Agora quero ir ao Butão, ao Vietnã e ao Camboja sozinha também. Sou muito maternal. Se viajo acompanhada, acabo cuidando dos outros e esqueço de mim.
Estamos em Lisboa. Hoje você se divide entre a sua casa aqui e em São Paulo. Qual a relação com Portugal?
Minha avó era portuguesa. Ela saiu daqui com 19 anos e levou com ela três filhos, fugindo da fome e talvez de um marido abusivo. Quando eu cheguei a Portugal pela primeira vez, que fui para o Norte, eu sentia o cheiro dela. Essa relação de Portugal com a minha história é muito forte. Belém é a cidade mais portuguesa que existe no Brasil — o bacalhau, o Natal, os doces, as rabanadas, a aletria… Tudo vem dessa herança. Os meus amigos da maturidade foram feitos aqui em Portugal. Tenho grandes amigos portugueses — cantores, donos de restaurante, pessoas normais. Eles veem a minha casa acesa, me levam um vinho, cozinhamos… E, profissionalmente, acho que sou a única cantora brasileira que canta de Freixo de Espada à Cinta a Castro Marim. Uma das coisas mais lindas da minha vida foi ter cantado “Vermelho” no estádio Benfica. Sou benfiquista.
O que o público pode esperar dos próximos projetos?
Tem o musical sobre a minha vida que estreia no dia 15 de janeiro, no Teatro Riachuelo, no Rio. A minha neta (Laura Saab) fez os testes sem me avisar, passou, e vai me interpretar criança. Vou ter a honra também de ter Lucinha Lins e a Helga Nemeczyk no elenco. Tem também um filme previsto, talvez saia a biografia. Não posso dar spoiler, mas ano que vem vamos ter turnê e uma parceria poderosa. Estamos há seis meses trabalhando nisso, com a Mariana (sua filha) como supervisora de repertório. Cada vez mais ela está presente no meu trabalho, me ajudando com as coisas que quero fazer, respeitando os meus tempos. Me aguardem que teremos projetos muito inusitados, mas muito pertinentes.

